Acórdão nº 1157/17.7T8OLH-M.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1157/17.7T8OLH-M.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo do Comércio de Olhão – Juiz 2 I. Relatório Nos autos de processo especial de insolvência de que os presentes constituem o apenso M, foi a devedora (…) Developments, Lda. declarada insolvente, tendo sido nomeado AJ o Sr. Dr. (…). Por requerimento de 29/4/2022 o Sr. AI apresentou nos autos o cálculo da remuneração variável, “efetuado ao abrigo do artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial, alterado pela Lei n.º 9-2022, de 11 de janeiro” e, tendo apurado o valor de € 807.772,76, concluiu que “atentos os valores apurados e considerando o limite imposto no n.º 10 do artigo 23.º do EAJ (€ 100.000,00), vem o AJ requerer muito respeitosamente a V.ª Ex.ª que se digne fixar a remuneração variável devida, por forma a poder elaborar o mapa de rateio final”. A credora (…), Unipessoal, Lda. pronunciou-se no sentido de a remuneração dever ser fixada de acordo com o limite previsto no artigo 23.º, n.º 10, do anterior EAJ. Por despacho de 27 de Maio de 2022, ora recorrido, foi a remuneração variável fixada em € 431.795,55, acrescida de IVA, no valor total de € 531.108,53. Inconformada, apelou a credora (…), Unipessoal, Lda. e, tendo desenvolvido nas alegações apresentadas as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões: a) Mediante requerimento de 29-04-2022, o Senhor Administrador de Insolvência, apresentou a sua proposta de remuneração variável no montante de € 807.772,76. b) Por discordar da referida remuneração, a presente credora, em 10-05-22, juntou aos autos um requerimento pugnando pela sua redução, por considerar a inaplicabilidade do “novo” Estatuto dos Administradores Judiciais, decorrente da alteração da Lei n.º 9/2022, de 11-01, ao caso em apreço, por manifesta violação das legítimas expectativas do credor, inerentes aos novos cálculos da referida remuneração. c) Dado que aqueles acarretam um imprevisível e substancial aumento da remuneração do Administrador de Insolvência, com redução da expectativa de ressarcimento dos credores. d) Os quais assentaram as suas decisões, designadamente financeiras, no tocante à adjudicação de bens e aceitação de valores de venda a terceiros, em pressupostos de encargos e despesas que foram “a posteriori” substancialmente alterados e encarecidos. e) O que, manifestamente coloca em causa a segurança jurídica destes credores. f) Sucede que, tal requerimento não mereceu qualquer apreciação por parte do tribunal, em violação do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC. g) Tendo sido proferido o supramencionado despacho ora recorrido, mediante o qual foi fixada a remuneração variável na quantia de € 531.108,53. h) Acontece que, conforme referido, tal despacho não se pronunciou acerca do teor do requerimento da recorrente, tendo somente fixado a remuneração variável no valor acima referido e por aplicação do disposto no “novo” Estatuto do Administrador Judicial. i) Pelo que, e salvo melhor entendimento, o despacho aqui recorrido encontra-se ferido de nulidade nos termos e efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) e 608.º, n.º 2, todos do CPC, porquanto é omisso no que respeita ao teor do requerimento da recorrente de 10-05-22. j) Defende a Recorrente que a instância recorrida não se pronunciou e não fez qualquer apreciação relativamente às questões alegadas naquele requerimento, pelo que se conclui aqui, forçosamente, que ocorre a este propósito vício de omissão de pronúncia quanto à matéria em causa. k) A omissão de pronúncia verifica-se quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes na defesa das teses em presença. l) Ora, a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C. sanciona com o vício de nulidade a sentença em que “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar [...]”. m) Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do C.P.C., “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. n) Atentas as razões expostas, infere-se que o despacho recorrido é nulo, por omissão de pronúncia, pois o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre a questão suscitada pela Recorrente, questão essa da qual não poderia deixar de conhecer. Contudo, caso assim não se entenda e sem se conceder, o) Com o devido respeito, e conforme anteriormente referido, a apelante discorda da fixação do valor de remuneração variável fixado pelo tribunal na quantia de € 531.108,53. p) Sendo que tal cômputo resulta da aplicação direta dos critérios para o cálculo da referida remuneração, nos termos da recente Lei n.º 9/2022, de 11.1.22, a qual veio significativamente alterar o cálculo da remuneração, incrementando a majoração daquela, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos. q) Acontece que à data do encerramento da liquidação (11-06-21) a referida lei ainda não se mostrava em vigor. r) Pelo que, no decurso da liquidação referente aos presentes autos, as decisões do credor (nomeadamente financeiras), relativas à venda/adjudicação dos bens sobre os quais detinha garantia real, foram assentes em pressupostos (legais) referentes aos encargos e despesas processuais (designadamente no que respeita à Remuneração do Administrador de Insolvência), previamente estabelecidos. s) E que pressupunham que se mantivessem com aplicabilidade até ao encerramento do processo. t) O que não veio a suceder. u) Abalando a segurança jurídica e a tutela devida aos intervenientes processuais, nomeadamente os credores, bem como a confiança que lhes é devida no decurso de um processo judicial de insolvência. v) De facto, os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança – que decorrem do princípio do Estado de Direito ínsito no artigo 2.º da CRP, entendido como uma dimensão do princípio da boa-fé e que constitui um dos princípios jurídicos fundamentais da aplicação da lei pelos tribunais. w) Com efeito, este princípio inerente ao Direito, supõe um mínimo de certeza, previsibilidade e estabilidade das normas jurídicas de forma que as pessoas possam ver garantida a continuidade das relações jurídicas onde intervêm e calcular as consequências dos atos por elas praticados, confiando que as decisões que incidem sobre esses atos e relações tenham os efeitos estipulados nas normas que os regem. x) Acresce ainda que, apesar de o texto da Constituição não aludir expressamente a este princípio, ele é pacificamente dedutível do princípio do Estado de Direito consagrado no seu artigo 2.º. A afirmação deste princípio significa que, num Estado de Direito, a atuação dos poderes públicos deve ser previsível e confiável. y) Neste sentido, não se afigura, salvo opinião diversa, existirem legitimas expectativas a acautelar, senão as dos credores que, desde junho de 2021, aguardam pelo pagamento dos seus créditos, após liquidadas as custas e demais despesas da massa, incluindo a fixação da remuneração variável ao Senhor Administrador à luz dos critérios legais à data vigentes. z) Tendo-se verificado que todo o trabalho desenvolvido pelo Senhor Administrador de Insolvência foi praticado antes da entrada em vigor da Lei n.º 9/2022, de 11.01.2022, tendo a liquidação sido encerrada por sentença de 10-06-21, pelo que e salvo melhor e diverso entendimento, deverá ser a remuneração variável fixada em harmonia com a legislação vigente à data do processamento da liquidação. aa) Não se mostrando razoável que seja o credor, presentemente confrontado com um menor ressarcimento do seu crédito, derivado de uma maior percentagem de despesas (que se estima em cerca de dez vezes superior) decorrente do abrupto aumento da remuneração devida ao Senhor Administrador de Insolvência e que afeta as legítimas expectativas de recuperação da credora. bb) Deste modo, e salvo melhor entendimento, a aplicação imediata ao caso em apreço, do estatuído no artigo 23.º e seguintes da Lei n.º 9/2022, de 11-01-22, para cálculo da remuneração do Administrador de Insolvência, viola o princípio constitucional da segurança e proteção da confiança, integrador do Estado de Direito Democrático. cc) Por outro lado, importa referir que, com o presente recurso, não se tem como objetivo colocar em causa a remuneração do senhor Administrador de Insolvência, que presta serviços no processo com vista à obtenção dessa compensação, sendo igualmente justo considerar que não poderá a mesma implicar um sacrifício injusto, iníquo e desequilibrado face ao crédito reconhecido aos credores. dd) Razões aliás, pelas quais, terá certamente o legislador previsto a possibilidade de redução da remuneração dos senhores Administradores no número 8 do artigo 23.º do “novo” EAJ, quando aquela remuneração exceda € 50.000,00 de acordo com critérios de ponderação de resultados e serviços prestados. ee) Acresce ainda que, e com o devido respeito pela atuação e desempenho do Senhor Administrador de Insolvência nos presentes autos, o valor ora fixado a título de majoração é manifestamente excessivo e desajustado, quer atentos os serviços prestados, quer atenta a complexidade dos autos. ff) Sendo que o essencial da liquidação incidiu na venda dos imóveis, sendo que a maioria foi adjudicada pela ora credora. gg) Pelo que, não resulta da análise dos autos que os serviços prestados pelo senhor AI, não apresentaram uma complexidade para além do expectável num processo desta natureza, não justificando, certamente uma remuneração de € 531.108,53, salvo melhor opinião e o sempre devido respeito, que se reafirma. hh) Acresce que pese embora em termos absolutos o valor dos créditos...

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