Acórdão nº 545/19.9T8STC-D.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelTOMÉ DE CARVALHO
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 545/19.9T8STC-D.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Família e Menores de Santiago do Cacém – J1 * Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: Nos presentes autos de alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais relativos ao menor (…), em que é requerente (…) e requerido (…), a progenitora interpôs recurso da decisão que determinou o regresso imediato do menor a território nacional.

* O menor (…) nasceu a 02/03/2016 e é filho de (…) e de (…).

* Em 16/06/2021, nos autos principais, por acordo provisório sobre o exercício das responsabilidades parentais foi fixado o seguinte regime: «1 – Fixam a residência da criança (…) junto da mãe que exercerá em exclusividade as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança.

(…) 13 – Cada um dos progenitores não poderá sair do país sem autorização escrita do outro e sem prejuízo do acordado na cláusula cinco[1]».

* Os autos de alteração da regulação das responsabilidades parentais (apenso A) tiveram início em Junho de 2020 por iniciativa de (…) em que esta manifestava a intenção de ir viver para o Luxemburgo na companhia do filho.

* Em 27/09/2020, através de petição que deu origem ao apenso B, o progenitor peticionou que a residência da criança fosse fixada junto de si.

* O apenso B foi incorporado no apenso A.

* Por requerimento apresentado no dia 19/05/2022 (apenso A) veio a progenitora informar que se encontra a residir com o filho no Luxemburgo.

* Em 20/05/2022, no mesmo apenso, o progenitor deu nota que a requerente tomou a decisão de forma unilateral, nada lhe comunicando e solicita assim o regresso imediato do menor a território nacional.

* Em 23/05/2022, a progenitora refere que quer ela quer o (…) têm a qualidade de residentes no Luxemburgo e que o filho se encontra inscrito em estabelecimento pré-escolar cuja frequência se iniciaria em Junho.

* No mesmo dia o progenitor deu entrada a um pedido de alteração das responsabilidades parentais (apenso C) em que solicita o regresso imediato do (…) a Portugal.

* Na parte que releva para o presente recurso a decisão impugnada tem o seguinte conteúdo: «(…), sendo o objecto dos autos do apenso A, a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais requerida pela progenitora tendo como objectivo a fixação da residência do (…) junto de si no Luxemburgo, que se encontra em vigor o regime provisório acima referido, e bem assim que se encontra marcado julgamento para dia 05.07.2022 (tendo a progenitora sido convocada), antes de mais, notifique a progenitora para diligenciar pelo regresso imediato de (…) a Portugal, devendo a mesma informar, no prazo de 5 dias, a data de regresso do mesmo a território nacional.

Adverte-se, desde já, a Progenitora de que, não regressando a criança a Portugal, poderão ser accionados os mecanismos internacionais para assegurar o seu imediato retorno».

* No âmbito do processo comum registado com o n.º 225/19.5T9GDL, do Juízo Criminal de Grândola, com a intervenção do Tribunal Singular, por sentença da Primeira Instância, (…) foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 14.º, 26.º e 152.º, nºs 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período de tempo, o qual foi cometido na pessoa de (…).

Foi ainda determinado que a suspensão da execução da pena fosse acompanhada de regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar após o trânsito da sentença e impondo-se as seguintes regras de conduta que devem constar do sobredito plano: a) não contactar, por qualquer meio, com a vítima, no que se inclui o afastamento da residência e do local de trabalho desta, nos termos do artigo 34.º-B da Lei n.º 112/2009, de 16/09.

  1. frequentar programas específicos da prevenção da violência doméstica sob o apoio e fiscalização dos serviços de reinserção social, nos termos do n.º 3 do artigo 52.º do Código Penal.

    O arguido foi ainda condenado nas seguintes penas acessórias: i) não contactar, por qualquer meio, com a vítima (…), no que se inclui o afastamento da residência e do local de trabalho desta pelo período de 3 (três) anos e determinou-se que o cumprimento fosse efectuado por meios técnicos de controlo à distância, independentemente do consentimento do arguido e da vítima, por tal se afigurar necessário à protecção dos direitos da vítima.

    ii) frequentar programas específicos da prevenção da violência doméstica, concretamente dos programas que forem estabelecidos no plano de reinserção social para cumprimento da regra de conduta referida em b).

    iii) proibição de uso e porte de armas, pelo período de 3 (três) anos.

    iv) inibição do poder paternal relativamente ao seu filho menor (…) pelo período de 3 (três anos) anos.

    * Interposto recurso, por acórdão datado de 25/01/2022, transitado em julgado em 02/03/2022, o Tribunal da Relação de Évora manteve a sentença recorrida com excepção da sanção acessória de inibição do poder paternal, a qual foi reduzida para o período de 1 (um) ano.

    * De acordo com os factos provados no processo crime a recorrente viveu no Luxemburgo até aos 15 anos, tem apoio familiar no mencionado país e tem facilidade de ingressar no mercado de trabalho enquanto em Portugal tinha trabalhos ocasionais e precários e passava muitas temporadas no desemprego.

    * A recorrente e o recorrido viveram no Luxemburgo de Julho de 2014 até Abril de 2015.

    * O (…) mantém laços de grande afectividade com a mãe.

    * Inconformado com tal decisão, a recorrente apresentou recurso de apelação e as alegações continham as seguintes conclusões: «1. O presente recurso visa a apreciação da decisão proferida pelo Tribunal a quo.

    1. Considera ilícita a deslocação da progenitora, ora recorrente, acompanhada do filho menor, para o Luxemburgo, por não ter a autorização do progenitor.

    2. O Tribunal a quo ignorou, por completo e incompreensivelmente, a existência e fundamentação do Acórdão proferido pela 1ª subsecção do Tribunal da Relação de Évora no âmbito do processo n.º 225/19.5T9GDL.E2.

    3. Acórdão que, transitado em julgado, inibe o arguido, progenitor e requerido nos autos do apenso A do processo n.º 545/19.9T8STC, do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho menor (…).

    4. Ignorando, ainda e nomeadamente, o previsto no artigo 1903.º, n.º 1 e no n.º 3 do artigo 1913.º, ambos do Código Civil.

    5. Logo, a ação da mãe do menor (…) nada tem de ilícito, pois é ela a exclusiva detentora do exercício dessas responsabilidades parentais.

    6. Não tendo, por isso, que pedir autorização ao progenitor nem para viajar para o estrangeiro, nem para aí fixar a residência do seu filho, junto dela, mãe.

    7. A existência de um acordo provisório sobre o exercício das responsabilidades parentais ainda em vigor (quando, salvo melhor opinião, já não deveria estar...) em nada obsta a que a mãe tome decisões sem autorização do pai do seu filho, dado que o mesmo se encontra inibido do exercício daquelas responsabilidades.

    8. A progenitora informou os autos de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais acerca da sua deslocação, morada e contactos, assim como da obtenção, relativamente a ela e ao filho, da qualidade de residentes no Luxemburgo e da inscrição do menor em estabelecimento escolar.

    9. O menor mantém contacto com o seu progenitor através de vídeo chamadas.

    10. A progenitora, ora recorrente, não deu conhecimento antecipadamente ao progenitor do seu filho, por medo!!! 12. Medo que tem todo o fundamento, considerando a violência física e psicológica exercida pelo progenitor na pessoa dela própria, sua ex-companheira! 13. O que não podia, de forma alguma, ter sido ignorado pelo Tribunal a quo! 14. A fundamentação da decisão do Tribunal a quo não pode relevar, pois atenta contra todos os princípios que devem reger os processos de jurisdição voluntária e a defesa dos interesses dos menores.

    11. Impõe-se, portanto, a revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo que viola nomeadamente o artigo 1903.º, n.º 1 e o n.º 3 do artigo 1913.º, ambos do Código Civil.

    12. Deverá atribuir-se efeito suspensivo ao presente recurso, evitando-se, assim, a imediata exequibilidade da decisão recorrida.

    Nestes termos e nos melhores de direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, fixar-se o efeito suspensivo ao recurso e revogar-se a sentença recorrida, ordenando-se a sua substituição por outra que considere os motivos os motivos expostos».

    * Houve lugar a contra-alegações do recorrido que sustenta o mérito da decisão recorrida e pede o regresso imediato do menor a Portugal.

    * O Ministério Público defendeu a manutenção da decisão recorrida.

    * Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. * II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).

    Analisadas as alegações de recurso o thema decidendum está circunscrito à apreciação da existência de erro na apreciação do direito em virtude de ter sido determinado o regresso imediato do menor a território nacional.

    * III – Dos factos apurados: Os factos com interesse para a justa resolução da causa são aqueles que constam do relatório inicial.

    * IV – Fundamentação: A compreensão da criança, suas necessidades e expressão, neste primeiro quartel do século XXI, reflecte um conjunto de valores e princípios éticos da sociedade que nos rodeia. Vivemos hoje uma realidade que se enquadra num modelo de intervenção institucional e não institucional de protecção da criança, enquanto sujeito frágil e portador de...

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