Acórdão nº 1115/17.1T9STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelFÁTIMA BERNARDES
Data da Resolução11 de Abril de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1 - RELATÓRIO Neste processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, n.º 1115/17.1T9STR, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local Criminal de Santarém, J2, foram submetidos a julgamento os arguidos RA e RB, melhor identificados nos autos, acusados da prática, em coautoria, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º e 73º, 203º, n.ºs 1 e 2 e 204º, n.º 2, al. e), este com referência ao artigo 202º, al. e), todos do Código Penal.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 12/07/2018, depositada nessa mesma data, com o seguinte dispositivo: «(…), o Tribunal julga a acusação deduzida pelo Ministério Público procedente, por provada e, consequentemente, decide: Condenar cada um dos arguidos RB e RA como co-autores materiais de: - Um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. nos artigos 203.º n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e), este referido ao artigo 202.º, alínea e), 22.º, 23.º e 73.º todos do CPenal, cada um, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; Condenar os arguidos RB e RA nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC´s para cada um dos arguidos.

(…).» Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido RA para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada as conclusões que seguidamente se transcrevem: 1º - No presente recurso o Recorrente impugna a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal "a quo", quantos aos factos provados indicados de 1. a 7., reportando-se para o efeito aos respetivos suportes magnéticos a partir dos quais efetuou as transcrições que entendeu mais pertinentes para o teor do mesmo e ainda o teor da douta sentença de que se recorre.

  1. - Entende o Recorrente que a matéria que o Tribunal "a quo" deu como provada na decisão recorrida e os fundamentos que para tanto invocou não são, de todo, suficientes e fortes, para se decidir como se decidiu, pela condenação do arguido "tout court".

  2. - A douta sentença sobre esses pontos essenciais da matéria de facto apurada não procedeu como o deveria ter feito ou fê-lo de forma deficiente.

  3. - Não se fez prova, muito menos direta, dos factos que se imputavam ao arguido, com relevância criminal, socorrendo-se o Tribunal de provas meramente indiciárias.

  4. - Por outro lado, aquilo que as testemunhas da acusação declararam em sede de audiência de julgamento, não podia levar às conclusões retiradas no conteúdo da douta sentença de que se recorre e com interesse para a decisão da causa, não foi, sequer valorado como o deveria pelo Tribunal. Tendo sido inclusivamente valorado de forma deficiente a prova documental ou pericial.

  5. - Na douta sentença ora recorrida optou-se por acolher, sem mais e comodamente, a versão da acusação, aceite integralmente nos seus precisos termos.

  6. - Não se fez prova bastante em audiência de julgamento, dos factos imputados ao arguido, conducentes à prática do crime de que vinha acusado, na forma tentada, conforme decorre com clareza, desde logo, de algumas transcrições efetuadas nesta sede e depoimentos registados em suportes magnéticos, aqui dados por reproduzidos.

  7. - Em suma, nenhuma das duas testemunhas viu os arguidos, nem existe ninguém que tivesse reconhecido os “assaltantes”, porque nem sequer estavam no local; não existiu flagrante delito ou perseguição dos “assaltantes”; o arguido apenas foi identificado como tal e surgiu neste processo, porque foram recolhidas impressões digitais e palmares – identificações lofocóspicas -, a saber respetivamente no LCD e na janela do dito estabelecimento/bar, de arguidos distintos e em lugares de fácil acesso a qualquer pessoa.

  8. - O princípio probatório “in dubio pro reo", a bem das garantias de defesa do arguido constitucionalmente consagradas, deveria ter sido acionado, na hipótese de, não colhendo a tese da acusação, por falta de prova.

  9. - Porém e porque não foi isso que aconteceu, a douta sentença encontra-se inquinada pelo vício do artigo 410º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal – uma clara insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porque se nos afigura que resulta do texto da douta sentença que tal condenação nunca poderia ter sido decidida (com remissão para a prova ali referida e os fundamentos ali vertidos).

  10. - Sobrevém, igualmente, como atrás se especificou, um erro notório na apreciação da prova e contradição entre a fundamentação e a decisão, com referência, respetivamente, ao artigo 410º, n° 2, alíneas c) e b) do Código de Processo Penal.

  11. - Deveria, pois, a douta decisão recorrida que condenou o arguido pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, ter proferido decisão de absolvição, porque não preenche todos os elementos da tentativa do tipo de ilícito, por que o arguido foi condenado, violando pois o disposto na alínea b), do n.° 3, do artigo 412° do Código de Processo Penal.

  12. - Inexiste pois o crime de furto qualificado na forma tentada, pelo que ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 203º, n.ºs 1 e 2, 204.º, n.º 2, alínea e), este referido ao artigo 202º, alínea e) e 22º, 23º e 73º todos do Código Penal.

  13. - Caso não seja considerada procedente a absolvição do arguido, tendo em conta a matéria de facto que não consideramos provada e por mera cautela processual, sem nunca condescender, sempre se dirá que o arguido não concorda de todo com a qualificação jurídica do crime em apreço, na forma de tentativa, tendo em conta a falta de prova produzida em audiência de discussão e julgamento, já que não estão preenchidos todos os elementos essenciais à punição enquanto tentativa.

  14. - Em momento algum esta douta sentença, na fundamentação jurídica, concretiza no caso dos presentes autos, porque entendeu que o arguido, por razões concretamente não apuradas, mas alheias à respetiva vontade, abandonou o local, nada levando. Mas tal fundamentação competia ao Tribunal, para perceber o que esteve na base deste “facto”.

  15. - Iniciada a execução de um crime, pode ser interrompida por duas razões: pela própria vontade do agente ou por circunstâncias estranhas à sua vontade. Na primeira hipótese pode haver arrependimento ou desistência voluntária, na segunda está configurada a tentativa. O agente que inicia a realização de uma conduta típica pode, voluntariamente, interromper a sua execução (desistência voluntária) ou impedir que o resultado se produza (arrependimento eficaz). Mas em nenhuma dessas hipóteses impeditivas, a não ocorrência do resultado deve-se a circunstância alheia à vontade do agente, configurando tentativa abandonada, a qual não é punível.

  16. - Para que se tipifique a tentativa como punível, é necessário que a circunstância impeditiva do resultado pretendido seja “alheia à vontade do agente”.

  17. - Quando o agente não consegue praticar todos os atos necessários à consumação, por interferência externa, diz-se que há tentativa propriamente dita, porque o processo executório é interrompido por circunstâncias estranhas à vontade do agente, como por exemplo quando é surpreendido pelas autoridades, que encetam uma perseguição.

  18. - O que se impunha ao Tribunal a quo era subsumir o comportamento concreto do arguido à definição de tentativa, porque a Lei assim o exige, para se perceber que o enquadramento jurídico tem aplicação num ou noutro comportamento que o arguido pudesse ter adotado.

  19. – Existiu, na realidade, a falta de fundamentação fática essencial para poder afastar a tentativa, e absolver o arguido RA, existindo consequentemente a verificação dos pressupostos do artigo 410º, n.º 2, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal.

Assim decidindo, será feita a acostumada JUSTIÇA! O recurso foi regularmente admitido.

O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso, nos termos constantes de fls. 198 a 201, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida, defendendo que a valoração da prova a que o Tribunal a quo procedeu se mostra acertada, não havendo fundamento para que se fizesse funcionar o princípio in dúbio pro reo e que a aplicação do direito se mostra correta, não merecendo qualquer censura a sentença recorrida.

Neste Tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, a fls. 210, no sentido da improcedência do recurso, aderindo à posição defendida pelo Ministério Público junto da 1ª Instância, na resposta que este ofereceu.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, sem resposta do recorrente.

Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2 – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Delimitação do objeto do recurso Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais: O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cf. artigo 428º do C.P.P.

As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cf. artigo 412º, n.º 1, do C.P.P.

Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas alíneas a), b) e c), do nº. 2 do artigo 410º do C.P.P., mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cf. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual), bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.

Tendo presentes as considerações que se deixam enunciadas e atentas as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso apresentada, são as seguintes as questões suscitadas: - Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; - Contradição entre a decisão e a fundamentação; - Erro notório na apreciação da prova; - Impugnação da matéria de facto dada como provada, nos pontos 1 a 7, no que respeita ao arguido/recorrente; - Violação do princípio in dúbio pro reo; - Erro de subsunção jurídica.

* Para que...

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