Acórdão nº 64/20.0PBEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução13 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal da Relação de Évora: A - Relatório: Nos autos de Inquérito supra numerados que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Évora – Évora, Unidade Central Criminal (Local) – em que é arguido AA, a Mmª Juíza do Tribunal considerando que o arguido não se mostrava regularmente notificado da acusação pública, determinou a devolução dos autos ao Ministério Público uma vez que os mesmos foram prematuramente remetidos à distribuição, ordenando a baixa estatística do processo.

* Inconformado o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido interpôs recurso do despacho, com as seguintes conclusões: 1.º- Nos presentes autos de processo comum perante o Tribunal Singular, o Ministério Público acusou os arguidos AA e BB, imputando-lhes a coautoria material e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, previsto e punido pelos artigos 26.º; 144.º n.º 1, a) e 145.º, n.º 1, c) por referência ao disposto no artigo 132.º, n.º 2 do Código Penal.

  1. - Remetidos os autos à Distribuição na sequência do determinado no despacho final de encerramento de inquérito, último parágrafo, foi proferido o despacho recorrido em 06.01.2022, com a referência 31243157, constante de fls. 259 a 260, onde não foi recebida a acusação pública porquanto se considerou que o arguido Pedro Filipe Calvino Tavares não foi devidamente notificado da acusação pública proferida e determinou a devolução dos autos ao Ministério Público por considerar que os mesmos foram prematuramente remetidos à distribuição.

  2. - Analisado o douto despacho recorrido verifica-se que existem três segmentos decisórios: - A notificação do libelo acusatório foi dirigida para a morada …. Luxemburgo – pelo que, desde logo, o tribunal considerou que está incorreta.

    - O meio utilizado – carta registada com aviso de receção – não é admissível in casu – art.º 283.º n.ºs 5 e 6 e art.º 113.º n.º 1 alínea c) e n.º 10, ambos do Código de Processo Penal, porquanto o arguido prestou TIR e residindo o arguido em país estrangeiro, a sua notificação deveria ter sido solicitada às autoridades luxemburguesas através do envio de carta rogatória; - Concluiu que a consequência era a devolução dos autos ao Ministério Público uma vez que os mesmos foram prematuramente remetidos à distribuição, devendo dar-se a competente baixa estatística do processo.

  3. - O arguido prestou TIR nos autos (atual fls. 142), onde indicou uma morada em solo nacional. Posteriormente, por requerimento apresentado pelo seu Ilustre Mandatário, comunicou aos autos a sua alteração da morada (requerimento de fls. 180, retificado a fls. 181), indicando nova morada situada no Grão-Ducado do Luxemburgo.

  4. - No que respeita à descrição da morada feita constar na carta, a referência a … (ou, aquela por lapso, a …) diz respeito ao código postal daquela cidade …, pelo que estando devidamente identificada a rua, a porta e a cidade (localidade), tratou-se de lapso manifesto e inócuo, que não impediu a concretização e entrega da correspondência postal.

  5. - Pelo exposto, cumpre concluir que a notificação foi remetida para a morada indicada pelo arguido nos autos.

  6. - Acresce que não era obrigatório realizar a notificação da acusação pública mediante carta rogatória.

  7. - Tratando-se de morada no Grão-Ducado do Luxemburgo, é aplicável o regime da Convenção relativa ao auxílio penal mútuo em matéria penal entre os Estados Membros da EU de 29.05.2000, que vincula a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo.

  8. - Assim, no que respeita à forma de notificação do arguido, entendemos ser de aplicar, no caso concreto, o regime previsto no artigo 5.º, n.º 1 da Convenção relativa ao auxílio penal mútuo em matéria penal entre os Estados Membros da EU de 29.05.2000, que estatui que a notificação deve ser realizada por correio para a morada (a constante do TIR nos termos em que foi efetuada).

  9. - Aquela convenção prevê normas específicas quanto ao arguido noutros artigos e no artigo 5.º não faz qualquer distinção quanto ao arguido, pelo que cumpre concluir que era admissível a notificação através de carta registada com aviso de receção.

    Sem prescindir, 11.º- Ainda que se viesse a concluir nesta fase que a notificação do despacho de acusação ao arguido sofria de alguma irregularidade, não podia o Juiz de Julgamento devolver os autos ao Ministério Público (MP) e definir os termos em que o MP deve atuar e concretizar a notificação.

  10. - Desta forma, no caso de o Juiz de Julgamento considerar que existe uma irregularidade, designadamente relacionada com alguma notificação da acusação, o artigo 123.º, n.º 2, do CPP e o princípio da autonomia do Ministério Público impõem que seja reparada oficiosamente pela autoridade judiciária que declarar a verificação da irregularidade e a necessidade da sua reparação.

  11. - Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 123.º, n.º 2, 283.º n.ºs 5 e 6, 113.º n.º 1 alínea b) e n.º 10, e 111.º, n.º 3, al. b), todos do CPP, e artigo 5.º, n.º 1 da Convenção relativa ao auxílio penal mútuo em matéria penal entre os Estados Membros da EU de 29.05.2000.

  12. - Em face ao exposto deverá o presente recurso ser julgado procedente, devendo Vªs. Exªs. revogar o despacho recorrido e determinar a sua substituição por outro que receba a acusação pública e considere o arguido regularmente notificado.

  13. - Caso o Tribunal ad quem decida no sentido de existir irregularidade, que que julgue parcialmente procedente o recurso e revogue a decisão recorrida, ordenando-se a sua substituição por outra que ordene aos próprios serviços do Juízo Local Criminal a reparação da irregularidade em causa.

    * Não houve resposta.

    Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

    Foi observado o disposto no nº 2 do artigo 417° do Código de Processo Penal.

    ***** B - Fundamentação: B.1.1 - São elementos de facto relevantes e decorrentes do processo os que constam do relatório que antecede, bem como o teor do despacho recorrido, como segue: «Compulsados os autos verifico que o arguido AA prestou TIR a fls. 117 e, posteriormente, por requerimento apresentado pelo seu Ilustre Mandatário, comunicou aos autos a sua alteração da morada (requerimento de fls. 180, rectificado a fls. 181).

    À data da prolação do despacho de acusação a morada do arguido AA era: …. Luxembourg.

    A notificação do libelo acusatório dirigida a este arguido foi endereçada para a seguinte morada: …. Luxemburgo – pelo que, desde logo, refira-se que a...

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