Acórdão nº 86/21.4PAVNO-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução11 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório Nos autos de inquérito supra numerados que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Instrução Criminal, J2 - e em que é arguido AA, por despacho da Mª Juíza de 04-07-2022, foi indeferida uma promoção da Digna magistrada do Ministério Público que requeria fossem tomadas declarações para memória futura à vítima BB, companheira de AA e mãe de CC.

A Digna magistrada do Ministério Público interpôs recurso com as seguintes conclusões: I. Por despacho proferido nestes autos, em que se investiga a prática do crime de violência doméstica agravado, por parte do arguido AA, nas pessoas: i) da sua companheira BB (artigo 152° n." 1, al, a) e n." 2, alínea a) do Código Penal) e ii) da filha da sua companheira CC (nascida em .../.../2011) (artigo 152°, n. 1, alínea d), e), n." 2, al. a) do mesmo diploma legal), em .../.../2022 (no despacho judicial com a referência ...21), foi rejeitada a tomada de declarações para memória futura à jovem ofendida CC, II. É desta decisão que discordamos. e dai a interposição do presente recurso.

  1. Nos presentes autos, em 23.06.2022 (com a referência ...62) o Ministério Público promoveu a tomada de declarações para memória futura à testemunha CC nos seguintes termos: «Nos presentes autos investiga-se a prática de factos suscetíveis de configurar, em abstrato, a prática, por AA, do crime de violência doméstica, nas pessoas da sua esposa BB (artigo 152º, n.º 1, al. a) e n.º 2, alínea a) do Código Penal) e da filha da sua companheira CC (nascida em .../.../2011) (artigo 152º, n.º 1, alínea d), e), n.º 2, al. a) do mesmo diploma legal).

    Resulta dos autos que: 1.- No dia 31.10.2021, a PSP foi chamada à residência sita na Rua ..., ... ..., (cfr. auto de notícia), 2.- BB disse que foi agredida com um soco na face, pelo marido, 3.- Ao que o marido AA disse que a sua esposa o agrediu com um vidro na cabeça, (cfr. auto de notícia).

    1. - Tendo as agressões sido presenciadas pela filha da ofendida, CC (cfr. auto de notícia), 5.- Quando a PSP chegou ao local, AA encontrava-se sob o efeito de álcool (cfr. auto de notícia), 6.BB tinha os olhos inchados provavelmente pelo facto de estar a chorar há algum tempo (cfr. auto de inquirição do agente DD, de fls. 85), 7.E CC informou a PSP que «estas situações ocorrem nos fins-de-semana, em que o padrasto está em casa e ingere bebidas alcoólicas, sendo que a sua mãe não exerce profissão por o seu padrasto não deixar» (cfr. auto de notícia).

    Ouviram-se vizinhos dos intervenientes que disseram «que desde que o casal foi viver para aquela habitação, há alguns meses, têm existido discussões, em tom de voz bastante alto, sendo audível o quebrar de artigos do lar, sendo mais audíveis as discussões ao final do dia e sempre ao fim-de-semana sendo que, EE já teve de chamar a polícia várias vezes (cfr. declarações de FF, de fls. 51 e seguintes, de GG, de fls. 52 e seguintes, EE, de fls. 53 e seguintes).

    CC foi notificada para comparecer nestes serviços do Ministério Público e não a fizeram comparecer.

    Resulta, assim, que CC terá sido exposta a situações de violência doméstica, acabando por ser destinatária de atos de violência, sendo vítima daquele crime (artigo 2º, al. a) da lei 112/2009 de 16.09; artigos 152º, n.º 1, al. d), e), CP e 67º-A, n.º 1, al.), iii) CPP).

    Resulta, assim, que a menor ofendida poderá ter estado sujeita e/ ou estar sujeita a atos de maus tratos, podendo estar a ser expostas a situações de perigo para a saúde, integridade física e psicológica, importando proceder à sua audição, em ambiente informal e reservado, de modo a assegurar que a mesma seja o mais livre e imparcial possível, de forma a esclarecer os factos.

    Assim, promovo que seja designada data para tomada de declarações para memória futura a CC , nos termos dos artigos 2º, al. a), 33º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro (com a redação da Lei n.º 57/2021, de 16/08), 17º, 21º, al. d), 22º, 24º da lei n.º 130/2015 de 04 de setembro, 152º do Código Penal, Ponto IV 2 da Diretiva n.º 5/2019 da PGR, a fim de as mesmas poderem ser tomadas em conta aquando do julgamento, bem como a aferir da necessidade de aplicação de medida de coacção para além do TIR e bem assim para evitar a vitimização secundária decorrente de futuras inquirições da menor/ ofendida (importando que a audição da menor seja feita uma única vez e o mais breve possível, assim se acautelando a frescura da sua memória e se acautelando sucessivos e eventuais confrontos com o sistema judicial).

    Mais se promove que as declarações sejam prestadas sem a presença do arguido, de modo a assegurar que as mesmas seja o mais livre e imparcial possível, e com a assistência de técnico especializado.

    Nestes termos, e em conformidade com o que antecede, remeta os autos ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal.» IV. Por seu turno, no despacho ora recorrido, decidiu-se do seguinte modo: «A nosso ver, não indiciam os autos que a menor CC seja ela própria vítima de quaisquer actos que possam integrar o tipo de ilícito de violência doméstica. A mera percepção/conhecimento/presença da menor em ou de actos praticados por referência aos seus pais, seja pai ou mãe, pelo outro progenitor, não permite tal considerar.

    Assim sendo, não vislumbramos que se mostrem verificados os requisitos legais para a audição da mesma como vítima especialmente vulnerável.

    Assim sendo, terá o M.P. que esclarecer se pretende a sua audição a outro título e caso a resposta seja positiva, se será necessário ou não a presença de intérprete da língua ..., mormente se a menor domina suficientemente o português por forma a prestar declarações em tal língua.

    Notifique e DN, devolvendo-se os autos aos serviços do M.P..» V. Em face do despacho judicial, que solicitou que o Ministério Público viesse prestar esclarecimentos, em 11.07.2022, vieram a ser prestados os esclarecimentos de 11s. 99 e seguintes (com a referência ...92), ali se referindo: (…) VI. Na sequência destes esclarecimentos, o Mmo JIC proferiu despacho, em 13.07.2022 (com a referência ...76) nos seguintes termos: (…) VII. CC é testemunha, poi presenciou factos agressivos, a. tendo (a própria) informado a PSP que «estas situações ocorrem nos fins-de-semana, em que o padrasto está em casa e ingere bebidas alcoólicas, sendo que a sua mãe não exerce profissão por o seu padrasto não deixar» (cfr. auto de notícia que deu origem aos autos), b. E tendo BB denunciado recentemente novos factos (referindo que no dia 08.07.2022 pelas 21 horas, o seu marido, arguido agrediu-a no braço esquerdo, na cabeça e desferiu-lhe um murro na face esquerda, ficando com hematomas, e que no dia 09-07-2022 saiu de casa, com a filha pelas, 13 horas, para ir à piscina e, quando chegou a casa, pelas 15.40 h, o seu marido não a deixou entrar e que a sua filha assistiu a toda a situação – cfr auto de notícia do inquérito 68/22.... (recentemente apenso a estes autos).

  2. CC é vítima direta do crime de violência doméstica. pois presenciou agressões entre a sua mãe e o companheiro da...

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