Acórdão nº 660/20.6GASSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Dezembro de 2022
Magistrado Responsável | MARIA CLARA FIGUEIREDO |
Data da Resolução | 15 de Dezembro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório
Nos presentes autos de instrução que correm termos no Juízo de Instrução Criminal de …-J…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º660/20.6GASSB, foi proferido despacho de não pronúncia do arguido AA, identificado nos autos, pela prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p e p pelos artigos 131º, 132º, nºs 1 e 2, alíneas e) e h), 22º e 23º do CP
Inconformado com tal decisão, veio o assistente, BB, interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “
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O Tribunal Recorrido decidiu não pronunciar o Arguido AA pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º, 132.º, n.os 1 e 2, al. c) e h), 22.º e 23.º, todos do Código Penal
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Entendeu o Tribunal a quo que a prova produzida não indicia de forma suficiente a prática deste concreto crime, ainda que, a mesma prova, seja suficiente para indiciar a prática, pelo mesmo arguido, de um crime de ofensa à integridade física, ameaça e injúria
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Entendendo o Tribunal Recorrido que se mantém como mais provável a versão do acidente com a viatura automóvel do que a utilização deste como arma contra o corpo e vida do Assistente
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Com o devido respeito, tal resulta de uma leitura enviesada da prova produzida, alicerçada numa atuação descuidada por parte dos militares da GNR que acorreram ao local que, ao invés de tentarem recolher a prova da prática de um crime (ou mais, como assumidamente, tiveram conhecimento) optaram por tratar do sucedido como acidente
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Que nunca foi. O Arguido agiu com intenção de matar
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É isso que resulta dos elementos probatórios juntos aos autos, a saber, o auto de notícia (fls. 4 a 7), participação de acidente (fls. 8 a 13), croqui (fls. 10), queixa apresentada pelo aqui Recorrente (fls. 14 a 17), documentação clínica referente ao episódio de urgência no Hospital de … em … (fls. 18 a 20), inquirição do queixoso e aqui Recorrente (fls. 93 a 95), inquirição de CC (fls. 105 a 107), inquirição de DD (fls. 109 e 110), inquirição de EE (fls. 111 e 112), inquirição de FF (fls. 113 a 115), inquirição de GG (fls. 118 e 119), inquirição de HH (fls. 112), exame médico-legal (fls. 148 a 150), inquirição de II (fls. 200 e 201) e inquirição de JJ (fls. 202 e 203), bem como a reportagem fotográfica e a certidão do IPMA juntos aos autos com o requerimento de abertura de instrução e as declarações do Assistente já em sede de instrução
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Diga-se que a testemunha DD, cujo depoimento constante de fls. 109 e 110, esclarece perfeitamente o que aconteceu
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Citando a própria decisão recorrida que se socorre deste elemento probatório: “O denunciado disse-lhe para sair da frente, que iria desgraçar a sua vida, mas que ia matar o ofendido. Acabou por ter de sair do caminho para não ser atropelado, gritando para o ofendido para que saísse da estrada, porque iria ser atropelado. Este teve que se proteger atrás de um poste, onde, momentos depois, o denunciado embateu violentamente com a viatura.” I) O Tribunal a quo adianta também como argumento para a tese de acidente o facto de “a viatura ter ficado imobilizada a pouca distância do local do embate, o que só pode ter ocorrido porque circulava devagar”
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Acrescentando ainda, sem qualquer razão de ciência que o justifique, que “se a viatura circulasse a uma velocidade elevada, os danos na mesma teriam sido superiores, não se limitando a uma raspagem na lateral e a um rebentamento do pneu (que pode ser causado por inúmeros fatores)”
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Ao invés de se lançar em juízos conclusivos o Assistente pretende aqui apresentar uma verificação efetiva dos dados objetivos constantes do processo, nomeadamente, do croqui de fls. 10
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Como se referiu no próprio requerimento de abertura de instrução, a traseira da viatura saltou 1,10m do local de embate
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A viatura partiu parte de um poste de betão! N) Também não havia obstáculos na via que impedissem a visibilidade, nem havia nada que impedisse que o Arguido parasse a sua viatura em segurança
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O Assistente estava do lado contrário ao da circulação da viatura
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A única justificação para que haja um embate no lado esquerdo é o Arguido ter voluntariamente e propositadamente virado o carro nessa direção
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Nessa direção, a única pessoa que ali se encontrava era o Assistente
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Não havia ninguém, nem qualquer entrada, cruzamento, buraco na estrada, que justificasse essa mudança de direção
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“Ele guinou na minha direção já frações de segundo antes de ele me bater.” Tomada de declarações ao Assistente em 29.06.2022, de minutos 11:03 a 11:05 T) Ou seja, a mudança de direção é propositada, consciente e com a clara intenção de atingir o Assistente
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Desta forma, entende o aqui Recorrente que os factos imputados e os elementos probatórios recolhidos, são suficientes para dar por indiciada a factualidade aduzida no ponto III do requerimento de abertura de instrução e, em consequência, imputar ao Arguido a prática do já mencionado”
Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que pronuncie o arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131.º, 132.º, nºs 1 e 2, alíneas c) e h), 22.º e 23.º, todos do CP
* O recurso foi admitido
Notificados o Ministério Público e o arguido da interposição do recurso, apenas o Ministério Público apresentou resposta, tendo pugnado pela sua improcedência e pela consequente manutenção da decisão recorrida, apresentando as seguintes conclusões: “1.Interpôs o assistente BB recurso da douta decisão instrutória proferida a fls. 348-353 v.º dos autos supra epigrafados, que, no que aqui ora relevará, determinou, ao abrigo do disposto no art.º 308.º, n.º 1, segunda parte, do Código de Processo Penal, a não pronúncia do arguido AA pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos art.ºs 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e) e h), 22.º e 23.º do Código Penal, que lhe havia sido imputado pelo primeiro no requerimento de abertura de instrução de fls. 267-276 v.º (283-292 v.º) dos mesmos autos, sendo que pugna tal recorrente, a final, no sentido de dever aquela decisão ser revogada e, consequentemente, substituída por outra que pronuncie o mencionado arguido pelo cometimento de semelhante ilícito criminal; 2. Ora em causa no presente recurso estará aquilatar da existência nos autos de indícios suficientes da prática, por parte do arguido AA, dos factos consubstanciadores do mencionado crime de homicídio qualificado, na forma tentada, pelo qual devesse o mesmo sujeito processual ter sido pronunciado, sendo que desde já se refere entendermos ser de sufragar in totum o entendimento perfilhado pela Meritíssima Juiz de Instrução Criminal; 3. Alegando o recorrente que «a testemunha DD, cujo depoimento constante de fls. 109 e 110, esclarece perfeitamente o que aconteceu», são, porém, diferentes as declarações prestadas pelo primeiro e pela dita testemunha relativamente ao sucedido, designadamente, no que tange à condução efectuada pelo arguido AA ao longo dos cerca de 50 metros percorridos em recta antes do embate no poste atrás do qual o mesmo recorrente se escondeu em fracções de segundo com vista a evitar ser colhido, sendo, desde logo, certo que o mencionado recorrente refere nas declarações prestadas em sede de instrução que o veículo conduzido por aquele arguido veio a acelerar desde o início de tal recta até ao local do embate, dizendo, nesse sentido, a título meramente exemplificativo, que «isto é a recta toda que faz desde lá de baixo até cá acima, são 50 metros a acelerar na minha direcção» (23m06s a 23m13s); 4. Sucede que nas declarações prestadas na fase de inquérito relatou a mencionada testemunha DD ter existido uma breve troca de palavras entre si e o arguido AA sensivelmente a meio daquele troço de 50 metros (o que é incompaginável com a versão do recorrente), dizendo, nesse sentido, designadamente, a fls. 110, que: «constatou o retorno do AA. Entrou na estrada, que dá acesso á obra, tendo o depoente se dirigido para o caminho e se colocado no meio do acesso, no sentido de tentar impedir a sua passagem. Parado no meio desse acesso, solicitou a AA que tivesse calma, que as situações não se resolveriam daquela forma e que iria desgraçar a sua vida. AA, completamente alterado, gritou para sair da frente, que iria desgraçar a sua vida, mas eu mato esse gajo, e que tinha de resolver a situação com o BB. Ao verificar que iniciou a marcha e que acelerou na sua direção, teve de saltar contra a vedação da obra, de forma a evitar ser atropelado. Ao mesmo tempo que saltou, gritou para BB fugir do local, uma vez que o AA o iria atropelar. O BB que se encontrava a cerca de 20 metros, só teve tempo de se proteger, entre um poste e um muro ali existente. Em segundos AA embateu violentamente contra o poste, onde se encontrava resguardado o BB»; 5. Mas absolutamente crucial para questionar a versão do recorrente será o declarado por este com o intuito de justificar o facto de, pretendendo então o arguido AA, segundo aquele, atropelá-lo mortalmente, tanto que acelerou (sempre) na sua direcção, ter o veículo conduzido pelo mesmo arguido ficado danificado não na parte da frente mas antes, e ao invés, na parte lateral esquerda, designadamente, junto ao pneu traseiro, o qual também rebentou; 6. Relembre-se que o recorrente afirmou que o veículo conduzido em aceleração pelo arguido AA invadiu, na faixa de rodagem em causa, o sentido oposto àquele em que deveria circular, na direcção do primeiro, com vista a colhe-lo, ou seja, o lado esquerdo da dita faixa, atento o seu sentido de marcha, dado encontrar-se do referido lado, perto de um muro aí existente, o mesmo recorrente, sendo que este, quando estava à distância de dois passos do mencionado muro, e apercebendo-se da eminência do seu atropelamento, deu então, em fracções de segundo, tais passos, ficando...
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