Acórdão nº 01880/08.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | Rosário Pais |
Data da Resolução | 08 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 30.09.2019, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IVA e juros compensatórios do ano de 1993, no valor de € 154.151,09, e reconheceu o direito da impugnante Sociedade I., Lda, ao recebimento de juros indemnizatórios.
1.2.
A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: «A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença, na parte em que julgou procedente e determinou a anulação das liquidações adicionais de IVA do período de 1993, liquidações de juros compensatórios dos períodos de 9307, 9308, 9309, 9310, 9311 e 9312, no montante total de € 154.101,09 e condenou ainda a AT ao pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao imposto já pago.
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É nosso entendimento que a douta sentença errou na apreciação e julgamento da matéria de facto e subsunção ao direito aplicável, por errada interpretação nomeadamente dos arts. 3º, nº1, al. m), 15º, nº1, 70º, nº1, do Código do Registo Comercial e 166º, do Código das Sociedades Comerciais e, finalmente, do artº 43º da LGT, conforme se passa a explicar.
Da anulação das liquidações impugnadas por preterição de formalidade legal C. O Tribunal considerou provados, entre outros, os seguintes factos: 1) Por sentença transitada em 5.02.1998 foi designado gerente da sociedade Sociedade I., Lda., pelo período de dois anos, D. – cfr. fls. 82/17 do processo de RG junta aos autos.
2) No cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI91063, os Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto efectuaram procedimento inspectivo à Sociedade I., Lda., em sede de IVA e IRS, com incidência nos exercícios de 1993 – cfr. fls. 1 a 11 do processo administrativo (PA) junto aos autos.
4) Na sequência das correcções descritas em 3), a Direcção-Geral dos Impostos remeteu em 24.09.1998 à “Sociedade I., Lda., na pessoa do sócio gerente M.”, o ofício n.º 6925 respeitante a notificação da fixação da matéria colectável – cfr. fls. 53 e 54 do processo de RG junto aos autos.
5) Na sequência das correcções descritas em 3), a Direcção-Geral dos Impostos remeteu em 24.09.1998 à “Sociedade I., Lda., na pessoa do sócio gerente A.”, o ofício n.º 6925 respeitante a notificação da fixação da matéria colectável – cfr. fls. 56 do processo de RG junto aos autos.
6) Na sequência das correcções descritas em 3), a Direcção-Geral dos Impostos remeteu em 24.09.1998 à “Sociedade I., Lda., na pessoa do sócio gerente J.”, o ofício n.º 6925 respeitante a notificação da fixação da matéria colectável – cfr. fls. 57 do processo de RG junto aos autos.
7) Na sequência das correcções a que se alude em 3), foi emitida a liquidação de IVA n.º 98338108 do período de 1993 no montante de €82.254,05, liquidação de juros compensatórios n.º 98338102, do período de 9307 no montante de €13.000,46, n.º 8338103, do período de 9308 no montante de €12.439,52, n.º 98338104, do período de 9309 no montante de €12.236,69, n.º 98338105, do período de 9310 no montante de €12.027,12, n.º 98338106, do período de 9311 no montante de €11.161,01, n.º 98338107, do período de 9312 no montante de €10.982,24 – cfr. fls. 65 a 70 do processo de RG junto aos autos.
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A Fazenda Pública, com o respeito devido por melhor opinião, entende que não foi levada ao probatório toda a matéria de facto tida nos autos e que se mostra relevante para a boa decisão da causa, e que deverão ser acrescentados à matéria dada como provada, os seguintes factos, o que desde já requer: Primeiro - “Em resposta à notificação remetida pela Inspeção Tributária a D., para, na qualidade de Administrador Judicial da Sociedade I. Lda, exibir documentos da contabilidade relativos aos anos de 1992 a 1996, o mesmo apresentou, em 20 de Maio de 1997, requerimento no qual informa aqueles Serviços que, apesar de indicado pela referida sociedade para exercer a função de gestor judicial, até à data, não tinha conhecimento de ter sido nomeado; mais acrescentou que, mesmo que o Administrador Judicial estivesse nomeado, a tarefa para a qual o notificavam seria atribuição da gerência da referida sociedade.” – cfr. folhas 32 dos autos de reclamação graciosa junta com o processo administrativo de impugnação.
Segundo - “A designação de M. como gerente, pelo período de dois anos, foi levada a registo junto da respetiva Conservatória do Registo Comercial, através da apresentação nº 10 de 28-10-1998; esta apresentação foi registada como “provisório por dúvidas”, e foi “convertida em definitivo” pela apresentação nº 31 de 07-05-1999.” – cfr. certidão do registo comercial.
Terceiro - “A designação como gerente de D., foi publicada no Diário da República do dia 04-08-1999.” – cfr. documento nº 3 junto à petição da reclamação graciosa.
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O Tribunal recorrido fixou, em consonância com o facto 1 da matéria de facto provada, que D. foi designado gerente da Impugnante por sentença transitada em 05-02-1998, concluindo que, em 24-09-1998 era ele quem geria e representava a Impugnante.
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A decisão da fixação da matéria coletável foi notificada em 24-09-1998, a M., A. e a J. (pontos 4 a 6 do probatório).
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O Tribunal a quo decidiu que a Impugnante não foi notificada da decisão de fixação da matéria tributável na pessoa do seu gerente, concluindo ter ocorrido preterição de formalidade legal essencial.
H. O que determinou a procedência do pedido, apoiado neste fundamento.
I. Ora, da matéria que agora se requer que seja aditada aos “factos provados”, decorre que, à data em que os Serviços de Inspeção Tributária da AT emitiram as notificações consideradas nos pontos 4, 5 e 6 do Probatório, a nomeação de D., não constava da ficha de inscrição da sociedade junto da Conservatória do Registo Comercial.
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A atualização dos órgãos sociais, designadamente da nomeação de D. como gerente da impugnante, junto da conservatória do registo comercial apenas foi pedida em 28-10-1998 (e, ainda assim, ficou registada como provisória por dúvidas até 07-05-1999), e publicada em Diário da República em 04 de agosto de 1999.
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Os atos relativos às sociedades, nomeadamente a designação e a cessação de funções, por qualquer causa que não tenha a ver com o simples decurso do tempo, dos órgãos de administração das sociedades, encontram-se sujeitos a registo e publicação obrigatórios – arts. 3º, nº1, al. m), 14º, 15º, nº1, 70º, nº1, do Código do Registo Comercial e 166º e 168º do CSC.
L. E, por força do disposto no art.º 14º, nº1 do Código de Registo Comercial, na redação à data dos factos (Decreto-Lei n.º 216/94, de 20 de agosto), tais factos só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo.
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O art. 168º do Código das Sociedades Comerciais consagra um conceito lato de terceiros, abrangendo todo aquele que é estranho ao facto sujeito a registo – cfr. acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa nº 2785/08.7TBPDL.L1-7 de 01-24-2012 e acórdão nº 929/13.6TYLSB.L1 -7, de 20-02-2018.
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E, deste modo, também a Administração Tributária é considerada como terceiro.
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Ora, em 24.09.1998, quando os Serviços de Inspeção Tributária notificaram a Sociedade I., Lda., da fixação da matéria coletável decorrente do procedimento tributário, o Sr. D. não constava no registo comercial como gerente da Inspecionada.
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A publicidade conferida pelo registo tem como consequência a eficácia em relação a terceiros. Essa eficácia divide-se num aspecto positivo (a eficácia em relação a terceiros do que foi publicitado) e num aspecto negativo (eficácia limitada ou nula dos factos sujeitos a registo mas que ainda não foram inscritos).
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A oponibilidade face a terceiros, nomeadamente a Fazenda Pública, somente se verifica a partir do momento em que os factos em causa se encontram registados (cfr. artº.14, nº.1, do Código do Registo Comercial) – neste sentido vejam-se os acórdão do TCAS 09/27/2018 no recurso 1058/09.2BESNT e o acórdão do STJ de 25-07-1996, BMJ 458º -354, nos termos do qual é regular a citação de sociedade comercial feita na pessoa de gerente já exonerado, anteriormente ao pedido de registo da cessação de funções.
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Ora, atendendo a que no caso dos autos, a AT notificou todos quanto no processo de recuperação de empresa nº 349/96, instaurado em nome da Impugnante surgiam como sócio e/ou gerente, alguns deles também no registo comercial, seria de esperar, em nosso entender, que o Tribunal ajuizasse que a AT, agiu de acordo com a informação disponível designadamente no registo comercial.
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Tanto mais que, tendo sido notificado no mês de maio (de 1997), para apresentar a contabilidade da “Sociedade I. Lda”, o Sr. D., respondeu não ser o gestor judicial nomeado, mas mesmo que o fosse, as notificações da AT, deveriam ser remetidas aos sócios gerentes.
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Daí que se defenda que este facto (demonstrado pelo documento junto aos autos, folhas 32 do processo de reclamação graciosa), deverá passar a constar dos factos provados.
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E que se entenda que a falta de notificação na pessoa do gerente nomeado decorre de incumprimento da Impugnante do dever de registo, sendo inoponível, à AT, as consequências decorrentes desse incumprimento.
V. A realização do registo, embora continue confiada aos particulares, é-lhes imposta pelo legislador como um dever jurídico cujo incumprimento, além de ter igualmente como consequência a inoponibilidade do facto não registado a terceiros, sujeita a sociedade infratora a determinadas sanções, previstas no art. 17º do Código.
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Com esta decisão, o Tribunal a quo veio permitir que a Impugnante beneficie com a omissão do registo atempado da nomeação de D., o que contraria em nossa opinião, a ratio legis das regras de registo que visam garantir as garantias de segurança do comércio jurídico.
X. Face ao exposto, entende a Fazenda Pública que a douta...
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