Acórdão nº 166/18.3GDPTM-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução27 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.

Nos presentes autos de processo comum coletivo que correm termos no Juízo Central Criminal de Portimão – J4, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, com o n.º 166/18.3GDPTM-B, foi o arguido AA, filho de BB e de CC, nascido a .../.../1979, natural da freguesia ..., ..., residente no ..., ..., em ..., atualmente em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional ..., condenado, por acórdão de cúmulo jurídico referente a concurso superveniente de crimes, da seguinte forma: - Na pena única de 18 (dezoito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, no primeiro cúmulo jurídico, que englobou as penas de prisão anteriormente aplicadas ao arguido nos processos n.ºs 143/16.... e 176/16.... (factos de 23/03/2016 e 30/03/2016); - Na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão efetiva, no segundo cúmulo jurídico das penas de prisão anteriormente aplicadas ao arguido nos processos n.ºs 176/16.... (factos de 06/07/2016) e 166/18.3GDPTM.

*Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “1- Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido a fls…, que realizou o cúmulo jurídico das penas em que o arguido foi condenado, e em consequência: iii) efectou o primeiro cúmulo jurídico das penas de prisão aplicadas ao arguido nos processos n.º 143/16.... e 176/16...., condenando-o na pena única de 18 (dezoito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano; iv) efectou o segundo cúmulo jurídico das penas de prisão aplicadas ao arguido nos processos n.º 176/16.... (factos de 06.07.2016) e 166/18.3GDPTM, condenando-o na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão efectiva.

2- O tribunal a quo deveria ter-se declarado incompetente para realizar o primeiro cúmulo jurídico.

3- Com efeito, o tribunal da última condenação apenas poderá conhecer do concurso superveniente quando os factos e a pena desta última condenação também integrem o concurso.

4- Como resulta evidente do acórdão recorrido, os factos praticados no âmbito deste processo não têm qualquer relação de concurso superveniente com os factos do primeiro cúmulo realizado, praticados nos processos n.ºs 143/16.... e n.º 176/16.... (em 23 e 30 de Março de 2016).

5- Ao julgar-se competente para conhecimento do concurso, o tribunal a quo violou o n.º 2 do artigo 471.º do Código de Processo Penal.

Acresce que, 6- Conforme resulta do douto acórdão recorrido, a pena única aplicada no processo n.º 176/16.... encontra-se suspensa na sua execução.

7- O douto acórdão recorrido nada refere sobre a existência, ou não, de decisão de revogação da referida suspensão.

8- Trata-se de uma questão essencial para a boa decisão da causa apurar se a pena suspensa anteriormente aplicada foi ou não revogada.

9- Ao não ter apreciado a referida questão, como se lhe impunha, o tribunal incorreu numa omissão de pronúncia, que torna nulo o acórdão proferido, nos termos da alínea b), do n.,º 1, do artigo 379.º do Código de Processo Penal.

Sem prescindir, 10- O tribunal a quo não podia realizar o cúmulo jurídico entre uma pena de prisão suspensa na sua execução e uma pena de prisão efectiva, por se tratarem de penas com natureza diversa.

11- Além disso, a revogação da suspensão da primeira pena aplicada apenas poderia ocorrer após o arguido ter sido ouvido pelo tribunal onde a mesma foi proferida (o que configura um primeiro momento de defesa).

12- Caso essa suspensão viesse a ser revogada, ao fazer-se o cúmulo jurídico da pena no processo 176/16.... com o processo n.º 166/18.3GDPTM, o arguido seria ouvido novamente para se pronunciar quanto ao cúmulo jurídico (o que representaria um segundo momento de defesa).

13- Ao realizar-se de imediato o cúmulo jurídico sem que a suspensão da primeira pena tenha sido revogada, está-se a negar ao arguido o primeiro momento de defesa acima referido, diminuindo-se as garantias de defesa do mesmo.

14- Deste modo, por violar o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, é inconstitucional o n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal, interpretado no sentido em que é admissível a realização de cúmulo jurídico entre uma pena de prisão suspensa na sua execução e uma pena de prisão efetiva.

15- Ao decidir como decidiu o tribunal a quo violou o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.” Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e ainda que: a) Se declare que o tribunal a quo é incompetente para realização do primeiro cúmulo jurídico; b) Se declare nulo o acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto à revogação, ou não, da suspensão da pena aplicada no processo n.º 176/16....; c) Se julgue legalmente inadmissível o segundo cúmulo por impossibilidade da realização de cúmulo jurídico entre uma pena de prisão suspensa na sua execução e uma pena de prisão efetiva; d) Se declare que, por violar o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, é inconstitucional o n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal, interpretado no sentido em que é admissível a realização de cúmulo jurídico entre uma pena de prisão suspensa na sua execução e uma pena de prisão efetiva.

*O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância, o Ministério Público apresentou a sua resposta, sem formulação de conclusões, tendo pugnado pela improcedência total do recurso.

*A Exmª. Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se igualmente pronunciado no sentido da improcedência do recurso.

*Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

***II – Fundamentação.

II.

I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir, a saber: A) Determinar se o tribunal recorrido é competente para a realização do primeiro cúmulo jurídico, considerando que o mesmo não integra qualquer condenação por aquele proferida; B) Determinar se o acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia quanto à existência de revogação da suspensão da execução de uma das penas cumuladas no segundo cúmulo; C) Não se concluindo pela nulidade referida no ponto anterior, determinar se o segundo cúmulo realizado é legalmente inadmissível por impossibilidade da realização de cúmulo jurídico entre uma pena de prisão suspensa na sua execução e uma pena de prisão efetiva; D) Caso se conclua pela improcedência da questão indicada no ponto anterior, determinar se o n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal, interpretado no sentido de que é admissível a realização de cúmulo jurídico entre uma pena de prisão suspensa na sua execução e uma pena de prisão efetiva é inconstitucional por violar o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

***II.

II - A decisão recorrida.

Em 16.06.2021, após a realização da audiência para cúmulo, foi proferido o acórdão recorrido, que considerou provados os seguintes factos: “A) Factos provados: 1. Com relevo para a presente decisão de cúmulos jurídicos AA foi julgado e condenado nos seguintes processos: a) n.º 271/16...., do Juízo Local Criminal ..., onde por decisão proferida em 24 de Maio de 2016, transitada em julgado em 23 de Junho de 2016, foi o arguido condenado pela prática, em 3 de Maio de 2016, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com imposição do dever de entregar a quantia de € 500 euros a uma instituição, porquanto: «No dia 03 de Maio de 2016, pelas 17:20 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-FM, na Rua ..., ..., em ..., sem possuir qualquer título que o habilitasse a fazê-lo.

O arguido sabia que não podia conduzir o veículo em questão sem se encontrar habilitado para tal e, no entanto, quis fazê-lo.

Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (…)»; b) n.º 143/16...., do Juízo Local Criminal ..., onde decisão proferida em 5 de Maio de 2016, transitada em julgado em 5 de Janeiro de 2017 no processo Sumário n° 143/16...., do Juízo Local Criminal ..., foi o arguido condenado pela prática, em 6 de Março de 2016, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, em pena de prisão a cumprir por dias livres mediante 42 períodos de prisão, com a duração de 36 horas cada, reaberta a audiência ao abrigo do disposto no artigo 12.º da Lei 94/2017, de 23/08 e artigo 371.º-A, do CPP, veio a ser condenado em sete meses de prisão, porquanto: «No dia 06/03/2016, pelas 11.50 horas, na E.M. ...16, ..., em ..., o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-FT.

O arguido conduzia o veículo acima mencionado sem que para tal possuísse qualquer habilitação legal.

O arguido quis conduzir um veículo automóvel na via pública, sabendo que não se...

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