Acórdão nº 973/20.7JALRA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelNUNO GARCIA
Data da Resolução10 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA RELATÓRIO No acórdão proferido em 2/12/2021, no âmbito do processo 973/20.7JALRA e no qual é arguido AA, consta o seguinte dispositivo: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide: A. DA INSTÂNCIA CRIMINAL 1. Absolver o arguido AA da prática, objetiva, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p., conjugadamente, pelos arts. 131.º e 132.º/1 e 2, al. j), do Código Penal; 2. Julgar provada a prática, objetiva, pelo arguido, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio, p. e p. pelo art.131.º do Código Penal; 3. Declarar o arguido inimputável – art. 20,º/1 do Código Penal; 4. Julgar verificada a perigosidade do arguido, por ser fundado o receio de que venha a praticar outros factos típicos ilícitos – art. 91.º/1 do Código Penal; 5. Determinar a aplicação ao arguido a medida de segurança de internamento em estabelecimento psiquiátrico adequado à sua patologia, pelo período mínimo de 3 (três) anos, salvo se, entretanto, a sua libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social, não podendo exceder 16 (dezasseis) anos – arts. 91.º e 92.º, do Código Penal; 6. Declarar perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos nos autos – art. 109.º/1 do Código Penal; 7. Manter a sujeição do arguido à medida de coação de internamento preventivo; 8. Sem custas – 513.º e 514.º, a contrario, do CPP

* B. DA INSTÂNCIA CÍVEL 1. Remeter BB e AA, na qualidade de demandante e demandado, respetivamente, para os tribunais civis com vista à apreciação do pedido de indemnização cível deduzido – art. 82.º/3, ex vi art. 377.º/1, ambos do CPP; 2. Sem custas – art. 527.º a contrario do CPC, ex vi art. 523.º do CPP.” # Inconformada com tal decisão, dela recorreu a assistente BB, tendo terminado a motivação e recurso com as seguintes conclusões: “1º. A aqui Assistente reúne os pressupostos processuais que permitem apresentação do presente recurso, nomeadamente interesse em agir; 2º. Relembrando o disposto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2018, disponível em www.dgsi.pt: A correcta qualificação jurídica dos factos e a discussão que se faça a propósito é uma concreta e pertinente questão que interfere com a justiça da decisão ainda que paralela e concomitantemente acabe por interferir com a determinação da medida da pena. Não se afirmará decerto que é indiferente para o assistente – como para o interesse comunitário – que a dimensão do tipo de culpa ou do tipo de ilicitude, aferida essa dimensão pela qualificação, seja uma ou seja outra

3º. Entende a Recorrente que, face à prova produzida, mormente atendendo-se às regras da experiência comum e às declarações do Arguido e Demandante, teriam que ser dados provados as alíneas c) e h) dos factos dados como não provados; 4º. Cabendo, como tal, reapreciar a prova gravada; 5º. Nos termos do artigo 412.º, n.º 3, alínea b) e 4 do C.P.P, vale a pena relembrar (pelo menos parte) as declarações do Arguido, na sessão de julgamento de 25-11-2021, gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15h29m32s e o seu termo pelas 16h17m31s., situando-se o trecho relevante entre m. 00.16.25m e m. 00.20.04; 6º. Ou o trecho gravado na sessão de julgamento de 25-11-2021, gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15h29m32s e o seu termo pelas 16h17m31s., situando-se o presente trecho entre m. 00.24.35m e m. 00.26.09; 7º. Ou o trecho gravado na sessão de julgamento de 25-11-2021, gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15h29m32s e o seu termo pelas 16h17m31s., situando-se o presente trecho entre m. 00.46.02m e m. 00.26.09; 8º. Oferecem-se três apreciações/conclusões sobre os citados trechos, os quais são repetidos em todo o depoimento do Arguido; 9º. A primeira é a falta de coerência. A tese do Arguido é que o próprio queria simular um rapto e que tal correu mal. Dita a experiência comum que tal não tem qualquer cabimento. Desde logo, o Arguido começa por referir que o Sr. CC, que o Arguido matou, não queria lá a criança. Mas, depois, também diz que queria simular o rapto para não causar problemas jurídicos às pessoas que acolheram o menor; 10º. Salvo devido respeito, a lógica é omissa. Então um pai que sabe que uma criança não é desejada e vai ajudar, ainda, quem dela trata? Evidentemente, não; 11º. Em segundo lugar, é claro que nada se passou como o Arguido vem dizendo. Mais uma vez, com recurso à experiência comum, não passa no teste da credibilidade alegar um passado nos escuteiros para tolerar o arsenal de lâminas que o Arguido trazia. Pelo contrário, as armas que o Arguido trazia só reforçam o seu dolo; 12º. Por fim e em terceiro lugar, fica absolutamente comprovado que o Arguido gizou um plano para a morte de CC; 13º. A afirmação de que o arguido é inimputável constitui uma conclusão a extrair de factos concretos que consubstanciem, por um lado, o substrato biopsicológico de que aquele padece de anomalia psíquica e, por outro, que revelem a existência da relação causal entre a apurada anomalia psíquica e o acto do agente, em termos de ter praticado o facto por ser incapaz de avaliar a sua ilicitude ou de se determinar de acordo com essa avaliação, resultando tal incapacidade cognitiva e/ou volitiva da anomalia psíquica que o afectava no momento da prática do facto; 14º. Salvo devido respeito, que é muito, não existe essa relação causal entre a anomalia psíquica e o acto do agente; 15º. Ou seja, sendo claro: não está demonstrado nem documentalmente nem testemunhalmente que o Arguido estava, naquele momento e naquela altura, incapaz de perceber a relevância do seu acto; 16º. Pelo que o juízo de inimputabilidade não pode proceder; 17º. O Arguido apresenta um discurso coerente e organizado; 18º. O Arguido relatou, com calma e serenidade, uma tese justificativa para os actos que praticou; 19º. O Arguido renega a sua eventual doença e com dados, apelando às memórias da sua vida além Portugal; 20º. O Arguido tem consciência da sua situação patrimonial; 21º. O Arguido encontra-se orientado a nível espácio-temporal

  1. Pelo que sim, determinou-se e assumiu uma conduta; 23º. E tal conduta consubstancia-se na prática de homicídio qualificado; 24º. Crime pelo qual deve ser o Arguido condenado; 25º. Na sequência dessa mesma conclusão, deve a pena aplicada ser de prisão, perto dos limites máximos; 26º. E este pedido não será, de todo, despiciendo; 27º. Subordinar a liberdade do Arguido a tão curto espaço de tempo, como consta do Acórdão sob censura, revela-se perigoso; 28º. Foi o próprio Arguido, em tribunal, a mencionar que o irmão e a mãe, aqui Assistente, tinham “combinações” para lhe tirar a casa; 29º. Ora, o Arguido, vendo o filho entregue à Assistente e seu marido, tratou de tirar a vida a este último; 30º. Pelo que não se pode imaginar o que fará assim que terminar o seu curto internamento quanto àqueles que, na sua óptica, o estarão a tentar depauperar; 31º. O Arguido tem de ser tratado, claro está, mas o regime a encontrar tem de garantir a segurança daqueles que sobreviveram ao ataque; 32º. Sob pena de, em curto espaço de tempo, existir uma repetição da tragédia que agora se lamenta; 33º. É de prevenção geral que falamos, é a protecção da vida dos demais que se reivindica; 34º. Entendeu o Douto Acórdão sob censura ser indicado remeter as partes civis, em tal matéria, para os tribunais civis; 35º. Tal decisão apenas vem retardar a concretização da justiça a que a Recorrente tem direito; 36º. Pelo que deve o Acórdão ser substituído por outro que:

  1. Altere a matéria de facto supra referida; b) Condene o Arguido por homicídio qualificado numa pena perto dos limites máximos; c) Declare procedente por provado o pedido de indemnização civil; 37º. A decisão sob censura violou, entre outros, os seguintes preceitos legais: Artigos 131.º e 132.º/1 e 2, al. j), do Código Penal; 20.º, n.º 1 do Código Penal, 82.º, n.º 3 do Código de Processo Penal Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser considerado procedente o presente recurso, assim fazendo a costumada JUSTIÇA” # O Ministério Público respondeu ao recurso, tendo terminado a resposta com as seguintes conclusões: “1. Pretendendo, como pretende a recorrente, impugnar a matéria de facto, na sua motivação, BB não observou escrupulosamente o disposto no artigo 412.º, n.º 3 do CPPenal quanto à necessidade de especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) as provas que devem ser renovadas

    1. Se pode aceitar-se que na motivação em apreço se cumpre a exigência da alínea a), é evidente que o mesmo já não sucede no respeitante às prescrições estabelecidas nas alíneas b) e c), uma vez que nessa motivação somente se transcrevem de modo avulso excertos das declarações do arguido prestadas em julgamento, sem, no entanto, se esclarecer satisfatoriamente em que medida impõem decisão diversa da recorrida, e se faz uma menção genérica à “prova gravada” como aquela que, no entender da recorrente, deve ser renovada

    2. Essa transcrição constitui operação inútil, porque desacompanhada, para todos e cada um desses excertos, da dissecação crítica do respectivo conteúdo, com vista a clarificar por que motivo a apreciação dos mesmos pelo tribunal a quo não é uma entre as várias possíveis, de acordo com os princípios que norteiam o exame da prova, única hipótese em que teria de ser rejeitada

    3. No que concerne a crítica da assistente ao impugnado acórdão quanto à decisão de dar como...

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