Acórdão nº 80/17.0GDMTJ.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO AMARO
Data da Resolução05 de Abril de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de processo comum (tribunal singular) nº 80/17.0GDMTJ, do Juízo de Competência Genérica de Montemor-o-Novo (Juiz 1), e mediante pertinente sentença, a Exmª Juíza decidiu nos seguintes termos (em transcrição): “Julgo improcedente a pronúncia e procedente a acusação particular e, em consequência, decido: - Absolver os arguidos GG e SF da prática, em coautoria, de um crime de furto, previsto e punido pelos artigos 203º, nº 1, e 26º, ambos do Código Penal

- Sem custas

- Condenar o arguido G pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º, nº 1, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa de 6,00 € (seis euros), num total de 360,00 € (trezentos e sessenta euros)

- Custas a cargo do arguido G, fixando-se a taxa de justiça em UC

- Julgar improcedente o PIC deduzido pelo assistente contra os arguidos

- Custas do PIC a cargo da demandante, atenta a improcedência do pedido”

* A assistente “S Ldª”, inconformada com a decisão, dela vem interpor recurso, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões: “1. Nos presentes autos, os ora recorridos foram submetidos a Julgamento, entre outro (que não se põe em causa) pronunciados pelo crime de furto simples

  1. A final, os arguidos vieram a ser absolvidos, porquanto a Mmª Senhora Juíza decide dar credibilidade à explicação dos arguidos, na parte em que afirmam que esse 5º carregamento correspondeu a “sobrantes das pinhas adquiridas”

  2. Ora, sem embargo do elevado grau de respeito pessoal e institucional tributado à Mmª Senhora Juíza, ISTO É UM ABSURDO

  3. Por um lado, porque, de acordo com a lógica e razão de ser das coisas, em virtude do ardil de desligar a câmara de vigilância, da posterior destruição das imagens registadas antes desse desligamento, da falta de pesagem do 5º carrego nas instalações da vendedora ou da compradora, da falta interesse na realização dessa operação, ou da ausência, no terreno, de qualquer sinal da retirada dele de 11 toneladas de terra (correspondentes a um buraco com pelo menos 11 metros cúbicos de profundidade), é evidente que o 5º carregamento foi de pinhas furtadas, mas, por outro, porque, inexoravelmente, e para além de qualquer explicação ou entendimento de quem quer que seja, os carregos de pinha NÃO TÊM SOBRANTES

  4. Estes carregos são efetuados em semi-reboques com contentores estanques, sujeitos a dupla pesagem (nas instalações da vendedora e da compradora), e faturados ao valor acordado por Kg (efetivamente carregado, pesado e transportado), não deixando qualquer sobra no terreno. Se alguma coisa fica no terreno, não é objeto do negócio e, logo, não pode ou faz qualquer sentido ser removido

  5. Mesmo de acordo com a versão que os arguidos querem fazer crer, e que a Mmª Senhora Juíza acreditou para fundamentar a absolvição, o que quer que fosse que os arguidos tivessem carregado no 5º carrego (admitido pelo motorista como sendo de cerca de 11 toneladas) era propriedade da assistente e foi-lhe dolosa, astuciosa e intencionalmente furtado pelos arguidos

  6. Está provada uma diferença de 36.920 Kg entre o total de pinha apanhada e o total dos 4 primeiros carregamentos efetuados pelo arguido S, sujeitos a duplas pesagens

  7. Está provada a existência de um 5º carregamento (inexplicavelmente não sujeito a qualquer pesagem - nem nas instalações da assistente, nem nas do arguido S)

  8. Está provado que o sistema de videovigilância foi desligado pelo arguido G durante cerca de uma hora para impedir os registos de imagem do termo do 4º e da totalidade do 5º carregamentos (designadamente das pinhas existentes no terreno após o 4º carregamento, e carregadas no 5º)

  9. Está provado que o arguido G, no dia seguinte, tentou destruir o registo de imagens captadas, antes deste ter desligado o sistema de videovigilância, como forma de eliminar quaisquer provas desse desligamento, argumentando que tal teria derivado de um curto circuito

  10. De acordo com os termos em que o negócio foi efetuado, este apenas comprou/pagou as pinhas efetivamente carregadas e, após, pesadas, nos 4 primeiros carregos

  11. No entanto, não diligenciou o Tribunal no sentido de convenientemente apurar toda a matéria de facto relevante para uma Decisão de Direito, inclusivamente contradizendo-se pelo menos em a) dos factos não provados, em que, indiretamente, é reconhecida a existência de um carregamento de pinha que não foi pesado e pago, com a conclusão final em como não ocorreu o crime de furto, e em e), em que estabelece como não provado que o Arguido SL tivesse procedido ao carregamento de todos os camiões incluindo o quinto, contradizendo assim o ponto 14 dos factos provados, onde se declara que tal arguido promoveu a “limpeza” dos “sobrantes” em tal carregamento, o que, logicamente, indicia a sua presença no local até ao fim dos carregamentos, como aliás foi reconhecido pelo próprio em sessão de julgamento

  12. O Tribunal, concatenando o depoimento das testemunhas de Acusação com a prova documental que consta dos autos, criou, a priori, a convicção de que os factos descritos na acusação não eram verdadeiros

  13. Da Sentença em crise resulta que o Tribunal não acreditou nas testemunhas DF, NF e JF, no segmento que se reporta à quebra de peso que as pinhas sofrem, de acordo com as condições climatéricas e o tempo de depósito, desde a apanha até à venda

  14. De facto, contra a prova produzida, entendeu o Tribunal que o arguido S, no âmbito de um contrato de compra de pinhas à Herdade …, terá pago as pinhas que efetivamente comprou, fazendo um desnecessário, nunca praticado ou contratado e, como tal, deliberadamente ocultado, último carregamento, de matéria sem valor comercial

  15. Desconsiderou, assim, o Tribunal o depoimento da testemunha DF, ouvida na sessão de Julgamento do dia 19-05-2021, das 15:30:18, às 15:59:11, do minuto 11.40 ao minuto 12.40, que declara ao Tribunal a sua empresa ter prestado serviços à assistente, contratando com esta a apanha de pinhas, confirmando que a “quebra” de peso entre o momento da apanha da pinha e a venda, atento o tempo decorrido entre ambas as situações, não pode exceder os 10%/11%

  16. Ou, as declarações da experiente testemunha JF, ouvida na sessão de Julgamento do dia 19-05-2021, das 16:48:20 às 16:56:10, no sentido que, atento ao período em que foram apanhadas das árvores as pinhas em questão e o momento da sua venda, estas não poderiam ter pedido muito peso, o que infirma a conclusão alcançada pelo tribunal de que a totalidade das pinhas seria 138.360 Kgs., quando foram apanhadas mais de 175 toneladas

  17. O Tribunal não sopesou, também, como deveria, o depoimento da tecnicamente qualificada testemunha, NF, ouvida na sessão de Julgamento do dia 19.05.2021, das 16:01:19 às 16:44:09, que, do minuto 20.16 ao minuto 23.41, afiançou ser completamente impossível a quebra de 21%, entre a apanha e a venda das pinhas em causa, que o expectável seria de 5 ou 6%, atentas as condições meteorológicas então registadas, o local e o período onde e durante o qual a pinha se encontrou depositada. E que os pinhões que saem da pinha e o próprio cascabulho (restos de pinha que se soltam juntamente com o pinhão), também têm de ser pesados e pagos! 19. Sendo certo que resulta da prova documental junta a fls. 178 a 187 e 189 a 191, 195 e 197, que foram apanhadas 175,28 toneladas de pinha e pagas 138,36 toneladas de pinha

  18. O que implicaria uma quebra superior a 21% no peso das pinhas, e isso seria impossível atentos os depoimentos já indicados, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 412º do CPP

  19. Ora, a impossibilidade de quebra de 21% das pinhas foi amplamente explicada pelo assistente, JA, ouvido na sessão de Julgamento do dia 07-05-2021, das 16:07:12 às 17:25:27

  20. O assistente não só explicou os contornos do negócio, como explicou as características deste tipo de transação, aquisições, pesagens, quebras e valor comercial de todo o material proveniente da pinha

  21. O Tribunal está vinculado ao dever da descoberta da verdade material e da boa decisão da causa

  22. Incorreu, por isso, o Douto Tribunal, em Erro de Julgamento, uma vez que a Decisão recorrida julgou incorretamente como não provados os factos constantes nas alíneas a) a n)

  23. Com efeito, ao contrário do que se afirmou na fundamentação daqueles factos, a prova testemunhal produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento impõe que seja alterada a matéria de facto vertida nos pontos atrás referidos, passando os mesmos a constar no elenco dos factos provados

  24. Em audiência de discussão e julgamento foi produzida prova credível e segura de que os recorridos praticaram os factos pelos quais foram pronunciados

  25. No direito processual penal português, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente, assim se consagrando o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no artigo 127º do Código de Processo Penal, sendo perfeitamente legítima a prova por presunção, sem que o funcionamento desta colida com o princípio in dubio pro reo

  26. Até porque nem sempre é possível a recolha de prova direta, impondo-se, não raro, fazer uso dos indícios, antes que se gere impunidade

  27. Acresce que a verdade, objeto do processo, não é uma verdade ontológica ou científica, sendo antes uma convicção firmada em dados objetivos que, direta ou indiretamente, permitem a formulação de um juízo de facto

  28. Deste modo, são dois os princípios fundamentais que norteiam a apreciação da prova: o de que ela é apreciada, salvo quando a lei disponha diferentemente, segundo as regras da experiência e da livre convicção do julgador - princípio da livre apreciação da prova -; o de que o tribunal, ao decidir, não tem de formular um juízo de certeza, bastando-se a lei com a convicção da ocorrência, pelo que, respeitados estes princípios pela sentença recorrida, como se extrai do contexto da prova produzida, não pode a...

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