Acórdão nº 416/20.6PBSTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução13 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório

  1. No 1.º Juízo Local Criminal de …, procedeu-se a julgamento em processo comum e Tribunal singular de AA, nascido a …1999, com os demais sinais dos autos, a quem foi imputada a prática, como autor, de um crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, §1.º, al. b) e § 2.º, al. a) do Código Penal (CP)

    O acusado apresentou contestação negando a prática dos factos que lhe foram imputados

    Realizada a audiência de julgamento o Tribunal veio a proferir sentença, na qual condenou o arguido pela prática do crime pelo qual havia sido acusado, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão

  2. Foi interposto recurso pelo arguido, nele se pugnando pela atenuação especial da pena e sua fixação em 1 ano de prisão, rematando as pertinentes motivações com as seguintes conclusões (transcrição): «1ª – Pela sua vaguidade e total omissão de localização no tempo e no espaço, deverão ser dados como não provados os factos referidos nos pontos 7. e 8. da Douta Sentença: “O arguido deu chapadas, pontapés a BB, apodando-a 'vaca' e 'puta', em diversas ocasiões, em datas não concretamente apuradas, mas certamente situadas entre Março e Julho de 2020, cujas lesões aquela nunca tratou e disse à mãe serem resultado de quedas” - ponto 7.; e “Como consequência directa e necessária das múltiplas condutas do arguido, BB sofreu dores e hematomas em diversas partes do corpo” - ponto 8.; 2ª - Constitui tese indesmentível, sustentada por norma expressa - art.º 163.º do Código de Processo Penal – a de que o juízo técnico, científico ou artístico à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, salvo quando este daquele divergir, desde que fundamente o motivo de tal divergência; 3ª – Nada justificando qualquer alteração de procedimento no caso da perícia psiquiátrica prevista nos art.ºs 159.º e 351.º do mesmo Diploma Legal, destinada a apurar da existência e da medida da inimputabilidade penal do arguido; 4ª - Quanto ao Relatório – Perícia Psiquiátrica Forense – afigura-se-nos, salvo o devido respeito pelos seus autores e por quem sufrague diferente entendimento... -, que o mesmo não prima pela coerência; 5ª – Tal Relatório Pericial deve ser havido como um simples “Parecer”, sem eficácia probatória plena, sendo sua função útil a de poder contribuir para esclarecer o julgador; 6ª - Este não fica inibido de apreciar o relatório e ponderar a fim de adoptar a melhor decisão; 7ª – O que se invoca estribado em jurisprudência unânime, citando-se a título meramente exemplificativo o Douto Acórdão do STJ, datado de 7/11/2006, Pº 3460/06, 1ª secção: “valem quanto aos pareceres e relatórios periciais os princípios da liberdade de convicção do juiz”; 8ª - No caso da Perícia Psiquiátrica Forense que se mostra junta aos autos (Ref.ª CITIUS …), é manifesto que as premissas em que se alicerça, ali perfeitamente explicitadas, não se compaginam com as respectivas conclusões; 9ª - Com efeito, não podem restar dúvidas razoáveis de que: - quem “apresenta capacidade cognitiva com valores muito inferiores (tendo em conta os valores considerados para a população em geral e relativos ao seu grupo etário), o que, permite inferir que apresenta défice cognitivo global, que aponta para um funcionamento intelectual de nível muito inferior, justificando a existência de limitações no funcionamento adaptivo, que comprometem a capacidade para a mudança/aprendizagem”; - quem “é portador de uma estrutura psíquica com limitações significativas, ficando exposta a sua fragilidade congnitiva”; - quem “apresenta sintomatologia psicopatológica invalidante”; -quem, quanto às características específicas da personalidade, apresenta “traços acentuados, que nos levam a considerar que estamos perante alguém com funcionamento psicológico perturbado, sendo de admitir um transtorno de personalidade que merece atenção clínica»; - aquele a quem são 3detetados traços acentuados, que podem ser determinantes na forma como interage com o meio social onde está inserido”; - quem «apresenta um perfil que é comum em indivíduos que manifestam instabilidade emocional, comportamentos antissociais e acentuada dificuldade em controlar os impulsos, o que leva a actos irrefletidos e consequente para atuar de forma impulsiva sem prever as consequências dos seus actos” - (sublinhados nossos)..

    1. - … não pode ser a mesma pessoa acerca da qual se conclui que “nada impede nem impedia de avaliar a ilicitude dos seus atos ou de se determinar, pelo que, do ponto de vista psiquiátrico-forense e para os factos de que vem indiciado, não são de invovar razões de natureza psiquiátrica que permitam excluir ou diminuir a sua imputabilidade!!!”

    2. -Ali afirma-se o que aqui se nega; 12ª – O Tribunal 'a quo' dedica poucas linhas ao referido Relatório, do qual apenas retira - ponto 17. - que “o arguido padece de uma deficiência mental leve (…) bem como de uma perturbação não especificada de personalidade (...)”; 13ª - … e que – ponto 18. “à data da prática dos factos provados da douta acusação pública, não se apurou qualquer sintoma psicótico grave do arguido, de natureza delirante ou alucinatória, que tivesse perturbado o sentido da realidade ou o impedisse de agir em consciência e vontade, admitindo-se que estaria minimamente capaz de se avaliar e de se determinar de acordo com a sua própria avaliação, porém, diminuída”; 14ª – Considerações estas que, ressalvados o muito respeito e elevada consideração devidos a quem as teceu, nos causam perplexidade; 15ª – Como seria possível concluir que (subentende-se) em cada uma das muitas acções assacadas ao arguido em múltiplas circunstâncias de tempo e espaço (nem sempre – quase nunca...- exatamente determinadas), este não estava impedido de agir em consciência e vontade, valorando corretamente os factos e conformando-se que essas prévias valorações?! 16ª – E se apenas “se admite” que o arguido “estaria minimamente capaz” de proceder a essas prévias valoração e determinação, não seria (será...), em sede de direito criminal, mais adequada a opção pelo não imputação ao arguido de crime algum, à míngua da prova cabal dessa imputabilidade, que apenas “se admite”?! 17ª – Mal se entende que em sede de fundamentação de direito, o Tribunal 'a quo' conclua, “em consequência do vertido nos factos provados em 17 e 18 supra”, tornar-se “patente que o arguido sofrerá de anomalia psíquica, mais se entendendo que a capacidade de avaliação do arguido e de determinação da sua conduta em razão de tal avaliação existia, sendo portanto o arguido imputável”; 18ª – Parece-nos surpreender, neste passo, uma contradição insanável na fundamentação – o que se argui 'hic et nunc' com base na previsão da alínea b) do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal; 19ª - Caso raro e muito curioso: quase em simultâneo são apresentados ao mesmo Excelentíssimo Magistrado Judicial, acerca do mesmo arguido, duas Perícias Psiquiátricas, que fundadas em bases algo díspares (aparentando-se-nos mais gravosas e indiciadoras da conclusão da inimputabilidade ou da imputabilidade diminuída aquela que conclui pela plena imputabilidade do arguido..., transportam os Excelentíssimos Peritos para conclusões opostas); com efeito, 20ª - No âmbito do Processo que corre os seus trâmites sob o n.º … do mesmo Juízo Local Criminal – Juiz … foi, em 11 de Março de 2022, apresentado um segundo Relatório Pericial, o qual, em sede de “Conclusão”, assim reza: “A sua capacidade cognitiva apresenta valores muito inferiores (tendo em conta os valores considerados para a população em geral e relativos ao seu grupo etário), o que nos permite inferir que apresenta défice cognitivo global, que aponta para um funcionamento intelectual de nível muito inferior, justificando a existência de limitações no funcionamento adaptativo, que comprometem a capacidade para a mudança/aprendizagem. Verificamos estar perante um indivíduo portador de uma estrutura psíquica com limitações significativas, ficando exposta a sua fragilidade cognitiva

      Na atualidade verificamos que o examinado apresenta sintomatologia psicopatológica invalidante

      Da avaliação das características específicas da personalidade, foram detetados traços acentuados que nos levam a considerar que estamos perante alguém com funcionamento psicológico perturbado, sendo de admitir um transtorno de personalidade que merece atenção clínica. Foram detetados traços acentuados que podem ser determinantes na forma como o examinado interage com o meio social em que está inserido. Este perfil é comum em indivíduos que manifestam instabilidade emocional, comportamentos antissociais e acentuada dificuldade de controlar impulsos, o que leva a atos irrefletidos e consequente culpabilização, podendo apresentar transtornos do pensamento, desconfiança, alterações de humor, imaturidade e irresponsabilidade, exibindo hostilidade e baixa intolerância à frustração e com propensão para atuar de forma impulsiva sem prever as consequências dos seus atos

      Globalmente, não apresenta indicadores de desejabilidade social, que coloquem em causa os resultados obtios nos testes de avaliação psicológica” - sublinhados nossos

    3. - O Relatório Pericial junto aos autos não mereceu do Tribunal 'a quo' mais do que uma leve alusão no intróito da douta Sentença, nenhuma consequência dele tendo sido extraída! 22ª - Se dúvidas restassem ao Tribunal, valeria aqui, opinamos, também e ainda o princípio 'in dubio pro reo'..

    4. - Note-se 'a latere' que, conforme, de resto, se extrai do relatado em 45. a 55. da Douta Sentença, por nenhum crime de sangue foi condenado ou está imputado ao arguido; 24ª - Donde nos parece mais que razoável retirar a conclusão de que, sendo parcialmente inimputável, o arguido não pode ser considerado “perigoso”; 25ª – E jamais, concluir, paradoxalmente, que “não obstante a existência de anomalia psíquica no arguido e de a sua imputabilidade ser considerada diminuída, importa...

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