Acórdão nº 674/18.6JALRA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO AMARO
Data da Resolução10 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO

Nos autos de processo comum (tribunal coletivo) nº 674/18.6JALRA, do Juízo Central Criminal de Santarém (Juiz 3), em que é arguido AA e em que é assistente BB, foi proferido pertinente acórdão, no qual o tribunal decidiu nos seguintes termos (em transcrição): “4. Pelo exposto, acordam os juízes que constituem o Tribunal Coletivo em julgar procedente, por provada, a acusação e, assim: 4.1. Da acusação: 4.1.1. CONDENAM o arguido AA como autor material de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea e), 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal, agravado pelo artigo 86.º, n.º 3, da Lei nº 5/2006, de 23.02, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; 4.1.2. Condenam ainda o arguido no pagamento das custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 3 Unidades de Conta (artigos 374.º n.º 4, 513.º n.º 1, 514.º, do CPP, 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais)

4.1.3. Declaram perdida a favor do Estado a bucha apreendida; 4.1.4. Determinam que, após trânsito em julgado deste acórdão, se notifique o arguido e o assistente para procederem ao levantamento das suas peças de vestuário ou calçado que se encontram apreendidas (do assistente: uma t-shirt e chinelos; do arguido: uma camisa de manga curta e umas calças de ganga), no prazo máximo de 60 dias, findo o qual, se não o fizerem, se consideram perdidas a favor do Estado

4.1.5. Determinam que, até ao trânsito em julgado do acórdão, o arguido seja proibido de contactar com o ofendido, por qualquer meio, e, bem assim, de utilizar armas

Determina-se, após trânsito em julgado deste acórdão, a extinção destas medidas de coação agora aplicadas ao arguido

Consigna-se que o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena – art. 214º, nº 1, al. e), do CPP

4.1.6. Após trânsito em julgado do presente acórdão, remeta Boletins ao Registo Criminal

4.2. Dos pedidos de indemnização civil: 4.2.1. Julgar integralmente procedente, por integralmente provado, o pedido de indemnização formulado pelo Centro Hospitalar …, contra AA e, consequentemente: 4.2.1.1. Condenam o arguido AA a pagar ao Centro Hospitalar …, a quantia de € 113,41, acrescido de juros vincendos, desde a notificação e até integral pagamento; 4.2.1.2. Condenam o demandado nas custas processuais

4.2.2. Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido de indemnização civil deduzido por BB contra AA e, consequentemente: 4.2.1.1. condenam o demandado a pagar ao demandante: - A quantia de € 50,00, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal que é atualmente de 4%, vencidos desde a notificação para contestar e vincendos até integral pagamento; e - A quantia de € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal que é atualmente de 4%, vencidos desde a presente data e vincendos até integral pagamento; 4.2.1.2. Absolvem o demandado do que, no mais, foi contra si peticionado

4.2.1.3. Condenam o demandado e o demandante nas custas processuais, na proporção do respetivo decaimento”

* Inconformado, o arguido interpôs recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: “Da nulidade: 1ª - Deu o Tribunal por provado, no ponto 5 da matéria de facto provada: “assim que BB saiu do interior da habitação, ainda junto à porta, o arguido, que se encontrava a distância não exatamente apurada, mas certamente situada entre 5, 6 metros e 20 metros de distância, voltou-se rapidamente e, de imediato, premiu o gatilho da espingarda e efetuou um disparo na direção do corpo do BB”

  1. - Na motivação de facto deste segmento da matéria de facto provada o Tribunal limitou-se a aludir às versões do arguido e do ofendido e ao depoimento da testemunha N, inspetor da polícia judiciária, até porque sobre tal matéria mais nada foi referido no julgamento, nem nada mais consta dos autos

  2. - Ou seja, face à própria motivação de facto contante dos autos - o arguido “quando se apercebeu que o Assistente estava a sair de casa, disparou para a frente e para o chão, a cerca de 40 metros de distância”; - o ofendido “concretizou que o disparo se deu a 5, 6 metros de distância”; - e a testemunha “os seus colegas falaram que o disparo tinha sido a 20 metros, considerando o depoente que, a 40 metros, a dispersão dos chumbos seria maior e perdiam força”, não se entende qual o caminho percorrido pelo Tribunal para ter concluído, como concluiu, acerca da distância do disparo

  3. - Não existe fundamentação para a decisão da matéria de facto relativa à distância do disparo

  4. - Salvo o devido respeito, o Acórdão, quanto ao julgamento do ponto 5 da matéria de facto provada, padece de nulidade, conforme dispõe a al. a) do nº 1 do artigo 379º do C. P. Penal

    Da impugnação da matéria de facto dada por provada: 6ª - No próprio acórdão faz-se constar os meios probatórios em que o Tribunal estribou o seu julgamento quanto a tal segmento da matéria de facto, a saber, nas declarações do arguido e do ofendido e no depoimento da testemunha N, inspetor da polícia judiciária

  5. - Ora do testemunho do Sr. Inspetor N não se pode apurar - por maior credibilidade que se pretenda dar-lhe - a distância do disparo porque ele, quanto a isso, apenas ouviu dizer aos colegas

  6. - Já as versões do ofendido e do arguido, por tão dispares, não contribuem para a descoberta da verdade quanto a esse ponto

  7. - Ou seja, o Tribunal apreciou erradamente a prova feita no julgamento, ao considerar provado o referido ponto 5 da matéria de facto provada

  8. - Mas o Recorrente indica para preencher o requisito da al. a) do nº 2 do artigo 640º do C. P. C. as passagens da gravação das declarações do arguido e do ofendido e do depoimento da testemunha N: Arguido: Ficheiro 202110026101311 5,40 a 5,49 Ofendido Ficheiro 20211026103642 14,55 a 15,38 Testemunha N Ficheiro 20211026110152 4,00 a 4,55 11ª - Face à prova produzida, o ponto 5 da matéria de facto provada devia ter sido assim julgado: “assim que BB saiu do interior da habitação, ainda junto à porta, o arguido, que se encontrava a distância não apurada voltou-se rapidamente e, de imediato, premiu o gatilho da espingarda e efetuou um disparo na direção do corpo do BB”

    Da subsunção da conduta do arguido ao crime de homicídio qualificado previsto no artigo 132º, nºs 1 e 2, al. e), do CP: 12ª - O arguido fez o disparo a uma distância tal que, tendo os chumbos atingido praticamente todo o corpo do ofendido, apenas lhe causaram lesões que lhe causaram um período de 27 dias de doença sem afetação do trabalho geral e do trabalho profissional

  9. - Arguido e ofendido deram conta que ambos tinham estado a ingerir álcool conjuntamente

  10. - Tais circunstâncias, só por si, devem fazer afastar a qualificação do crime de homicídio

  11. - Há todo um quadro que esbate, desde logo, a intencionalidade e a própria culpa

  12. - Assim, deve o arguido ser condenado pela prática de homicídio simples

    Da graduação da pena: 17ª - Ponderando as circunstâncias, designadamente a ausência de gravidade das lesões, a distância do disparo - que foi tal que, embora acertando no alvo, praticamente não o molestou -, e o facto de momentos antes ofendido e arguido terem estado a beber conjuntamente, sugerem, face à moldura penal em abstrato, a aplicação de pena de prisão inferior a 5 anos

  13. - E a ameaça do cumprimento de tal pena de prisão é sanção bastante, devendo ser declarada suspensa a pena de prisão aplicada

    Da indemnização: 19ª - O disparo apenas provocou no ofendido as lesões que causaram um período de 27 dias de doença, sem afetação do trabalho geral e do trabalho profissional, 20ª - E a situação de vida do arguido, decorrente dos pontos 26 e 27 da matéria de facto provada, 21ª - Sugerem que a indemnização para ressarcimento dos danos morais peca por excessiva, impondo-se a sua redução, para que seja razoável e proporcional

  14. - A indemnização por danos não patrimoniais não deve ultrapassar o montante de € 10.000,00

    Pelo exposto, deve esse Venerando Tribunal declarar a nulidade do Acórdão recorrido

    A não ser assim entendido: - Deve ser alterada a matéria de facto dada por provada, no que tange ao ponto 5

    - Deve ser o homicídio considerado simples

    - Deve a pena de prisão aplicada ser inferior a 5 anos e decretada a suspensão da sua execução

    E no que tange à indemnização cível: - Deve a indemnização pelos danos não patrimoniais ser fixada na quantia de € 10.000,00”

    * O Exmº Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de primeira instância apresentou resposta ao recurso, entendendo que o mesmo não merece provimento, e concluindo tal resposta nos seguintes termos (em transcrição): ”1ª - O arguido recorreu, pois, no seu entender considera que a decisão recorrida é nula em virtude de não existir fundamentação para a decisão da matéria de facto no que respeita à distância do disparo

  15. - Considera que o Tribunal a quo, ao dar como provados os factos do ponto 5 da matéria de facto provada, apreciou erradamente a prova feita no julgamento

  16. - Sustenta que a sua conduta e circunstâncias do crime deveriam afastar a qualificação do crime de homicídio, na forma tentada, bem como, podiam determinar que a pena de prisão que foi aplicada fosse inferior a 5 anos, e suspensa na sua execução, pois a simples ameaça do cumprimento é sanção bastante

  17. - Nos termos do disposto no art.º 379º, n.º 1, alínea a), do CPP, a sentença é nula quando não contiver as menções referidas no n.º 2, do art.º 374º, do mesmo diploma legal. Ou seja, quando não contém ou é deficiente a sua fundamentação, pois não indica os motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, e não faz um exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal

  18. - O exame da prova deverá passar pela análise de todas as provas, incluindo a prova irrelevante, pois só assim a sentença revela que foram apreciadas todas as provas...

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