Acórdão nº 381/20.0PCSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelANA BACELAR
Data da Resolução05 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I.

RELATÓRIO No processo comum n.º 381/20.0PCSTB, do Juízo Local Criminal de Setúbal [Juiz 2] da Comarca de Setúbal, o Ministério Público acusou Jo…, (…), pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, agravada, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1 alínea b), n.º 2, alínea a), n.º 4 e 5 do Código Penal.

O “Centro Hospitalar de (…), E.P.E.” pediu a condenação do Arguido a pagar-lhe a quantia de € 167,81 (cento e sessenta e sete euros e oitenta e um cêntimos), a título de reembolso do que despendeu com os cuidados médicos prestados a Gi….

Não foi apresentada contestação escrita.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular e após comunicação de alteração não substancial de factos, por sentença proferida e depositada em 11 de novembro de 2021, foi decidido: «(…) o Tribunal julga a acusação procedente, porque provada, e consequentemente: A. Condena o arguido Jo… pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado do artigo 152.º, n.ºs 1, alínea b), 2, alínea a), 4 e 5, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; B. Suspende a execução da pena de prisão identificada em A. pelo período de 4 (quatro) anos, determinando que a mesma seja acompanhada de regime de prova, o qual deve contemplar a frequência por banda do arguido Jo… do Programa para Agressores de Violência Doméstica (PAVD), e, bem assim, determina que a suspensão seja subordinada à regra de conduta de o referido arguido não contactar por qualquer meio a ofendida Gi… e não de frequentar/permanecer na residência desta, excetuando a este propósito os contactos estritamente necessário em contexto de regulação do exercício das responsabilidades parentais atinente à filha menor de ambos, Pat…; C. Não aplicar as penas acessórias a que se reportam os n.ºs 4 e 5 do artigo 152.º do Código Penal; D. Arbitra oficiosamente a indemnização de € 1.500 (mil e quinhentos euros) em benefício da ofendida Gi…, condenando o arguido Jo… no respetivo pagamento; E. Condena o arguido Jo… na satisfação das custas criminais, fixando a taxa de justiça no montante equivalente a 2 (duas) unidades de conta; Mais decide o Tribunal: F. Julgar procedente o pedido de indemnização cível (reembolso de despesas) formulado pelo “Centro Hospitalar de S(…), E.P.E.”, condenando o arguido Jo… no pagamento da quantia de € 167,81 (cento e sessenta e sete euros e oitenta e um cêntimos) ao demandante, acrescida de juros legais desde a notificação do pedido até efetivo pagamento; G. Consigna que a respeito do pedido referido em F. não são devidas custas.» Inconformado com tal decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «1. O arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art.º 152.º, n.ºs 1, alínea b), 2, alínea a), 4 e 5, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, determinando que a mesma seja acompanhada de regime de prova, nos termos do disposto nos art.ºs 50.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 52.º, n.º 1, al. c) e 3 e 53.º, todos do Código Penal.

  1. Consideramos, no entanto, que nenhum facto dado como provado permite formular um juízo de prognose positivo sobre o comportamento futuro do arguido, mesmo com sujeição a regime de prova, pugnando-se, assim, pela aplicação de uma pena efetiva.

  2. Assim, e desde logo, é de salientar, que o arguido não assumiu a prática dos factos, não revelou qualquer ato de contrição ou arrependimento, revelando uma personalidade que, de forma ostensiva e gritante, revelou total desprezo e desrespeito pela dignidade pessoal da sua companheira e mãe da sua filha – como bem surge evidenciado no relatório social elaborado pela DGRSP - não se coibindo de a molestar de forma manifestamente grave na sua saúde e integridade física, nas ocasiões e do modo considerado provado.

  3. Por outro lado, há que ter presente que tais factos foram praticados no decurso do período de suspensão de uma pena de prisão de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses pela prática de um crime de diferente natureza mas de mais acentuada gravidade.

  4. O Mmo. Juiz “a quo” sustentou a existência de tal juízo de prognose considerando que o arguido beneficia de boa integração no meio social, mantendo hábitos de trabalho.

  5. Sucede, no entanto, que tais circunstâncias não o impediram/demoveram de praticar os crimes pelos quais foi condenado nem permitem, sequer, só por si, fazer supor que, de futuro, irá agir de modo diferente.

  6. Acrescenta o Mmo. Juiz “a quo” que não se registam novos incidentes com Gi….

  7. Não se compreende (porque na sentença não se explica) em que medida a inexistência de novos “incidentes” (o que quer que tal signifique) com a vítima possa sustentar um juízo de prognose favorável, sendo até, em larga medida, contraditório com a aplicação de uma condição de suspensão traduzida na proibição de contactar por qualquer meio a sobredita e não de frequentar/permanecer na residência desta, excetuando a este propósito os contactos estritamente necessário em contexto de regulação do exercício das responsabilidades parentais atinente à filha menor de ambos.

  8. Do que se apurou quanto às condições pessoais do arguido, não ressalta também qualquer facto que permita concluir que o mesmo sentirá a presente condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão, antes pelo contrário.

  9. Neste quadro circunstancial, haverá que concluir que, ao contrário do sustentado pelo Mmo. Juiz “a quo”, a suspensão da execução da pena de prisão não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, desde logo numa perspetiva de prevenção especial, pugnando-se pela aplicação de uma pena efetiva.

    ***Nestes termos, e noutros que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao recurso ora apresentado, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se por outra que condene o arguido em pena de prisão efetiva.

    V. Exas., contudo, com mais elevada prudência, decidirão como for de JUSTIÇA!» O recurso foi admitido.

    Não houve resposta.

    û Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer [transcrição]: «Somos do parecer que o recurso interposto se revela pertinente e merece provimento.

    Acompanhamos a completa motivação, e conclusões, tiradas pela magistrada recorrente.

    Porque aquelas nos parecem fundamentadas, qualquer adenda de substância seria despiciente, restando-nos acompanhá-las, na íntegra.

    Pelo exposto, entendemos que o recurso interposto deve ser julgado procedente.» Observou-se o disposto no artigo 417.º, nº 2, do Código de Processo Penal.

    Na resposta que apresentou, o Arguido formulou as seguintes conclusões [transcrição]: «13. O crime de violência doméstica pressupõe a existência de maus-tratos físicos ou psíquicos e estes se revelem com crueldade, desprezo, vingança, especial desejo de humilhar a vítima, cf. tem sido jurisprudência pacífica por todos, AC. RL., publicado in www.dgsi.pt 14. No caso sub judice, mesmo considerando a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal ad quo, não se verifica qualquer crueldade, maus-tratos, abuso de poder ou tentativa de humilhação da ofendida.

  10. Não estão, no caso sub judice, verificados os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime, mas sim do crime de ofensas corporais simples.

  11. Em qualquer condenação que viesse a aplicar ao arguido teria de ter em consideração a atitude provocatória da ofendida o que diminui substancialmente a ilicitude e a culpa, devendo a pena a aplicar, ser sempre reduzida ao seu mínimo legal.

  12. Na dosimetria da pena concreta a aplicar é fixado de acordo com os critérios fixados no art.º 71.º, n.º 1 e 2, C.P. e exigências de prevenção nos termos do art.º 40.º, C.P., atendendo sempre a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime rodearam o mesmo antes, durante e depois do seu cometimento.

  13. A pena a aplicar arguido, deveria ser reduzida ao mínimo legal, atenta os circunstancialismos em que os factos ocorreram e suspensa na sua execução.

  14. O arguido é considerado pelos conhecidos como pessoa calma e pacífica e respeitadora.

  15. O arguido é trabalhador.

  16. O arguido praticou tais factos na sequência de uma provocação e discussão entre ambos, sem que nada o previsse.

  17. Em consequência da atuação da ofendida o arguido perdeu o telemóvel e ficou com o fio de ouro partido.

    Nestes termos de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão não deverá ser dado provimento ao recurso, atendendo que a pena aplicada pelo tribunal ad quo é desproporcional e excessiva, violando o disposto nos artigos 40.º, 50.º e 71.º do C.P., devendo ser substituída por outra que condene o arguido à pena de prisão de um ano suspensa na sua execução.

    Assim decidindo, farão V. Exas. JUSTIÇA!» Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

    Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

    II.

    FUNDAMENTAÇÃO De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

    As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal.

    [[2]] Posto isto, e vistas as conclusões do...

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