Acórdão nº 23/15.5T9MRA-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório 1. MA foi condenado nos presentes autos, juntamente com outros, em 3/5/2019 como coautor de quatro crimes de ofensa à integridade física qualificada, previsto nos artigos 143.º, § 1.º e 145.º, § 1.º, al. a), e § 2.º, por referência ao artigo 132.º, § 2.º, al. h), todos do Código Penal, praticados no dia 9/11/2014, na pena única de 3 anos e 7 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova e subordinada ao dever de, até termo da pena pagar determinadas quantias aos ofendidos

Essa decisão veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora no dia 28/4/2020, transitando em julgado no dia 8 de julho de 2020. No mês de abril de 2021 o condenado MA requereu ao Juízo Local de Moura a não transcrição daquela pena no seu registo criminal, indicando ter sido aceite para trabalhar numa empresa, a qual, contudo, só o aceitará mediante entrega do seu certificado de registo criminal sem condenações. Tal requerimento veio a ser indeferido por se ter considerado não se encontrarem preenchidos os requisitos previstos no artigo 13.º, § 1.º da Lei n.º 37/2015. 2. Não se conformando com essa decisão dela veio recorrer o condenado, formulando as seguintes conclusões: «(…) 4. A decisão do tribunal a quo representa um desvio jurisprudencial sobre o regime da transcrição da sentença no registo criminal, previsto na Lei n.º 37/2015 de 5 de maio

(…) 6. A sentença transitou em julgado no dia 8 de julho de 2020, não tendo o recorrente, até há presente data, sido condenando pela prática de outro crime nem, tão pouco, adotado qualquer conduta suscetível de aplicação de uma sanção criminal

  1. O recorrente ingressou num processo de recrutamento para assistente de atendimento no escritório de Lisboa de uma instituição de utilidade pública, tendo sido selecionado para o cargo a que se candidatou no dia 12 de abril de 2021

  2. Para a finalização do processo e redação do contrato de trabalho, foi solicitado ao Recorrente o envio, entre outra documentação, do seu registo criminal

  3. Ciente de que a condenação a que havia sido sujeito pelo tribunal a quo poderia pôr em causa esta proposta de emprego, o ora recorrente requereu (…) a não transcrição da sentença no seu registo criminal

  4. As condições de aplicação do disposto no artigo 13.º, n.º 1 da Lei n.º 37/2015 de 5 de maio, sob as quais acordaram os Juízes Desembargadores desta Relação de Évora no Acórdão de 5 de dezembro de 2017 pressupõem: “… coexistência de dois requisitos formais e um requisito material. Os dois primeiros, relacionam-se com a natureza da condenação e com os antecedentes criminais do arguido: a pena aplicada tem de ser não privativa da liberdade ou, sendo de prisão, terá de se fixar até 1 ano; por outro lado, o arguido não pode ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza

    O requisito material, traduz-se em não decorrer das circunstâncias do crime o perigo de prática de novos crimes.” – Processo n.º 1580/14.9PBSTB-A.E1, relator Renato Cardoso, disponível em www.dgsi.pt 11. Os dois primeiros requisitos encontram-se preenchidos conforme resulta das páginas 2 e 3 do despacho recorrido

  5. No que tange ao terceiro requisito, o tribunal a quo considerou a sua não verificação em função da ausência de arrependimento por parte do ora recorrente e à gravidade da conduta praticada à data dos factos, reputando-a como gravíssima e suficientemente indiciadora de perigo de prática de novos crimes, desconsiderando as declarações do ora recorrente prestadas em audiência de julgamento, que justificou a falta de arrependimento com o facto de o mesmo não ter dado corpo às condutas que lhe são imputadas e pelas quais foi condenado nos presentes autos! 13. A ratio do artigo 13.º, n.º 1 da Lei n.º 37/2015 de 5 de maio, conforme espelhada nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 9 de outubro de 2017 e deste Venerando Tribunal de 5 de dezembro de 2017, é a de “evitar a estigmatização de quem sofreu uma condenação por crime sem gravidade significativa e as repercussões negativas que a divulgação da condenação pode acarretar para a reintegração social do delinquente, nomeadamente no acesso ao emprego.” 14. O sistema de registo é, portanto, responsável pela restrição da estigmatização social do condenado face à publicidade do conteúdo do certificado de registo criminal, devendo, por isso, limitar-se a sua alteração ao que é verdadeiramente essencial à inserção do individuo na sociedade

  6. Conforme reitera a Dr.ª Catarina Veiga: “o conhecimento do passado criminal dos delinquentes funciona, grande parte das vezes, não como base para a determinação de providências dirigidas à sua reintegração social, mas como fundamento para a simples agravação do rigor punitivo, de harmonia com uma prevenção geral negativa ou de intimidação”. – in “Considerações Sobre a Relevância dos Antecedentes Criminais do Arguido no Processo Penal”, 2000, pág. 64 a 68

  7. Esta ideologia deverá ser expurgada do processo de verificação dos pressupostos de que depende a não transcrição da sentença para o certificado de registo criminal, sob pena de se estar a ostracizar o individuo ao invés de reintegrá-lo na sociedade

  8. O que, de per si, consubstanciaria um atropelo à dogmática jurídica do fim das penas e, no extremo, do próprio direito penal

  9. Mal andou o Tribunal a quo ao ter indeferido o requerimento do ora recorrente com fundamento numa interpretação estática do preceito legal, desligada de todo o circunstancialismo que envolveu a condenação do recorrente e das repercussões que uma condenação ad eternum – como será o averbamento da referida sentença no seu certificado do registo criminal – poderá ter na vida pessoal, profissional e social do recorrente

  10. Ao ter decidido como decidiu o Tribunal a quo privilegiou o rigor punitivo da condenação, perpetuando-a no tempo, ao invés de providenciar, e concorrer, para a reintegração do individuo na sociedade

  11. Numa decisão que contraria, de forma manifesta, a ratio do n.º 1, do artigo 13.º da Lei n.º 37/2015 de 5 de maio

  12. Acresce que o legislador, na parte final do preceito supra mencionado, recorreu à formulação negativa do juízo de prognose póstuma no sentido de apenas exigir “que não seja efetuado um juízo de prognose desfavorável de aferição das hipóteses de não verificação do perigo”

  13. O recorrente tem 27 anos de idade, é licenciado em … pela Faculdade de … da Universidade … e, para além do crime de que foi condenado no processo sub judice, não tem no seu registo criminal qualquer outro averbamento

  14. Desde a prática do facto, em 2014, até à presente data, o ora recorrente não sofreu qualquer outra condenação e procedeu ao ressarcimento dos danos sofridos pela assistente NM

  15. A procura ativa por um emprego e a inexistência de quaisquer condenações desde a prática do facto demonstra notoriamente e à...

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