Acórdão nº 162/21.3T8CBA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | TOMÉ DE CARVALHO |
Data da Resolução | 30 de Junho de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Processo n.º 162/21.3T8CBA.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo de Competência Genérica de Cuba – J1 * Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: (…) foi declarado insolvente e requereu o procedimento de exoneração do passivo restante. Notificado da decisão veio interpor recurso.
* No seu essencial, o requerente alegou que reunia os respectivos requisitos legais e se comprometia a observar todas as condições exigidas, nomeadamente as previstas no n.º 4 do artigo 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
* O Relatório da Administradora da Insolvência não foi objecto de qualquer oposição ou impugnação.
* A decisão recorrida determinou que o rendimento disponível que o devedor viesse a auferir, no prazo de 3 (três) anos a contar da data de encerramento do processo de insolvência, se considerava cedido à fiduciária, com exclusão da quantia equivalente a 1,8 vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida correspondentemente em vigor, 12 (doze) meses por ano.
* O insolvente não se conformou com a referida decisão e as suas alegações contenham as seguintes conclusões[1] [2] [3] [4] [5]: «1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida no despacho datado de 05/05/2022, notificado a 06/05/2022 nos autos em epígrafe.
-
O douto despacho admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e declarou o encerramento do processo para se dar início ao período de cessão do rendimento disponível, o que se concede.
-
O recorrente não se conforma com a decisão constante neste despacho, na parte respeitante ao quantum fixado a título de sustento minimamente digno para si e para o seu agregado familiar.
-
Como pontos a considerar para a decisão de 05/05/2022, julgou o Tribunal a quo como provado que: a. O requerente apresentou-se à insolvência em 15.10.2021; b. Por sentença proferida em 19.10.2021 foi decretada a insolvência do requerente; c. O insolvente tem actualmente 68 anos; d. O insolvente é casado com (…) sob regime imperativo da separação de bens; e. O insolvente tem uma filha menor, actualmente com 7 anos; f. O agregado familiar do insolvente é composto por si, pela sua esposa e pela filha menor; g. O insolvente está aposentado e recebe uma pensão de velhice do Centro Nacional de Pensões, no valor de € 648,91; h. Trabalha ainda como motorista e aufere um vencimento base de € 970,40, sobre o qual ainda incide uma penhora no montante de € 330,25; i. A esposa do insolvente está desempregada e não recebe qualquer subsídio; j. Aquando da sua apresentação à insolvência o requerente tinha as seguintes despesas mensais fixas: renda no valor de € 250,00, despesas de água, gás, electricidade e telecomunicações no valor aproximado de € 175,00, despesas com a menor de € 350,00, despesas de alimentação, vestuário e higiene no valor de € 700,00 e despesas médicas e medicamentosas no valor de € 53,00 mensais; k. O recorrente nunca foi condenado pela prática de qualquer crime.
-
O Tribunal a quo considerou como necessário a um sustento minimamente condigno do aqui recorrente e seu agregado familiar, fixar como limiar do rendimento disponível o montante equivalente a 1,8 vezes o salário mínimo nacional.
-
A pensão e o salário mensais do recorrente são a única fonte de rendimento de todo o agregado familiar, constituído pelo mesmo, pela sua mulher e pela filha menor de ambos.
-
Desde a data da apresentação da insolvência do recorrente, em outubro de 2021, houve, como consequência da pandemia da Covid-19 e também do conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia, uma brutal inflação no preço de bens e serviços, o que originou uma carestia de praticamente todos os bens, incluindo os bens essenciais, com claros reflexos nas despesas mensais do seu agregado familiar.
-
Também a despesa mensal do agregado familiar do recorrente aumentou porque o recorrente, já com 68 anos de idade, tem tido crescentes problemas de saúde, do foro cardíaco.
-
A filha menor ingressou no ensino público, frequenta o 1º ano de escolaridade, o que fez disparar as despesas com material escolar não subsidiado, equipamento para atender às aulas de Educação Física e outras atividades escolares cujas despesas não são suportadas pelo Estado.
-
Da fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo, não foi considerada a factualidade do aumento exponencial do custo de vida, da idade do recorrente e da idade e necessidades/despesas crescentes da sua filha menor.
-
O douto despacho, de cuja decisão se recorre, assume que: “No que respeita à fixação do montante mensal a excluir do rendimento disponível ceder ao fiduciário, tem o tribunal em atenção as seguintes linhas de orientação: a) A remuneração mínima mensal garantida legalmente fixada constitui valor referência para fazer face às despesas de habitação, alimentação e despesas correntes de água, luz, gás e transportes públicos (passe) do cidadão médio, adulto, para um «sustento minimamente digno».
-
Havendo outros elementos no agregado familiar, são atendidas as despesas proporcionais à idade, condição de saúde e social desses elementos, sempre de acordo com o padrão médio acima referido.” 12. Tais linhas de orientação assumidas pelo Tribunal a quo não foram respeitadas nem tidas em conta.
-
-
Admitindo a aplicação da linha orientadora indicada em a), e considerando que se assume absolutamente necessário um “sustento minimamente digno” dever-se-ia ter fixado, por cada adulto deste agregado familiar um salário mínimo nacional (SMN), e por cada dependente ½ SMN, cumprindo-se assim, in casu, a fixação de um valor não inferior a 2,5 SMN.
-
Admitindo a aplicação da linha orientadora indicada em b), ter-se-ia de ter considerado o facto de o recorrente ter 68 anos de idade, com despesas de saúde crescentes, o facto de a sua filha menor ter 7 anos de idade, estar em pleno crescimento, com despesas acrescidas em alimentação e vestuário, às quais acrescem as despesas escolares e outras relacionadas com a atividade escolar.
-
Tudo para que se cumpra os pontos i) e iii) do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE.
-
E assim seja assegurado o “sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”.
-
O Relatório da Administradora da Insolvência, elaborado nos termos e para os efeitos do artigo 155.º, notificado aos credores, não foi objecto de qualquer oposição ou impugnação.
-
Também não foi impugnada a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos apresentada pela Administradora da Insolvência.
-
Não sendo a esta posição dos credores indiferente o facto de o recorrente ter como ativo o direito à meação de três imóveis que detém em copropriedade com a sua ex-mulher, o qual já se encontra à disposição da massa insolvente, para liquidação.
-
Por sentença datada de 06/03/2022, o digno Tribunal procedeu à verificação e graduação dos créditos reclamados.
-
Atendendo à graduação de créditos, torna-se claro que todos os credores serão, independentemente da natureza dos seus créditos, ressarcidos das quantias peticionadas, por via da liquidação do ativo do recorrente.
-
Pelo que não existe razão para se onerar ainda mais a dignidade do recorrente e do seu agregado familiar, com a fixação apenas do montante equivalente a 1,8 vezes o salário mínimo nacional, não obstante os factos dados por provados, constantes da petição inicial do recorrente e do Relatório da Administradora da Insolvência.
-
Pois tal montante é manifestamente insuficiente para atender às já existentes e crescentes despesas do recorrente e sua família.
-
O artigo 738.º do Código de Processo Civil não admite a penhora, quando o executado não tenha outro rendimento de montante equivalente ao salário mínimo nacional, para além do salário mínimo nacional.
-
Entendendo-se este valor como a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna da pessoa, e que por ter sido concebido como o mínimo dos mínimos não pode ser, de todo, reduzido, qualquer que seja o motivo.
-
A jurisprudência constitucional (cfr. Acórdão do TC n.º 177/2002, com força...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO