Acórdão nº 00961/17.0BEAVR-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução15 de Junho de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO Nos presentes autos em que são Autores AMM e MFORNM e Interveniente Acessória SU, S.A.

, todos neles melhor identificados, foi proferido Despacho pelo TAF de Aveiro que julgou improcedentes as reclamações apresentadas a fls. 324 e seguintes.

Deste vem interposto recurso.

*Alegando, os Autores formularam as seguintes conclusões: 1. A decisão que indefere as reclamações dos recorrentes tendo por objeto as custas de parte apresentadas pelas rés, tem por fundamento a condenação dos autores no pagamento das custas na sentença que declara este Tribunal incompetente em razão da matéria e o não aproveitamento as taxas pagas aquando da remessa do processo para o TAF, por um lado, e a interpretação literal dos artigos 25.º/2 e 26.º/3, do Regulamento das Custas Processuais, por outro.

  1. Esta interpretação das normas jurídicas concretamente aplicáveis ao presente caso, são uma forma acabada de denegar o direito à tutela jurisdicional efetiva, garantido no n.º 1 do art.º. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no art.º. 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no art.º. 20.º da Constituição da República Portuguesa e no n.º 2 do art.º 2.º do Código de Processo Civil, e dos princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade (cfr. art.º 2.º e 18.º da CRP).

  2. Contrariamente ao afirmado pela Meritíssima Juiz de Estarreja, não pode ser invocado o Acórdão da Relação de Évora, uma vez que neste caso não houve remessa dos autos para outro Tribunal, antes tendo sido proferida sentença de absolvição da instância e, por consequência, lugar ao pagamento de custas, contrariamente ao que sucede no caso sub iudice, seno de aplicar o previsto no n.º 2 do artigo 278.º do Código de Processo Civil.

  3. Pelo exposto, resulta à evidência que estamos perante a continuidade da instância e, como tal, existe aproveitamento de todos os atos processuais praticados no Tribunal a quo, incluindo o pagamento dos valores da taxa de justiça, pelo que não são devidas, neste processo, quaisquer custas de parte reclamadas – cfr. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 04/10/2012, processo n.º 08425/12, e de 12/03/2015, processo n.º11156/14.

  4. Também não podem proceder os argumentos invocados com fundamento no decidido pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 11.02.2016, processo 1630/13.6TVLSB-2, porquanto o artigo 278.º, n.º 2 do Código de Processo Civil é claro quando dispõe no sentido não há absolvição da instância quando o processo é remetido para o Tribunal competente, pelo que o processo não termina, mas “transita” para o Tribunal competente com todos os atos que foram praticados até à data da remessa, incluindo-se aqui, necessariamente, as taxas de justiça pagas, sob pena de existir duplicação de pagamentos em duas instâncias diferentes, quando a regra é a da continuidade da instância.

  5. Até porque esta “transição” tem relevância para efeitos de elaboração da conta de custas que é da competência secretaria do tribunal que funcionou em 1ª instância, nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 1 do Regulamento das Custas, in casu, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro para onde o processo transitou – vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12/03/2015, Processo n.º 11156/14.

  6. O que significa que as custas só são definidas no processo para o qual “transita” e, por maioria de razão, também só nesse processo podem ser requeridas as custas de parte, sob pena de existir, mais uma vez, duplicação de pedidos e taxas, existindo até um locupletamento indevido por quem as requer.

  7. Doutro passo, a interpretação literal que o Tribunal a quo faz daquelas normas do CPC e do RCP (quer quando indefere a primeira linha de argumentação, quer quanto à redução por não ter havido julgamento) é, salvo o merecido respeito, inconstitucional, por violação do direito fundamental de acesso à justiça e a denegação ao direito à tutela jurisdicional efetiva, garantido no n.º 1 do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no art.º. 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no art.º. 20.º da Constituição da República Portuguesa e no n.º 2 do art.º 2.º do Código de Processo Civil, e dos princípios constitucionais da justiça, da igualdade e da proporcionalidade (cfr. art.ºs 2.º, 13º e 18.º da CRP).

  8. A remessa dos autos configura o aproveitamento de todas as peças processuais do processo para aí ser renumerado e distribuído, nada mais, razão pela qual não se poderá falar em novo processo mas antes um aproveitamento das peças processuais deste mesmo processo que começou por correr termos na Instância Cível de Estarreja e, depois, foi simplesmente remetido ao TAF para aí ser renumerado e distribuído, nada mais.

  9. Tal decisão é, além do mais, injusta: numa situação como a presente em que o legislador veio inverter a jurisprudência consolidada do Tribunal de Conflitos (acórdão de 19.01.2011, no processo n.º 014/11, e de 09-12-2014, processo nº 7/14) em que a ação foi intentada em 23/10/2017, ou seja, no domínio daquela jurisprudência consolidada que determinava que fossem os tribunais judiciais os competentes, "num passe de mágica", o legislador veio alterar a lei, o CPTA, que entrou em vigor apenas em Dezembro de 2017, e modificando o entendimento jurisprudencial que a parte seguiu.

  10. E agora, a manter-se a decisão recorrida, os Autores ainda têm de pagar custas de parte de valor superior a 5 mil euros, quando, e este aspeto que é determinante, o valor da ação é de apenas € 24.995,85, pelo que, salvo o merecido respeito, a interpretação do Tribunal a quo viola os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, além dos demais supra invocados, pelo que não se pode aceitar, além do mais alegado, o argumento aduzido pela Meritíssima Juiz, no sentido de que tanto mais que naquela fase (da prolação da sentença) se desconhecia sequer se iria haver ou não aproveitamento dos articulados.

  11. Também não pode proceder o argumento de que a parte vencedora tem somente cinco dias após o trânsito em julgado para a apresentação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, uma vez que a jurisprudência tem vindo a firmar-se que este não é um prazo perentório, mas tão somente uma faculdade que a lei prevê para que a execução por custas possa correr nos próprios autos (veja-se, neste sentido, douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14/06/2017, Processo n.º 462/06.2TBLSDC.P1).

  12. Acresce que se do valor que foi pago de taxa de justiça inicial, será restituído à parte vencedora metade, significa que só pode ser este o valor a pagar pelos Recorrentes, já que de outra forma as custas de parte deixavam de ter a função reparadora para passarem a ter uma função exclusivamente indemnizatória, que configura um verdadeiro enriquecimento sem causa dos Recorridos, já que acabam por receber a devolução por parte dos cofres do Estado da taxa de justiça paga em excesso, e recebem o mesmo montante dos Recorrentes, existindo assim uma duplicação de pagamentos cfr. Salvador da Costa e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12/10/2016, Processo n.º 196/14.4TYLSB-A.L1-7, supra citados).

  13. Por maioria de razão, cai por terra o argumento que as taxas efetivamente pagas são as taxas devidas pelo processo e não aquelas que são pagas com o impulso processual das partes, tanto mais porque tal entendimento poderia levar a verdadeiras situações de abuso de direito, em que uma das partes paga taxas de justiça de valores elevados somente para depois as vir pedir a título de custas de parte.

  14. Estipula o artigo 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, o que deixa perceber que a taxa de justiça não é estanque, mas pode sofrer variações ao longo do processo, quer por aplicação do artigo 14.º-A do Regulamento das Custas Processuais, como é o caso dos presentes autos, seja por alteração do valor da causa no próprio despacho saneador; em qualquer um destes casos estávamos perante uma gritante injustiça se fosse somente a taxa de justiça inicial paga a delimitar o pedido de custas de parte.

  15. Considerando ainda que não houve lugar à realização de audiência de julgamento, nos termos do previsto no art.º 14º-A, alínea d) do Regulamento de Custas Judiciais, só é devida metade da taxa de justiça, significa que o tribunal terá de devolver às partes metade do valor pago a este titulo.

  16. No modesto entender dos recorrentes, importa reforçar a necessidade de obviar a uma interpretação literal como a que foi realizada e desconforme com a Constituição, por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da razoabilidade e, sobretudo, do direito fundamental de acesso à justiça acima alegados, pelo que a Meritíssima Juiz a quo não valorizou estes princípios jurídicos fundamentais da Ordem Jurídica em vigor, pelo que tal decisão se tem por violadora da Lei Fundamental.

  17. Além de que, como já alegado em sede de reclamação, a sobredita decisão viola ainda o previsto no artigo 99º, nº 2 do CPC: princípio do aproveitamento dos atos. Ora, nos termos do previsto nos nºs 3, 4, 5 e 6 do art.º 552º e 570º deste mesmo código, a taxa de justiça faz parte integrante dos articulados, na medida em que a falta de pagamento da mesma é cominada com o desentranhamento da peça processual in tottum.

  18. A decisão em recurso viola o n.º 1 do art.º. 6.º da Convenção Europeia dos...

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