Acórdão nº 02936/10.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelCarlos Luís Medeiros de Carvalho
Data da Resolução08 de Julho de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO “MUNICÍPIO DO PORTO” (doravante «MP»), devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 04.03.2011, que deferiu a providência cautelar de suspensão de eficácia que contra o mesmo havia sido deduzido por L…, igualmente identificado nos autos, decretando a suspensão de eficácia do despacho da Vereadora da CM Porto com Pelouro da Habitação, proferido em 10.08.2010, que tinha indeferido o pedido de acumulação de funções públicas com funções privadas formulado pelo requerente cautelar.

Formula o recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 276 e segs.

- paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

  1. O legislador tem vindo sucessivamente a restringir ao mínimo as possibilidades de cumulação de funções por parte de colaboradores vinculados à Administração Pública, sendo que, nos termos dos artigos 25.º e ss. da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, a regras é a proibição de cumulação de funções, sejam elas públicas ou privadas; B) O Recorrido é colaborador do Recorrente, tendo com esta um dever de exclusividade no exercício das suas funções. Por outro lado, o Recorrido não tem qualquer vínculo à empresa municipal de Gestão de Obras Públicas da Câmara Municipal do Porto; C) É por autorização do Recorrente que o Recorrido está autorizado a exercer funções para uma entidade autónoma do Recorrente, in casu, a Gestão de Obras Públicas da CMP, E.E.M., sendo que essa autorização se restringe somente a esta entidade; D) Qualquer nova restrição ao dever de exclusividade a que o Recorrido está sujeito, relativamente ao Recorrente, dependerá sempre de prévia autorização da entidade em relação ao qual está vinculado, ou seja, o Recorrente; E) Com as alterações legislativas introduzidas nesta matéria, nomeadamente pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, o Recorrente decidiu reapreciar todos os casos de colaboradores seus que estivessem em regime de cumulação de funções. Tal foi o caso do Recorrido; F) Nos termos do artigo 120.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, estar-se-á em presença de uma situação de facto consumado quando se revele de todo em todo impossível a reintegração específica da esfera jurídica do requerente, tendo por referência a situação jurídica e de facto para ele existente no momento da respectiva lesão, sendo que, caso essa reintegração não se mostre impossível, mas apenas difícil de efectuar, estaremos, quando muito, perante prejuízos de difícil reparação; G) Para se considerar existir uma situação de facto consumado não pode o julgador bastar-se com simples dúvidas, receios subjectivos ou meros juízos de probabilidade - o que ocorreu no caso em apreço, em que o Tribunal a quo considerou improvável que o Recorrido pudesse vir a reintegrar a lista de peritos do Ministério das Finanças; H) Crê o Recorrente que uma eventual suspensão do Recorrido da lista de peritos do Ministério das Finanças não implica um afastamento definitivo daquele, mas somente uma suspensão, sendo de todo provável que possa voltar a ser chamado para as mesmas funções, caso tal impedimento desapareça, nomeadamente tendo em conta o número de anos em que o Recorrido vem exercendo as funções de perito para a Repartição de Finanças de Matosinhos 1 (pelo menos desde 2001, de forma ininterrupta); I) O facto de o Recorrido vir desempenhando as funções de perito local para o Ministério das Finanças ao abrigo de uma autorização dada pelo então Presidente do Conselho de Administração da GOP não significa, como entendeu o Tribunal a quo, que o interesse privado se sobreponha ao interesse público, uma vez que a anterior legislação foi dada por quem não tinha para tal competência e num quadro legislativo radicalmente distinto nesta matéria; J) Num quadro de reapreciação universal, por parte do Recorrente, de todos os casos de colaboradores que estavam em regime de cumulação de funções, o decretamento da presente providência, levaria a que o Recorrido surgisse como um privilegiado em relação aos demais colaboradores do Recorrente, causando uma situação de desigualdade e injustiça insuportável no âmbito da sua estrutura; K) O caso Recorrido é particularmente gravoso se tivermos em linha de conta o facto de o mesmo exercer as suas funções numa empresa pública que se dedica à gestão de obras públicas, enquanto Director de Produção, e estar a acumular funções de perito local das Finanças, cujas funções consistem em atribuir valores pecuniários a prédios e a elaborar a proposta de zonamento (ou seja, o valor de terreno) do município ou parte do município; L) Assim, o decretamento da presente providência, comprometeria, definitivamente, a imagem pública que os colaboradores do Recorrente, colegas de trabalho do Recorrido, mas também a generalidade dos cidadãos guardam do Recorrente e da isenção e prossecução do interesse público a que este último e todos os seus colaboradores estão vinculados; M) Não estão assim preenchidos, no caso em apreço, os requisitos de periculum in mora e da ponderação de interesses, previstos no artigo 120.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CPTA, o que exige o não decretamento da providência cautelar requerida ...

    ”.

    Conclui no sentido da revogação da decisão e consequente indeferimento da pretensão cautelar contra o mesmo deduzida. O requerente, ora recorrido, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 312 e segs.

    ) nas quais pugna pela manutenção do julgado formulando conclusões nos termos seguintes: “...

    1. Não são improváveis nem irrazoáveis as ilegalidades que o Recorrido apontou ao acto impugnado, pelo que verifica-se no caso dos autos o requisito do fumus bonus iuris.

    2. Não existe fundamento ou prova no processo para alterar a decisão da matéria de facto, designadamente o ponto 9, sendo que a mera convicção do Recorrente, destituída de base legal ou factual, não deve prevalecer sobre a livre convicção do M.º Senhor Juiz que analisou e ponderou cuidadosamente a prova produzida em audiência.

    3. Exercendo o Recorrido as funções de perito em acumulação com a de funcionário do Município do Porto há mais de 10 anos, nenhum prejuízo existe para a imagem pública da instituição.

    4. Nem o Recorrido pode ser considerado um privilegiado por ter recorrido a juízo, tanto mais que tem do seu lado a aparência do direito ...

      ”.

      O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto nos arts. 146.º e 147.º ambos do CPTA veio apresentar parecer/pronúncia no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 330/334), parecer esse que objecto de contraditório não mereceu qualquer resposta (cfr. fls. 335 e segs.

      ).

      Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. e) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

    5. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que se, pese embora por um lado, o objecto do recurso se ache delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) (na redacção introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24/08 - cfr. arts. 11.º e 12.º daquele DL -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal “ad quem” em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto ainda que a declare nula decide “o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito” reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

      As questões suscitadas e de que cumpre decidir resumem-se, em suma, em determinar se na situação vertente a decisão judicial ao julgar procedente a pretensão cautelar formulada o fez enfermando de erro de julgamento de direito por infracção ao disposto no art. 120.º, n.ºs 1, al. b) [requisito do “periculum in mora”] e 2 [requisito da ponderação dos interesses públicos e privados em presença] [cfr. respectivas alegações e conclusões supra reproduzidas].

    6. FUNDAMENTOS 3.1.

      DE FACTO Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade: I) O Requerente é funcionário do Requerido e exerce actualmente funções de Director de Produção em regime de cedência de interesse público na empresa “Gestão de Obras Públicas da Câmara Municipal do Porto, E.E.M.

      ”, anteriormente em regime de requisição (Docs. n.ºs 01, 02 e 03), na qual aufere o rendimento líquido mensal de 2.586,30€ (Doc. n.º 24).

      II) A “Gestão de Obras Públicas da Câmara Municipal do Porto, E.E.M.

      ” foi constituída pelo Município do Porto como entidade empresarial local, de natureza municipal, que goza, enquanto pessoa colectiva de direito público, de personalidade jurídica e é dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, ficando sujeita a orientações estratégicas da Câmara Municipal do Porto - vide artigo 01.º, n.º 2 dos Estatutos juntos aos autos a fls. 226 a 246.

      III) Por despacho de 16.01.2001, proferido pelo então Presidente do Conselho de Administração da empresa “Gestão de Obras Públicas da Câmara Municipal do Porto, E.E.M.

      ”, o Requerente estava autorizado a acumular as suas funções com as de perito avaliador local do Ministério das Finanças, desde Janeiro de 2001 (Doc. n.º 04 e Doc. n.º 06).

      IV) Em 14.04.2010, foi proferido pelo Presidente da Câmara Municipal do Porto o Despacho I/52122/10/CMP, nos termos do qual: “… os trabalhadores e dirigentes que exerçam funções no Município do Porto, e que detêm autorização de acumulação de funções, deverão requerer a reapreciação de todas as situações de acumulação de que beneficiam, a fim de as mesmas...

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