Acórdão nº 01945/05.7BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO FB(...), já identificado nos autos, instaurou acção administrativa comum, com processo ordinário, contra o Estado Português, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, pedindo a condenação do mesmo a pagar-lhe a importância de € 60.000,00, a título de compensação por danos não patrimoniais.

Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada parcialmente procedente a acção e condenado o réu a pagar ao autor a importância de € 15.000,00, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal anual sobre aquela soma, desde a data da citação e até efectivo pagamento.

Desta decisão vem interposto recurso pelo Réu que, em alegação, concluiu assim: 1-Não dá lugar a indemnização com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por «inércia» do tribunal de família, a pendência de um incidente de incumprimento de um acordo de regulação do poder paternal por cerca de sete anos, se no processo ficou demonstrado que o tribunal e o IRS tiveram uma prolongada e incessante actividade no sentido de assegurar um regime de visitas que permitisse à menor e aos progenitores manterem contactos regulares, e sobretudo se existem no processo exames e avaliações psicológicas que indicam que tais visitas, a partir de um anterior incumprimento por parte do pai na reentrega da menor, então com oito anos de idade, à mãe, podiam comprometer, da forma que estavam a ser implementadas, o são equilíbrio e o desenvolvimento da personalidade da menor, que manifestava receio e apreensão perante a perspectiva de visitar o pai.

2- O tempo de pendência do processo não foi o responsável pelo «rompimento dos laços familiares existentes», se se demonstra que o incidente foi proposto exactamente porque esses laços familiares já não se mostravam sólidos, com prejuízo para o equilíbrio emocional da menor, e que o tribunal, ao invés, fez tudo o que esteve ao seu alcance para salvar tais laços.

3- Pelas razões constantes das duas conclusões anteriores não se verificam no caso vertente os requisitos da ilicitude, da culpa, nem do nexo de causalidade.

4- Ao decidir de forma diferente a sentença recorrida incorre na violação dos artigos 20º nº 4 da Constituição da República e os artigos 2º nº 1 e 6º do DL 48051, de 21-11-67, entre outros.

5- Ainda que se entendesse verificarem-se os elementos constitutivos da responsabilidade civil e admitindo que os efeitos verificados na esfera do Autor têm gravidade suficiente para merecer a tutela do direito, tudo sem conceder, o levíssimo grau de culpa e ilicitude verificados impõem que a indemnização a atribuir se revista tão só de um carácter meramente simbólico, pelo que nunca deve ser superior a € 1.000.

Pelo exposto, julgando-se a Acção improcedente, por não provada, e dela se absolvendo o Réu Estado Português, ou pelo menos arbitrando-se indemnização em valor não superior a € 1.000, far-se-á JUSTIÇA! O Autor ofereceu contra-alegação, concluindo do seguinte modo: 1 – O Réu Estado, ora recorrente, deverá indemnizar com fundamento em responsabilidade civil extracontratual o Autor, ora recorrido, pela sua “faute du service” et “faute de service”. E nestes casos existirá uma presunção de culpa iuris tantun (á luz dos princípios do Código Civil e de um critério de apreciação da culpa mais consentâneo com a realidade administrativa, vide Tiago Viana Barra: “A responsabilidade civil administrativa do Estado”, pg 111 in ROA, Jan/Mar.2011), que salvo melhor opinião, antes pelo contrário, não foi ilidida no presente caso sub iudice, (vide à cautela a evolução legislativa, art.10º da LRCEE) daí a responsabilidade do Estado por facto ilícito, pelo funcionamento anormal do serviço público de administração da justiça, tendo por isso violado, com a sua actuação, os princípios constitucionais consagrados nos artigos 20º, 22º, 271ºda C.R.P.

2 – Efectivamente, A DURAÇÃO EXCESSIVA, de oito anos, na obtenção de uma decisão judicial num incidente de incumprimento do direito de visitas e de alteração da regulação do poder paternal, TRADUZ-SE NUM “NON LIQUET”, ao que acresce O INEXPLICÁVEL E INFUNDADO EXTRAVIO DO PROCESSO durante pelo menos quatro anos! 3 – Os prejuízos causados pela inércia da administração da justiça, pela “faute de et du service”, foram inquestionavelmente, a dor e o sofrimento suportados pelo Autor, ora recorrido, por não poder estar com a filha e acompanhar o seu crescimento, durante todos estes anos, a ruptura dos laços afectivos resultantes desta longa ausência, com os seus reflexos no presente e no futuro, assim como, o facto provado de que a menor cresceu sem a presença do pai e ficou com um imagem denegrida e negativa do mesmo (IMAGEM INJUSTA! POIS O RECORRENTE LUTOU DURANTE ESTES ANOS CONTRA ESTE AFASTAMENTO, MAS, A JUSTIÇA NÃO LHES DEU A OPORTUNIDADE QUE PAI E FILHA MERECIAM E AO CONTRÁRIO, o NON LIQUET LEGITIMOU A ALIENAÇÃO PARENTAL PERPETRADA PELA MÃE QUE CONSEGUIU A SEPARAÇÃO E A TAL IMAGEM NEGATIVA!!!). Efectivamente tudo isto, descreve ou representa uma dor inqualificável.

4 – Uma decisão atempada do incidente do incumprimento requerido em Maio de 1996, ou a decisão atempada da requerida alteração da Regulação do Poder Paternal requerida em Maio de 1999 teria evitado o “rompimento dos laços familiares existentes”, tal como aconselhava o relatório do exame médico-legal de avaliação psicológica da menor, do qual resultou que “ a menor revela ligação afectiva ao pai de quem gosta ….. a psicóloga conclui que será benéfico para o seu desenvolvimento o convívio com o pai …… Conforme a evolução da relação é de supor que o regime de visitas poderá evoluir para o acordado entre os pais”.

5 - ESTÃO POIS PREENCHIDOS OS ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO, O FACTO ILÍCITO, A CULPA, O NEXO DE CAUSALIDADE E OS DANOS.

6 – Ao decidir como decidiu, a Sentença recorrida aplicou com coragem e discernimento louvável os princípios constitucionais consagrados nos artigos 20º,22º,271ºda C.R.P., o DL 48051, de 21/11/67 e os princípios resultantes da evolução legislativa consagrados na LRCEE – Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades Públicas (Lei 67/2007, de 31 de Dezembro de 2007).

7 – A dor inqualificável sofrida pelo Autor, ora recorrido, no passado, no presente e certamente no futuro, salvo se, a menor, agora adulta, com o decurso do tempo e com o amadurecimento próprio da idade, alterar a imagem do pai, é de um valor inestimável, difícil de calcular, que a sentença, apelando à equidade, quantificou como compensação pelos danos morais, não patrimoniais sofridos, nos parcimoniosos 15.000,00€ (quinze mil euros).

ASSIM SENDO, NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVERÁ O RÉU ESTADO SER CONDENADO A PAGAR AO AUTOR, ORA RECORRIDO, POR TODOS OS DANOS CAUSADOS, UMA INDEMNIZAÇÃO JUSTA, ACRESCIDA DE JUROS VINCENDOS ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO.

Assim se fará JUSTIÇA Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão recorrida foi dada como provada a seguinte factualidade: 1) Por sentença do Tribunal de Família do Porto transitada em julgado em 19/02/1993, o autor divorciou-se.

2) No divórcio por mútuo consentimento, processo n.º 9981/92, que correu termos no 2º Juízo, 2ª Secção do Tribunal de Família e Menores do Porto, por acordo entre os progenitores, a menor fruto daquela união, nascida a 25/04/1988, ficou à guarda da mãe.

3) Tendo sido estipulado um regime de visitas a favor do ora autor na modalidade de fins-de-semana alternados.

4) As visitas decorreram até Maio de 1995.

5) Numa ocasião em que a menor se encontrava com o ora autor numa das visitas de fim-de-semana, o mesmo não a entregou.

6) A menor foi entregue à mãe dois dias depois do estipulado no regime de visitas.

7) Em 3/05/1996 o ora autor deduziu incidente de incumprimento do direito de visitas.

8) Por ofício de 14/06/96 o Tribunal de Família do Porto solicitou à Coordenadora do IRS que fosse realizado inquérito no prazo de 30 dias, em cumprimento do despacho de 5/06/96.

9) O referido ofício deu entrada na Equipa do Porto/Família em 17/06/96, a qual o remeteu à Equipa da Maia, por ser a territorialmente competente, em 17/06/96.

10) Em 3/07/96 a técnica do IRS JP(...) oficiou aos pais da menor solicitando a comparência dos mesmos no dia 8/07/96.

11) Em 10/07/96 foi elaborado o inquérito e em 1/08/96 foi elaborado e remetido ao Tribunal o Relatório Social junto a fls. 15/17 do processo de divórcio n.º 9981/92, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, tendo sido sugerida a avaliação psicológica da menor, então com 8 anos de idade.

12) Em (…)/10/1996 foi dada vista ao Ministério Público, tendo o mesmo promovido se solicitasse ao Departamento de Pedopsiquiatria do Hospital de Magalhães Lemos para proceder à avaliação psíquica da menor.

13) Em 8/11/1996 o processo foi concluso e nessa data foi proferido o seguinte despacho: “deferido”.

14) O Hospital Central Especializado de Crianças Maria Pia designou o dia (…)/01/1997 para consulta da menor.

15) Em Maio de 1997 foi apresentado nos autos exame médico-legal de avaliação psicológica da menor, junto a fls. 23/28 do processo de divórcio n.º 9981/92, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e no qual se refere o seguinte: “A menor revela ligação afectiva ao pai, de quem gosta, mas receia a labilidade do seu comportamento. Gostaria de conviver com ele, mas está de acordo com os receios da mãe e de que ele tentará magoá-la, retendo-a contra a sua vontade. A menor manifestou a vontade de se o pai tivesse outro filho gostaria de brincar com esse meio-irmão. A psicóloga conclui que será benéfico para o seu desenvolvimento o convívio com o pai … Conforme a evolução da relação é de supor que o regime de visitas poderá evoluir para o acordado entre os pais.” 16) No início de Julho de 1997 o autor informou o Tribunal que teve uma depressão e problemas com álcool, tendo-se sujeitado a todos os...

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