Acórdão nº 435/19.5GESTB-G.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelEDGAR VALENTE
Data da Resolução22 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

Nos autos de inquérito n.º 435/19.5GESTB o Exm.º Sr. Juiz de Instrução Criminal do Juízo de Instrução Criminal de … (J…) do TJ da Comarca de …, após 1.º interrogatório de arguido(s) detido(s), proferiu despacho que determinou a aplicação ao (entre outros) arguido AA das medidas de coação TIR (já prestado) e prisão preventiva

Este arguido interpôs recurso de tal despacho, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição): “A - Na sequência do primeiro interrogatório de arguido detido foi aplicado ao arguido a medida de coação de prisão preventiva, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 191.º , n.º 1, 192.º, 193.º, n.º 1 a 3, 194.º, 196.º, 202.0, n.º 1, al. a), c) e d) e 204.º, al. a), b) e c) CPP

B - O princípio constitucional da presunção de inocência que a medida de coação de prisão preventiva não tem em esta a punição antecipada, só podendo ser excecionalmente aplicada, quando tal se justifique e seja adequado e proporcional ao comportamento do arguido e desde que não lhe possa ser aplicada outra medida mais favorável

C - Ou seja, tal medida, incluindo os casos previstos no art. 209º do CPP, só é admissível como ultima ratio com carácter excecional e desde que verifiquem os requisitos e pressupostos dos artigos conjugados 28º, n.º 2 e 32º, n.0 2 da CRP e art. 204º do CPP

D - O douto despacho recorrido não fundamenta a existência dos pressupostos do art. 204º do CPP, sendo que tais pressupostos não se verificam

E - O arguido não fugiu e não pensa em fugir, ate porque tem forma e modo de vida estabilizado

F - O arguido é pintor de rapel, dedicando-se à área da pintura por conta própria, auferindo rendimentos da sua atividade profissional

G - Tal situação obrigou a que companheira do arguido assumisse sozinha todos os encargos com despesas do agregado familiar e na educação das filhas menores deste e de mais dois menores filhos da companheira

H - Sem conceder, mas tomando de raciocino da fundamentação do despacho que ora se recorre, a aplicação da medida de obrigação na permanência na habitação sob vigilância eletrónica e de proibição de contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas, só por si obsta ispo facto à verificação da continuação de qualquer eventual actividade criminosa

I - O arguido não tem comportamentos socialmente reprováveis, nem conduta violenta ou equivalente, que possa sugerir que venha a perturbar o processo ou a veracidade e aquisição de prova

J - Até porque a prova indiciária se encontra praticamente toda recolhida em sede de inquérito

K - Assim, inexiste qualquer perigo, seja de fuga, seja de perturbação do processo ou de que o arguido continue a atividade criminosa

L - De facto, a prova indiciária é incerta, baseada em meras desconfianças e não se descortina nenhum facto que seja subsumido à previsão dos crimes de tráfico de estupefacientes e de detenção de arma proibida, o que só por si evidencia o caracter excessivo da medida aplicada

M - Não resulta do presente despacho nem da prova indiciária, onde se inclui a busca domiciliária à residência do arguido, que este tivesse na sua posse e/ ou na sua residência qualquer produto estufaciente

N - Não resulta, igualmente, do presente despacho e da prova indiciária que o arguido tenha transportado, por via marítima ou terreste, qualquer produto estufaciente

O - O mesmo se diga em relação à alegada prática do crime de detenção de arma proibida por parte do arguido

P - Acresce ainda, que o douto despacho, não averiguou da justeza das razões aduzidas pelo arguido e deu ao art. 209º do CPP uma interpretação que raia a inconstitucionalidade

R - Por isso, a manutenção da prisão do recorrente atenta contra o seu direito fundamental à liberdade e contra os seus direitos e os sentimentos de Justiça

S - Pelo que antecede, violados foram os art. 32º, n.º 2, 27º, n.º 2, 28º, n.º 2 do CRP, bem como os arts. 191º a 193º e 204, 209º e 213º do CPP

T - Face à situação pessoal do arguido, à manifesta falta de indício invocados no despacho em apreço, à não verificação dos requisitos e pressupostos constitucionais e legais enumerados, deve o arguido apenas ser sujeito a TIR ou outras medidas que não a prisão preventiva, assim ficando a aguardar os ulteriores trâmites do processo.” Termina pedindo: “Nestes termos e nos mais de direito e sempre com o douto suprimento de V. Exa. requer mui respeitosamente se digne a conceder provimento ao presente recurso e, consequentemente alterando a medida de coação fixar outra medida de coação que não a prisão preventiva.” O recurso foi admitido

O MP na 1.ª instância respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo (transcrição): “Por despacho judicial em 14-07-2022, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, aplicada aos arguidos (…) e AA a medida de coacção de prisão preventiva, com os fundamentos melhor explanados naquela sede, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, por razões de economia e celeridade processual

Não se conformando com o teor da decisão, viram os recorrentes interpor recurso, retirando-se das suas motivações, as seguintes conclusões (em síntese): (…) v) AA - Inexistência de fortes indicios da prática dos crimes pelos quais se mostra indiciado; e - Substituição da medida de coação de prisão preventiva por uma medida de coacção menos gravosa

  1. Delimitação do objecto do recurso (…) Revertendo ao caso concreto: Dos meios de prova carreados para os autos, resulta fortemente indiciada a prática pelos arguidos de: (…) v) AA - I (um) crime de tráfico agravado, em coautoria (art. 26.0, parte do Código de Processo Penal) e na 'forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.0, n. 0 1 do Código Penal e 21.0, n.0 1 e 24. 0 al. j), ambos do Decreto-Lei n. 0 15/93, de 22/01, por referencia à tabela 1-C anexa ao mesmo diploma; e - I (um) crime de detenção de arma proibida, em autoria material (art. 26.0, parte do Código Penal), na forma consumada e em concurso real e efetivo (art. 30.0, n.0 1 do Código Penal) com o crime supra imputado, p. e p. pelos artigos 14.0 n. 0 1 do Código Penal e 86, 0, n.0 1, als- c), d) e e) da Lei n. 0 5/2006, de 23/02

Tal indiciação resulta do acervo probatório constante dos autos (tratando-se este, sobretudo, de prova directa): l) cópia do NUIPC 5/20.5FAVRS e auto de identificação de BB (lis. 1 171 a 1 180): 2) toda a prova existente no NUIPC 62/20.4MAPTM apensado aos presentes autos; 3) relatório de exame pericial (fls. 4 175 e 4178); 4) todos os relatórios de diligências externas; 5) todos os relatórios de registo de voz e imagem; 6) todos os autos de interceções telefónicas e respetivas transcrições: 7) todos os prints informáticos resultantes da pesquisa efetuada na base de dados do Instituto da Segurança Social (fls. 5747 a 5757): 8) autos de busca e apreensão, acompanhados de reportagem fottográfica (fls. 5535 a 5543, 5611 a 5614. 5650 a 5654, 5692 a 5703 do Vol. 22); 9) testes rápidos/pesagem (fls. 5581 a 5586, 5704 a 5709); 10) autos de busca e apreensão de veículos automóveis (fls. 55705570 a 5578, 3590 a 5604, 5628 a 5631, 5645, 5646, 5669 a 5682. 5721 a 5738) 11) autos de revista e apreensão (fls. 5560 a 5562, 5633, 5633/verso); 12) autos de exame direto (fls. 5587 e 5588); Não obstante, o alegado pelos Recorrentes nos respectivos recursos, conforme resulta da fundamentação do despacho ora recorrido, à qual se adere na integra e não se transcreve por economia processual. resulta fortemente indiciada a factualidade ora posta em crise, Tal convicção resulta do cruzamento das provas adquiridas na investigação, como sejam, as escutas, as vigilâncias, os relatórios de registo e voz e imagem e os autos de busca e apreensões, que constituem, sobretudo, prova directa e, por conseguinte, mais determinante, factual e efectiva. Todo o acervo probatório adquirido permite concluir a forte indiciação dos crimes acima enunciados

Ademais: (…) O despacho recorrido considerou existirem, em concreto, o perigo de continuação da atividade criminosa, o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública e o perigo de perturbação de inquérito (artigo 204º, alíneas b) e c) do Código Processo Penal).” Termina do seguinte modo: “Atendendo à fundamentação do despacho ora recorrido: Em face do exposto, entendemos ser de confirmar a totalidade o douto despacho, ora recorrido, mantendo a medida de coação de prisão preventiva e, assim, negando provimento ao recurso.” A Exm.ª PGA neste Tribunal da Relação deu parecer no sentido de que o recurso interposto não merece provimento

Procedeu-se a exame preliminar

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP (1)

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa: “O Tribunal considera fortemente indiciados os seguintes factos: 1 - Desde data não concretamente apurada, mas seguramente desde o ano 2020 até à presente data, que o arguido CC se dedica à venda direta de produto estupefaciente, nomeadamente canábis (resina), aos seus clientes/consumidores na área de sua residência, em … (entre outras sessões 3489, 3493, 3494 e 3503, 5964, 6755, 6760 a 6767, 9226, 9227, 32181, 32184, 32185, 32188, 32189, 32192, 32193, 32194, 32197 e 32198 64987, 64988, 64989, 64990, 64991, 64992 e 64993, 70417 do alvo 114866040 - respetivo apenso); 2 - CC tinha uma relação de confiança com BB (cfr sessão nº 1619 do alvo 114866040 - respetivo apenso, sessões 17760 e 17794 do alvo 110872040 fls. 1377 e relatórios de vigilância externa nº 9 e 10 de fls. 1409 a 1413); 3 - No dia 18/06/2020, cerca das 15h.00m., na praia da Avenida …, sita em …, …, BB, acompanhado de, pelo menos, mais um indivíduo, retirou dois sacos, contento no seu interior 21kg de canábis (resina), que se encontravam no interior de uma embarcação de recreio (cfr. NUIPC 5/20.5FAVRS, fls. 1770 a 1780 e sessões 4561,4569, 4571 e 4589 do Alvo 112955040 de fls. 1131); 4 - Sucede que...

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