Acórdão nº 5420/21.4T8STB-L.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelMÁRIO BRANCO COELHO
Data da Resolução30 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Setúbal, vários trabalhadores propuseram acções de impugnação de decisões de despedimento, com fundamento disciplinar, deduzidas pela empregadora NAVIGATOR PULP SETÚBAL, S.A.

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Na acção em que é trabalhador AA, este arguiu na sua contestação a excepção peremptória de nulidade da nota de culpa, a qual foi julgada improcedente no saneador.

Na acção em que é trabalhador BB, este arguiu idêntica excepção na sua contestação, a qual foi também julgada improcedente no saneador.

E o mesmo se passou na acção em que é trabalhador CC, onde a excepção peremptória de nulidade da nota de culpa também foi julgada improcedente no saneador.

Por seu turno, na acção em que é trabalhador DD, este arguiu a invalidade do processo disciplinar, por a decisão de despedimento ter sido proferida mais de 30 dias sobre a última diligência probatória. Também esta excepção foi julgada improcedente no saneador.

Mais foi determinado que todas as acções fossem apensadas ao processo 5420/21.4T8STB, com a consequente tramitação conjunta.

Inconformados com os aludidos despachos, os referidos trabalhadores apresentaram recursos, que ora se tramitam de forma unitária, face à regra do art. 645.º n.º 3 do Código de Processo Civil.

As conclusões dos recursos apresentados pelos trabalhadores AA, BB e CC são substancialmente idênticas. Estes trabalhadores concluem o seguinte: A. O presente recurso de apelação tem por objecto o despacho saneador do douto Tribunal a quo proferido no âmbito do processo n.º (…), que correu termos no Juízo do trabalho de Setúbal - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (adiante abreviadamente designada por “despacho”) e que apreciou e julgou totalmente improcedente a excepção peremptória de nulidade da nota de culpa invocada na contestação apresentada pelo Recorrente.

B. O processo n.º (…) foi apensado ao processo n.º (…) que corre termos no Juízo do trabalho de Setúbal - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal.

C. Com efeito, com a pertinência devida para o objecto do presente recurso, salienta-se, por um lado, a impugnação da interpretação da matéria de facto dada como provada, porquanto a mesma padece de erro grosseiro na apreciação da prova documental junta aos autos, e, consequentemente, não foram retiradas as conclusões que se impunham ao Tribunal a quo, e por outro, a total desconsideração e errada interpretação e aplicação de normas de direito de carácter imperativo, que foram manifestamente violadas, designadamente, e sem exclusão de outras, as normas ínsitas no n.º 1 e na al. a), do n.º 2, do art.º 382.º, e no n.º 1, do art.º 353.º, ambos do Código do Trabalho (adiante abreviadamente designado por “CT”).

D. E por isso, o despacho recorrido deverá ser revogado e, em seu lugar, ser proferida douta decisão pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora que declare procedente a excepção peremptória de nulidade da nota de culpa, por falta da descrição circunstanciada dos factos imputados ao Recorrente, e, por seu turno, a ilicitude do despedimento com todas as consequências legais, nomeadamente com a condenação da Recorrida nos precisos termos peticionados na contestação junta aos autos que, por razões de economia processual, se dá aqui por integralmente reproduzida.

Do erro na apreciação da matéria de facto dada como provada.

E. No que concerne à matéria de facto dada como provada na alínea D) do despacho ora em crise, o Tribunal a quo concluiu que a nota de culpa junta ao processo disciplinar, e devidamente comunicada ao Recorrente, contém as circunstâncias de modo, tempo e lugar das condutas que lhe são imputadas.

F. Sucede, porém, a ponderação efectuada pelo Tribunal a quo merece, com o devido respeito, que é muito, total censura, porquanto é manifesto que errou grosseiramente na apreciação dessa matéria factual e na submissão da mesma ao direito aplicável.

G. Com efeito, é por demais evidente que a nota de culpa não faz uma cabal indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os factos ocorreram, na medida em que não indica dias, horas, bem como o lugar e o modo/forma como o Recorrente alegadamente actuou.

H. Acresce ainda que, nenhuma imputação/referência concretas são feitas ao Recorrente ao longo da nota de culpa, designadamente sobre os montantes supostamente recebidos pelo Recorrente, e sobre a pessoa ou pessoas que lhe os entregava. E nem lhe poderiam ser feitas, uma vez que o Recorrente nunca praticou nenhum dos factos vertidos na nota de culpa.

  1. Deste modo, atenta o teor da nota de culpa comunicada ao Recorrente, dúvidas não subsistem de que a Recorrida se limitou a deduzir na nota de culpa meras imputações vagas, genéricas e conclusivas.

    J. E, como é sabido, não basta uma indicação genérica e imprecisa do comportamento imputado ao trabalhador, sendo necessário especificar os factos em que esse comportamento se traduziu, bem como as circunstâncias de tempo e lugar em que tais factos ocorreram. O que não foi feito na nota de culpa junta ao procedimento disciplinar.

    Da matéria de direito. Da invalidade do processo disciplinar por falta da descrição circunstanciada dos factos imputados ao Recorrente.

    K. Com efeito, os factos imputados ao Recorrente, dados como provados no processo disciplinar, nomeadamente na nota de culpa, não foram devidamente circunstanciados como é imposto pela legislação laboral. (Cfr. n.º 1, do art.º 353.º, e al. a), do n.º 2, do art.º 382.º, ambos do CT) L. Como é sabido, a descrição dos factos deverá ser enquadrada no seu contexto próprio de tempo, modo e lugar, individualizando-os e especificando-os, para permitir ao trabalhador, sendo esse o caso, a sua impugnação. E o certo é que a Recorrida não o fez na nota culpa comunicada ao Recorrente.

    M. Sobre este assunto, determina o n.º 1, do art.º 353.º, do CT, sob a epígrafe “nota de culpa”, que “no caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.” (negrito nosso) N. E no que respeita à ausência da descrição circunstanciada dos factos na nota de culpa, impõe a al. a), do n.º 2, do art.º 382.º, do CT, que “o procedimento é inválido se faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador.” (negrito nosso) O. Destarte, é inequívoco que, também por esse motivo, o despedimento em causa deverá ser declarado ilícito por manifesta ausência da descrição circunstanciada dos factos que são imputados ao Recorrente na nota de culpa, por imposição da citada al. a), do n.º 2, do art.º 382.º, do CT.

    P. Neste sentido, Vd. a título meramente exemplificativo, o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 14 de Novembro de 2018, no âmbito do processo n.º 94/17.0T8BCL-A.G1.S1, disponível para consulta no site da DGSI (www.dgsi.pt), onde é concluído que “a nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, em termos de modo, tempo ainda que aproximado, e de lugar, de forma a permitir que aquele organize, de forma adequada, a sua defesa, sob pena de invalidade do procedimento disciplinar.” Q. Vd. ainda, também a título meramente exemplificativo, o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 10 de Outubro de 2017, no âmbito do citado processo n.º 94/17.0T8BCL-A.G1, disponível para consulta no site da DGSI (www.dgsi.pt), onde é concluído que: (segue-se o sumário deste aresto).

    Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., o presente recurso de apelação deve ser considerado totalmente procedente e por provado e, em consequência, o douto despacho do Tribunal a quo deve ser totalmente revogado e, em sua substituição, ser proferida douta decisão pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora que declare procedente a excepção peremptória de nulidade da nota de culpa, por falta da descrição circunstanciada dos factos imputados ao Recorrente, e, por seu turno, a ilicitude do despedimento com todas as consequências legais, nomeadamente com a condenação da Recorrida nos precisos termos peticionados na contestação junta aos autos.

    Quanto às conclusões do trabalhador DD, são as que seguem: I. O ora recorrente não se conforma com a decisão do douto Tribunal a quo que, no despacho saneador, julgou improcedente a excepção peremptória de caducidade de aplicação da sanção disciplinar de despedimento ao Recorrente.

  2. Em sede de processo disciplinar foram inquiridas duas testemunhas, EE e FF que, nos competentes autos de inquirição se refere foram indicadas pelo Trabalhador arguido, ora Recorrente.

  3. O Recorrente, em sede de processo disciplinar, não requereu quaisquer diligências probatórias, conforme reconhecido quer na douta decisão posta em crise, quer no relatório final do procedimento disciplinar a fls. 577.

  4. A Recorrida não determinou oficiosamente a inquirição das testemunhas e, de forma sub-reptícia, inquiriu-as como se fossem indicadas pelo Recorrente (falsamente diga-se desde já!!!) V. As diligências probatórias em questão, por não terem sido determinadas oficiosamente ou requeridas pelo Recorrente, deveriam ter sido consideradas como não existentes pelo douto Tribunal a quo, perdendo o seu valor como prova, o que, afinal não veio a suceder.

  5. Não deveria ter tido lugar a inquirição da testemunha FF, efectuada a 22 de Setembro de 2021, devendo considerar-se como não realizada pelos motivos expostos.

  6. Mal andou o Tribunal a quo não determinando ainda que a última diligência probatória efectuada foi a tomada de declarações da testemunha GG, realizada a 7 de Setembro de 2021.

  7. Por consequência, datando o relatório...

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