Acórdão nº 418/19.5GHSTC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelRENATO BARROSO
Data da Resolução21 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo de inquérito nº 418/19.5GHSTC, que correu termos nos serviços do Ministério Público de Setúbal, Secção de Santiago do Cacém, foi proferida acusação pública contra os arguidos: - AA, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p.p., pelo Artº 143 nº1 do C. Penal; - BB, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p.p., pelo Artº 143 nº1 do C. Penal e - CC, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p.p., pelo Artº 143 nº1 do C. Penal.

Pela arguida CC, constituída assistente, foi deduzida acusação particular (na mesma peça processual onde também requeria a abertura da instrução e deduzia pedido de indemnização civil), contra a arguida BB, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria, pp, pelo Artº 181 nº1 do C. Penal, acusação esta, que foi acompanhada pelo MP.

Convidada a esclarecer o seu requerimento de abertura de instrução, designadamente, as razões de direito da sua discordância com a acusação pública e indicar as disposições legais aplicáveis, a assistente assim fez, apresentando novo requerimento, que foi objecto do seguinte despacho (transcrição): CC, assistente nos autos, requereu a Abertura de Instrução, pedindo a pronúncia dos arguidos AA e BB, pela prática, cada um deles de um crime de ameaça agravada, p e p. artigos 153º, 155º, nº1, e) e 132º, nº2, f) Código Penal e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p e p artigos 143º, 1 e 2 e 145º, 2 Código Penal.

Apresenta a sua discordância relativamente à acusação pública, que imputa a cada um dos arguidos a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p e p artigo 143º C. Penal, invocando que o Ministério Púbico fez uma errónea qualificação jurídica dos factos.

De acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 287º do CPP são fundamentos de indeferimento do requerimento de instrução a extemporaneidade, a incompetência do juiz e inadmissibilidade legal da instrução.

No presente caso, o requerimento não é extemporâneo, e o tribunal é competente.

Importa apreciar a admissibilidade do RAI.

Compulsado o Requerimento da Assistente, constata-se que não coloca em causa os factos que constam da acusação, nem os meios de prova apresentados para os sustentar, requerendo a abertura de instrução com a finalidade de se discutir a qualificação jurídica dos mesmos.

O objeto da fase de instrução, como resulta do artigo 286º CPP é a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem de submeter ou não a causa a julgamento. Não se trata de um novo inquérito, com uma atividade de natureza investigatória, pelo que a insuficiência da investigação realizada pelo Ministério Público no inquérito é sindicada hierarquicamente por via de reclamação hierárquica. Já a errada valoração dos indícios colhidos na investigação, essa sim, é sindicada judicialmente por via da abertura de instrução.

A qualificação jurídica dos factos dados por indiciados na acusação é uma decisão de carácter técnico da autoria do magistrado titular do inquérito e não uma decisão que se prenda com a correta ou incorreta valoração dos indícios recolhidos (decisão essa que se reflete, isso sim, na escolha dos factos dados por indiciados).

Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 3ª edição, 2009, pag. 751, anotação 6, “a instrução não pode, em regra, ser requerida para discutir apenas a qualificação jurídica dos factos, uma vez que a lei admite o exercício dessa faculdade pelo arguido relativamente a factos da acusação pública ou particular (…)(artigo 287º, número 1, als. a) e b). Acresce que o legislador fez uma opção clara por concentrar na audiência do julgamento a discussão de “todas as questões jurídicas pertinentes” (artigo 339º, número 4), não se justificando a abertura da instrução com o exclusivo fito de antecipação dessa discussão jurídica”.

Concordando-se com esta posição, concluímos que é inadmissível a abertura da instrução com vista à simples alteração da qualificação jurídica dos factos vertidos na acusação.

Destinando-se a instrução a sindicar a valoração dos indícios recolhidos na fase do inquérito no sentido de fundamento da descrição de factos, impõe-se fazer apenas uma referência ao conteúdo do artigo 51º do RAI, onde a assistente faz constar factos não descritos na acusação, a saber : “ ao atuar da forma anteriormente mencionada, o arguido AA fê-lo com o propósito de, por meio de violência, ou de ameaça com mal importante, constranger a assistente a uma ação, causando-lhe medo e receio e toldando-lhe a liberdade de decisão e de ação” .

Estando em causa a eventual imputação aos arguidos dos crimes de ameaça agravada e de ofensa à integridade física qualificada, este facto, que não foi descrito na acusação pública, não releva já que não preenche nenhum dos elementos do tipo de ilícito referidos.

Também relativamente ao elemento subjetivo do tipo de crime de ameaça agravado e ofensa à integridade física qualificada, não foi descrito pela assistente qualquer facto que os possa integrar, fazendo apenas constar, como já consta da acusação pública, o elemento subjetivo do crime de ofensa à integridade física simples.

Como já ficou escrito no despacho anterior, no qual a assistente foi convidada a aperfeiçoar o seu requerimento na parte referente às razões de direito da sua discordância com a acusação, indicando as normas aplicáveis de forma clara, manteve o seu pedido de pronuncia dos arguidos pelos crimes acima mencionados, ainda que, na peça processual faça alusão ao crime de coação agravada, alusão esta da qual não foram retiradas consequências pela assistente.

Releva agora invocar o disposto no artigo 287º, número 2, do Código de Processo Penal: “O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º Não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas.” .

No artigo 283º, número 3, do diploma, pode-se ler o seguinte: “3 - A acusação contém, sob pena de nulidade: (…) b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de...

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