Acórdão nº 43/20.8GAPRL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Novembro de 2022

Data22 Novembro 2022

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Singular que correm termos no Juízo Local Criminal de …-J…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 43/20.8GAPRL, foi o arguido AA, nascido a … de 1992, filho de BB e de CC, natural da freguesia de …, concelho de …, solteiro, trabalhador rural, residente no …, …, condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1 alínea b), nºs. 2 a), 4 e 5, do Código Penal, da seguinte forma: - Na pena principal de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova que passará obrigatoriamente pela sujeição do arguido a consulta de psiquiatria e/ou psicologia, e consulta de alcoologia, e ao respetivo cumprimento do tratamento que vier a ser prescrito, a monitorizar pela DGRSP

- Nas penas acessórias de proibição de contactos por qualquer meio, de afastamento da vítima durante os primeiros 14 meses da suspensão da pena, afastamento fiscalizado por meios de vigilância eletrónica apenas pelo período de 1 ano e de obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, a monitorizar pela DGRSP

*** Inconformado com tal decisão, veio o Ministério Público interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “1. Antes de mais, afigura-se-nos que a sentença do tribunal a quo padece do vício a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal

  1. O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão só existe quando há uma incompatibilidade que não é possível resolver através da decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão

  2. A contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão ocorre quando se chega à conclusão, de acordo com um raciocínio lógico e tendo em conta as regras da experiência comum, que a decisão contém contradição irremediável, que não pode ser ultrapassada, entre os próprios fundamentos nela invocados, ou que a fundamentação determina uma decisão oposta àquela que foi proferida

  3. Além das considerações de natureza teórica, apreciado os factos dados como provados e subsumindo-os ao crime de violência doméstica, o tribunal a quo considerou que «Consta-se da factualidade provada que o arguido de facto dirigiu à ofendida expressões ofensivas da sua honra e consideração, molestou-a psiquicamente e manteve uma postura de desrespeito para com a mesma

    Mais, alguns dos factos tiveram lugar na casa de morada da família o que demonstra desrespeito até pelo lar que partilhavam e que deve ser visto como um “porto seguro” e não como um lugar de pressão, tensão e agressão

    As sucessivas mensagens e telefonemas, porque reiterados e com conteúdo persecutório e intimidador são bastantes para considerar preenchido o tipo pelo mau estar que causam e pelos bens protegidos que ofendem, nomeadamente a dignidade e o sossego da ofendida

    O arguido agiu, pois, com o intuito de molestar a saúde psíquica da ofendida, o que logrou fazer de forma reiterada, bem sabendo que assim violava os deveres que sobre ele impendiam em virtude da relação de união de facto que tinha mantido com ela, e que dessa forma a colocava numa situação de particular vulnerabilidade, até porque escolhia a ofensa à sua intimidade, que é dos bens mais protegidos e que mais devem ser reservados.» 5. Posteriormente e de forma lacunar, entendeu o tribunal a quo que «In casu, não resultaram demonstrados quaisquer danos patrimoniais, ou não patrimoniais (de especial relevo que imponham esta protecção/compensação adicional da vitima.» 6. Ora, esta conclusão não se afigura compatível com a factualidade provada na sentença, nem com as considerações de ordem teórica e a subsunção das mesmas ao caso dos autos que consubstanciam e justificariam justamente os danos não patrimoniais sofridos pela vítima em virtude da conduta reiterada e violenta do arguido

  4. De igual forma, dificilmente se compreende como chegou o tribunal a quo à conclusão de que não haveria efectivamente danos causados à vítima, quando é o próprio tribunal que considera, na fundamentação da sentença, que « Os factos em discussão nos presentes autos assumem, portanto, seriedade pois que para além das ofensas verbais existiram ameaças de morte repetidas, e a verdade é que o comportamento do arguido não corresponde a uma acção isolada, e revela uma intensidade, ao nível do desvalor da acção e do resultado, que é suficiente para lesar o bem jurídico protegido pelo tipo, de modo incompatível com a dignidade da pessoa humana.» 8. Por estes motivos, considera o Ministério Público que se verifica o vício da alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal

  5. Não só pela factualidade dada como provada, mas igualmente até pela fundamentação que exarou na sentença, o Ministério Público sufraga o entendimento que o tribunal a quo deveria ter arbitrado uma indemnização à vítima, com base na equidade

  6. Desde logo, a Lei n.º 112/2009, de 116 de Setembro estabeleceu no artigo 21.º o direito da vítima à indemnização nos seguintes termos: 11. «1 - À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável

    2 - Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.» 12. Daqui resulta, tal como tem sido entendimento da doutrina e da jurisprudência, que «… em caso de condenação por crime de violência doméstica, há sempre que arbitrar uma indemnização à vítima, ou porque ela a pediu ou porque, não o tendo feito e não se tendo oposto expressamente ao seu arbitramento, assim o obriga o disposto no artigo 21.º, da Lei n.º 112/2009, de 16-9

    Se a sentença do tribunal "a quo" não o fizer, incorrerá na nulidade da omissão de pronúncia prevista no art.º 379.º, n.º 1 al.ª c), como aliás uniformemente o tem decidido a jurisprudência: acórdãos da RC de 28-5-2014, processo 232/12.9GEACB.C1 e de 2-7-2014, processo 245/13.3PBFIG.C1, acessíveis em www.dgsi.pt; e da RG de 22-4-2013, sumariado na CJ, 2013, II-313.» (in Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 21.04.2015, proferido no proc. n.º 65/11.0GEALR.E1)

  7. No mesmo sentido decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.05.2016, processo n.º 232/12.9GEACB.C2: «I - Há lugar à atribuição de indemnização à vítima, mesmo não tendo sido pedido e mesmo que não ocorram particulares exigências de protecção da mesma, na fixação desta indemnização segue-se a regra geral, à falta de lei especial para o efeito. II - No caso particular do crime de violência doméstica em que a atribuição de indemnização é obrigatória entendemos que se deverá prescindir da verificação do pressuposto “gravidade do dano” porque se assim não fosse poderíamos concluir, em muitas situações, que não haveria lugar à fixação da indemnização que a lei obriga a atribuir por os danos não serem particularmente graves. III - A fixação da indemnização de acordo com a equidade significa que o seu valor é determinado considerando a culpa do agente, a sua situação económica e a situação económica do lesado, as especiais circunstâncias do caso, a gravidade do dano, etc., ou seja, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.»

  8. O tribunal a quo teceu considerações sobre o impacto da violência nas vítimas, pelo que se dá por reproduzida a fundamentação transcrita no ponto anterior

  9. Da leitura da sentença, resulta que o tribunal a quo chegou inclusivamente a considerar que as consequências para a vítima foram graves, porquanto fundamentou que «O arguido agiu, pois, com o intuito de molestar a saúde psíquica da ofendida, o que logrou fazer de forma reiterada, bem sabendo que assim violava os deveres que sobre ele impendiam em virtude da relação de união de facto que tinha mantido com ela, e que dessa forma a colocava numa situação de particular vulnerabilidade, até porque escolhia a ofensa à sua intimidade, que é dos bens mais protegidos e que mais devem ser reservados.» 16. Em conclusão, no vertente caso, os requisitos formais mostram-se preenchidos – não foi deduzido pedido de indemnização civil, verifica-se a condenação do arguido e a vítima não se opôs expressamente à fixação da indemnização, embora não a tenha peticionado

  10. Quanto aos demais requisitos, mostram-se também verificados, uma vez que, conforme se apurou, a vítima psicologicamente molestada, de forma reiterada e muito violenta, em consequência das condutas do arguido

  11. Ora, a factualidade mencionada impõe exigências de protecção da vítima

  12. Assim, levando em conta as consequências das condutas levadas a cabo pelo arguido e a sua condição económica modesta, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos, afigura-se-nos adequada uma indemnização em quantia não inferior a € 2.500,00,00 (dois mil e quinhentos euros)

  13. A pena principal aplicada a AA correspondente a em 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução sob regime de prova, é desadequada às necessidades de prevenção existentes e consequentemente violadora dos artigos 40.º, 70.º e 71.º todos do Código Penal

  14. Atendendo ao bem jurídico lesado, ao desvalor da conduta do arguido, ao resultado da sua conduta, ao grau de ilicitude e de culpa revelados no caso concreto, às elevadas exigências de prevenção geral e, às exigências de prevenção especial, entende-se que a medida a fixar não deverá ser inferior a 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução sob regime de prova - ao invés da pena aplicada de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses - favorecendo a inserção social do arguido e...

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