Acórdão nº 2374/21.0T8ENT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelRUI MACHADO E MOURA
Data da Resolução07 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

P. 2374/21.0T8ENT.E1 Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: Massa Insolvente de (…), representada pela administradora de insolvência, veio instaurar processo de inventário para partilha dos bens que foram deixados por óbito dos progenitores da insolvente, falecidos, respectivamente, em 04/10/2001 (pai) e 10/12/1999 (mãe).

Para o efeito veio sustentar a requerente que, tendo sido declarada a insolvência daquela herdeira, por sentença transitada em julgado em 08/10/2020, a integração dos bens provenientes da partilha retroage à data de falecimento dos inventariados, integrando, assim, também, a massa insolvente, pelo que assiste ao administrador de insolvência, como substituto processual da insolvente, legitimidade para requerer a instauração do presente inventário, atento o disposto nos artigos 1085.º n.º 1, alínea a), do C.P.C. e 81.º, n.ºs 1 e 4, do CIRE.

Pela M.ma Juiz “a quo” foi proferida decisão que indeferiu liminarmente o requerimento inicial, sustentando a falta de legitimidade da requerente para instaurar o presente processo de inventário.

Inconformada com tal decisão dela apelou a requerente, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões: 1. O Despacho Liminar proferido pelo Tribunal a quo decidiu no sentido de que não assiste legitimidade à Massa Insolvente para requerer a instauração do presente processo de inventário.

  1. Para o efeito, convocou ipsis verbis e de forma indiscriminada a argumentação expendida em dois acórdãos isolados e minoritários que também decidiram no sentido da ilegitimidade da Massa Insolvente para requerer inventário judicial.

  2. A decisão do Tribunal a quo limitou-se a aderir as razões plasmadas naqueles acórdãos sem esclarecer devidamente as razões de facto e de direito e sem desenvolver a fundamentação jurídica que suportou a sua decisão.

  3. De forma acrítica, ao final da reprodução de cada trecho citado, limitou-se a confirmar o que: "ali se conclui" ou "conforme ali se expende".

  4. Modo de fundamentar que, principalmente no presente caso, frustra não somente um entendimento jurisprudencial estabilizado, 6. Como um abundante acervo legislativo existente em sentido contrário.

  5. Condições que importam um ónus bastante acrescido caso o Tribunal a quo pretendesse uma alteração substancial no modo interpretativo e nos resultados alcançados nas últimas décadas quanto à matéria.

  6. A questão acabou por ser decidida sem a fundamentação devida e sem elencar adequadamente os seus motivos, não cumprindo, em consequência, com o ónus imposto pelo artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa e com o dever de fundamentação das decisões judiciais prescrito no artigo 154.º do Código de Processo Civil.

  7. Razões pelas quais o Despacho Liminar deve ser julgado nulo, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.

  8. A Massa Insolvente de (…) instaurou a presente ação judicial porque viu frustrada as tentativas extrajudiciais de alienação do quinhão hereditário da Insolvente que se encontra apreendido no âmbito do Processo de Insolvência com o n.º 2002/20.1T8STR que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Comércio de Santarém – Juiz 2.

  9. A Massa Insolvente requereu o processo de inventário com o intuito de fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens.

  10. Património que diz diretamente respeito à Massa Insolvente.

  11. Isto porquanto o processo de inventário versa sobre a partilha de direitos de natureza patrimonial.

  12. Direitos que integram a Massa Insolvente, por força do que está estatuído no artigo 46.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE): "todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo”.

  13. E que devem ser administrados pelo Administrador Judicial por imposição legal, nos termos do CIRE e do Estatuto do Administrador Judicial.

  14. Pois incumbe ao Administrador Judicial a "gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência", conforme artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro.

  15. No exercício das suas funções é conferido poder ao Administrador Judicial para "desistir, confessar ou transigir, mediante concordância da comissão de credores, em qualquer processo judicial em que o insolvente, ou a massa insolvente, sejam partes", nos termos do artigo 55.º, n.º 8, do CIRE.

  16. Além disto, o CIRE estabelece que o Administrador substitui o Insolvente em todas as ações pendentes (segundo o artigo 85.º, n.º 3) e assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência (de acordo com o artigo 81.º, n.º 3).

  17. A qualidade de substituto processual do Administrador Judicial (em representação da Massa Insolvente) só é limitada em ações de natureza pessoal.

  18. Esta limitação, para além de juridicamente devida, é óbvia segundo a sua própria natureza.

  19. O Insolvente não deixa de poder exercer os seus direitos e assumir as suas responsabilidades enquanto ser-pessoa.

  20. Por este motivo, em ações de investigação de paternidade e divórcio, por exemplo, o Insolvente não pode ser substituído pela Massa Insolvente.

  21. O caso dos autos, no entanto, é completamente diferente.

  22. O inventário versa sobre direitos patrimoniais.

  23. Direitos que após a declaração de insolvência são privados ao devedor insolvente e passam a ser administrados pelo Administrador Judicial.

  24. Neste sentido, por todos, lê-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21.09.2006, no âmbito do Processo n.º 0634600, rel. Gonçalo Silvano, que o Administrador da Insolvência é a entidade diretamente interessada no âmbito do processo de inventário: “Quanto a esses bens a partilhar em inventário judicial (e no caso sabe-se já que o quinhão do falido está apreendido) o cabeça de casal tem uma posição de sujeito activo como herdeiro e daí que não possa deixar de ser entendido como um acto em que diz também respeito à massa insolvente, onde o cabeça de casal é o devedor (destaques nossos).

  25. A questão da legitimidade da Massa Insolvente para requerer inventário judicial deve ser examinada necessariamente à luz do conceito de legitimidade processual.

  26. Ora, segundo o artigo 30.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o "autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar".

  27. O n.º 2 do mesmo artigo aduz que o "interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação".

  28. Por fim, o n.º 3 deste artigo prevê que na "falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor".

  29. Em suma, legitimidade é utilidade. “O interesse [direto] significa a utilidade para o autor” (Jorge Augusto PAIS DE AMARAL, Direito Processual Civil, 9.º ed., página 102).

  30. E não há dúvida de que não somente existe utilidade para a Massa Insolvente requerer a partilha do património autónomo do Insolvente.

  31. Como, mais seriamente ainda, há uma concreta necessidade de partilha.

  32. Haja vista a frustração da alienação extrajudicial do quinhão hereditário do Insolvente.

  33. Este direito patrimonial do Insolvente se encontra apreendido no âmbito do processo de insolvência e deve ser liquidado pela Administradora...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT