Acórdão nº 173/15.8T9RDD.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelEDGAR VALENTE
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

No Juízo Central Cível e Criminal de Évora (J1) do Tribunal Judicial da Comarca de Évora onde corre termos o processo comum colectivo n.º 173/15.8T9RDD foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo (transcrição): “Considerando o supra exposto, decide o Tribunal julgar parcialmente provados os factos vertidos na acusação e em consequência: A) Absolver os arguidos AF e JS da prática de 11 crimes de maus tratos, p. e p. pelo art.º 152º-A, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pessoa de JP, MF, MM, MC, ML, JE, EM, MM, JC, JP e JP; B) Absolver a arguida TE da prática de 11 crimes de maus tratos, p. e p. pelo art.º 152º-A, n.º 1, al. a) e 11.º n.º 2 do Código Penal, na pessoa de JP, MF, MM, MC, ML, JE, EM, MM, JC, JP e JP; C) Condenar a arguida AF da prática do crime de maus tratos, p. e p. pelo art.º 152º-A, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pessoa de FG na pena de 2 (dois) anos de prisão; D) Condenar o arguido JS da prática do crime de maus tratos, p. e p. pelo art.º 152º-A, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pessoa de FG na pena de 2 (dois) anos de prisão; E) Condenar a arguida TE da prática do crime de maus tratos, p. e p. pelo art.º 152º-A, n.º 1, al. a) e 11.º n.º2 do Código Penal, na pessoa de FG na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €150,00 (cento e cinquenta euros), o que perfaz o valor global de € 30.000,00 (trinta mil euros); F) Suspender a execução das penas de prisão referidas em C) e D) pelo período de 2 (dois) anos subordinada a regime de prova que permita criar condições de sucesso para a reintegração dos arguidos, nomeadamente dirigido aos cuidados e relacionamento com pessoas séniores e ao cumprimento pelos arguidos AF e JS dos seguintes deveres/regras de conduta: e.1)Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social; e.2) Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; e.3) Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso; e.4) Obter autorização prévia do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro

G) Manter os arguidos AF, JS e TE sujeitos a termo de identidade e residência até à extinção da pena (art. 191.º, 192.º n.º 1 e 6, 193.º, 194.º n.º1, 196.º, 204.º e 214.º n.º1 al. e) CPP); H) Condenar os arguidos AF e JS e TE nas custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) Uc’s para cada um - cf. art. 513.º n.ºs 1 a 3 e 514.º n.ºs 1 e 2 CPP.” Inconformados, os arguidos interpuseram recursos de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição): I – AF e JS: “1. O Tribunal a quo condenou os arguidos/recorrentes pela prática de um crime de maus tratos, p. e p. pelo art.º 152.º-A, n.º 1, al. a) do Cód. Penal, na pessoa de FG, na pena de 2 (dois) anos de prisão, absolvendo-os de 11 (onze) crimes de maus tratos de que os mesmos vinham acusados; 2. Para fundamentar a sua decisão, o Tribunal a quo considerou o depoimento da testemunha MG, filho do utente FG, conjugado com o documento de fls.6, bem como parte do depoimento da testemunha SC; 3. O Tribunal a quo não considerou os depoimentos das testemunhas JC, AF e AF, profissionais na área em questão e, além do mais, também testemunhas da Acusação; 4. A testemunha JC, que é médico, elucidou o Tribunal a quo que uma escara pode surgir de um momento para o outro, de uma hora para a outra e, por vezes, até se assemelham bastante com um ponto negro e passado umas horas a pessoa começa a escarear – minuto 17:17 da sessão 20210624095927; 4. A prova resultante dos depoimentos destas testemunhas impõe decisão diversa da recorrida; 5. Da análise crítica da prova, tendo em conta os depoimentos destas testemunhas, assim como o princípio legal e constitucional do “in dubio pro reo”, não pode resultar provado que os Arguidos, aqui Recorrentes, tenham praticado o alegado crime de maus tratos; 6. A “fundamentação” do douto Tribunal a quo é inaceitável, dadas as carências probatórias verificadas em sede de audiência de discussão e julgamento

  1. Na verdade, conforme se demonstrou, a decisão é inaceitável quanto aos aspectos impugnados, por se entender que existem provas claras que foram produzidas e examinadas em audiência e que impunham uma decisão diferente quanto aos arguidos AF e JS, para além de que inexistem provas que possam condenar os arguidos pela prática de um crime de maus tratos sobre a pessoa de FG, não existindo qualquer fundamento para a decisão da condenação; 8. Além do mais, sem prejuízo do exposto no supra ponto 4., para que a úlcera de FG pudesse ser considerada como uma lesão provocada pêlos recorrentes, necessário seria haver prova indiscutível de que a mesma teria surgido por qualquer ação ou omissão por parte dos recorrentes, o que in casu não resultou provado; 9. Nem sequer se provou, em sede de audiência de discussão e julgamento, que os recorrentes teriam conhecimento da existência da úlcera na pessoa de FG; 10. Ficou provado que os recorrentes eram os gerentes do Lar arguido nos autos, no entanto, não ficou sequer provado que teriam conhecimento de que o utente FG teria uma lesão, consubstanciando-se esta numa úlcera que, segundo a testemunha JC, ainda nem sequer era grave; 11. Não se provou que as funcionárias e auxiliares do Lar arguido nos autos tivessem dado conhecimento da úlcera aos recorrentes; 12. Para que a úlcera pudesse ser considerada como uma lesão provocada pêlos recorrentes, necessário seria haver prova indiscutível de que a mesma teria surgido por qualquer ação ou omissão por parte dos recorrentes, o que in casu não resultou provado; 13. Resultou claramente provado que uma úlcera pode surgir de um momento para o outro, que existem pessoas com mais propensão a tal que outras e que, mesmo utilizando materiais anti-escaras, mesmo assim podem surgir de um momento para o outro; 14. Resultou provado que é frequente surgirem escaras em pessoas idosas e acamadas seja em lares, hospitais ou em cuidados paliativos o que, por si só, não demonstra a integração do tipo legal de crime previsto no art.º 152-A do Cód. Penal; 15. Contrariamente, ao que é referido no douto Acórdão recorrido, não se mostra preenchido o elemento objetivo da incriminação e, muito menos, o preenchimento do seu elemento subjetivo; 16. Ao serem dados como provados os pontos 26, 46, 47, 48 e 49, cuja convicção do Tribunal recorrido se efetuou através da testemunha MG, filho do utente FG, conjugado com o documento de fls.6, bem como através do depoimento da testemunha SC, o douto Tribunal decidiu erradamente; 17. Nomeadamente porque o próprio Tribunal recorrido considera que o testemunho de SC se mostra ferido de credibilidade porquanto a mesma teria demonstrado uma animosidade cortante para com os arguidos; 18. E o douto Tribunal a quo também fundamentou a sua motivação através de uma foto, junta sob o documento de fls. 6, que, em bom rigor, não se sabe quando foi tirada pela testemunha MG, que apenas referiu ter sido quando o pai ainda se encontrava como utente do Lar arguido nos autos, no entanto, a verdade é que surge nessa mesma foto uma data posterior à saída desse utente que foi em 02/09/2015; 19. Não foi feita qualquer prova em audiência de discussão e julgamento relativamente a atos ou comportamentos levados a cabo pelos arguidos, que viessem ou pudessem provocar as referidas úlceras na pessoa de FG, pois, como aliás já se referiu, essas mesmas úlceras poderão surgir de um momento para o outro sem sequer se dar por isso, bem como se demonstrou em sede de julgamento que os arguidos desde sempre se preocuparam com os utentes do lar, tendo boas condições de higiene e preocupação com a sua saúde física e mental, sendo que sempre tiveram corpo médico ativo, substituindo os médicos e enfermeiros que entretanto rescindiam os seus serviços; 20. Atenta a prova testemunhal e documental e a interpretação efetuada pelo Tribunal, impunha-se serem valorados e tidos em conta os depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento das duas enfermeiras do Lar, ou seja, de AF prestadas através da sessão 20210623150339 e de AF através da sessão 20210623154110 e o depoimento do médico do lar prestado na sessão 20210624095927; 21. Dado o supra exposto, o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, ao não valorar os depoimentos das testemunhas JC, AF e AF, praticou um erro notório na apreciação da prova, tendo sido violados o artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, o artigo 127º, do mesmo diploma, dado que não foram apreciadas as provas de acordo com as regras da experiência, e os artigos Art.º 152.º-A, art.º 14.º e 15.º, todos do Código Penal; 21. Assim como foi violado o princípio geral do processo penal “in dúbio pro reo”

  2. Dando cumprimento ado disposto no art.º 412.º, n.º 3 e 4 do Cód. Proc. Penal, os pontos que se consideram incorretamente julgados – Pontos 26, 45, 46, 47, 48 e 49 (facto da existência da úlcera provocadas pelas condutas dos requerentes – ponto 26 e 46) e ao dolo eventual (pontos 45, 47, 48 e 49) que deverão ser substituídos por outros que comprovem a não existência da úlcera em consequência de condutas praticadas pelos recorrentes, bem como por outros que comprovem a não existência de elementos subjetivos do tipo de crime de maus tratos, uma vez que não se pode admitir o dolo eventual, mas quanto muito negligência

  3. Provas que impõem decisão diversa da recorrida: Depoimento de todas as testemunhas indicadas pela acusação, nomeadamente, o depoimento da testemunha AF; depoimento da testemunha AF e depoimento da testemunha JC, e o depoimento de todas as testemunhas indicadas pelos recorrentes

    Nestes termos e, sempre sem olvidar o Douto Suprimento de V.ª(s) Ex.ª(s), Venerandos...

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