Acórdão nº 03220/12.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelHélder Vieira
Data da Resolução15 de Junho de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: WSC Recorrido: IPO, EPE, e CP Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, conhecendo parcialmente do mérito da acção atinente a responsabilidade civil extracontratual médica, julgou a acção improcedente relativamente ao Réu CP, absolvendo-o do pedido, com fundamento, em síntese, na falta de alegação, pela Autora, de que este agiu com dolo ou negligência grosseira.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, do seguinte teor: “1.ª – O Tribunal “a quo”, no seu douto despacho saneador de fls_, decidiu julgar “...a acção improcedente no que concerne ao R. CP, que se absolve do pedido.” 2.ª – Na P.I. foram alegados factos que permitem aferir a sua subsunção ao direito aplicável, no que toca à responsabilidade civil extracontratual do R. CP, nomeadamente, nos artigos 8.º a 12.º, 16.º, 17.º, 22.º, 27.º, 28.º, 29.º, 31.º, 32.º, 36.º, 55.º, 56.º são referidos factos que permitem a subsunção aos conceitos de direito como são os de “dolo” ou “negligência grosseira” ou “culpa leve”.

  1. – A recorrente referiu (conforme se verifica ao longo da p.i. nomeadamente, no seu artigo 71.º) que a conduta dos réus se processou ao arrepio das leges artis, como sendo o conjunto das regras conhecidas pela ciência médica em geral como apropriadas à abordagem de um determinado caso clinico, bem como a responsabilidade solidária entre Estado e demais entidades públicas e os seu órgãos tal como plasmado no artigo 22.º da CRP ou ainda a violação do Direito à Saúde disposto no artigo 64.º da Lei Fundamental.

  2. – Chegando a tal conclusão pela concretização da factualidade alegada na p.i. - vide artigos 8.º, 10.º, 11.º, 13.º, 14.º, 16.º, 20.º a 22.º, 27.º, 31.º, 32.º, 38.º, 39.º, 42.º, 45.º a 47.º, 49.º, 54.º e 55.º e resumidos em 57.º.

  3. – O douto Tribunal “a quo”, nesta fase processual (saneamento do processo), não tem como qualificar os factos alegados que, a serem provados em audiência de discussão e julgamento da causa, podem ser subsumidos aos conceitos de direito como são a “culpa leve”, “negligência grosseira” ou “dolo”.

  4. – No âmbito da responsabilidade civil extracontratual (como é o caso sub judice) sempre se presumirá a culpa, nos termos do artigo 493.º n.º 2 do Código Civil tal como a jurisprudência vem defendendo, a título de exemplo, no douto aresto do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30-11-2012, processo 01425/04.8BEBRG, disponível in www.dgsi.pt, no qual se pode ler: “(...) O autor só tem que demonstrar a realidade dos factos causais que servem de base àquela para que se dê como provada a culpa do réu, cabendo a este ilidir essa presunção (artigos 349.º e 350.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil; Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 20-03-2002, recurso n.º 45 831, e de 03-10-2002, recurso n.º 45 621).” 7.ª – O Tribunal “a quo” conclui que a factualidade alegada na petição inicial se insere num conceito de direito, sem ter sido produzida nenhuma prova nesta fase, pelo que não pode afirmar, que o grau de culpa do 2.º R. é leve ou mínimo, pois não tem elementos probatórios para assim julgar.

  5. – O Tribunal “a quo” extravasou a sua competência, ao se ter decidido pelo mérito da causa, no que ao R. CP diz respeito, sem ter prova para tal, violando assim o disposto no artigo 595.º, n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil, bem como os artigos 7.º, 8.º e 10.º da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro.

Termos em que, revogando-se o despacho saneador na parte em que absolve o R. CP do pedido, FAR-SE-Á JUSTIÇA”.

*Os Recorridos não contra-alegaram.

*O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º, nº 1, do CPTA.

*De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, que balizam o objecto do recurso (artigos 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi artigo 140º do CPTA), impõe-se determinar, se a tal nada obstar, se a decisão recorrida padece do erro de julgamento, com violação do disposto no artigo 595º, nº 1, alínea b), do CPC e artigos 7º, 8º e 10º da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.

Cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS Na decisão recorrida não estão, formal e discriminadamente, especificados factos atinentes à decisão, mas o que é pertinente à mesma ficou evidenciado no julgamento operado no despacho sob recurso, cujo teor se transcreve: Despacho saneador: O Tribunal é competente em razão da matéria, da nacionalidade e da hierarquia.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

O R. CJCP entende que é parte ilegítima, de acordo com o disposto no art.º 7º, n.º 1 da Lei n.º 67/2007 de 31 de Dezembro.

Nos termos do art.º 10º do CPTA, “cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor”, o que deve entender-se em harmonia com o disposto no art.º 9º, n.º 1: dispõe de legitimidade passiva a outra parte na relação material controvertida, tal como configurada pelo autor.

Alegando o A. que o 2.º R. agiu com negligência, ao arrepio das leges artis e que por força dessa actuação foram produzidos os danos que explicita é inequívoco que, tal como configura a relação material controvertida, o 2.º R. é parte legítima pelo que improcede a invocada excepção de ilegitimidade.

*As partes são legítimas e encontram-se devidamente patrocinadas.

O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem na totalidade.

Inexistem questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo.

*É possível conhecer parcialmente do mérito da presente acção.

Com efeito, não obstante tenha sido o 2.º R. considerado parte legítima, consideramos que a matéria que a esse propósito é invocada pelo mesmo em sede de contestação deve ser enquadrada no âmbito do mérito da acção.

Vejamos em que termos.

Nos termos do art.º 7º, n.º 1 da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (aplicável ao caso sub judice) “o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício”.

Assim sendo a presente acção só pode ser dirigida contra o médico se as lesões que deram origem aos prejuízos cujo ressarcimento é peticionado tiverem sido provocadas com negligência grosseira ou dolo.

Tratando-se de negligência leve, o ressarcimento de tais danos só poderá ser exigido ao Estado ou pessoa colectiva pública que respondem directa e exclusivamente perante os lesados pelos danos resultantes de actos ilícitos praticados culposamente pelos respectivos órgãos, funcionários ou agentes.

Em suma, o 2.º R. só poderia ser co-responsabilizado pelo pagamento da indemnização se tivesse sido alegado que agiu com dolo ou negligência grosseira (cfr. art.º 8º da Lei n.º 67/2007 de 31 de Dezembro) o que, como resulta da petição inicial, não foi feito (cfr. art.ºs 45º, 56º, 61º, 62º, 64º e 71º da petição inicial).

Note-se ainda que em parte alguma da petição inicial vem alegado que o 2.º R. agiu com dolo ou com negligência grosseira.

Assim, a presente acção não pode proceder no que se refere ao pedido deduzido contra o 2.º R. pelo que se impõe a improcedência do mesmo nessa parte (cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Junho de 2007, processo 0295/05, publicado em www.dgsi.pt).

Em face do exposto julga-se a acção improcedente no que concerne ao R. CP, que se absolve do pedido.

*Valor da acção: Fixa-se o valor da acção em €...

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