Acórdão nº 465/11.5GAVNO.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Novembro de 2019

Data19 Novembro 2019

I Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal colectivo acima identificados, do Juízo Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, a arguida PP foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenada pela prática, em autoria material e concurso real, de: Ø Um crime de sequestro, p. e p. pelo art.º 158.º, n.º 1 e 2 al.ª b), do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; Ø Um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; e Ø Um crime de coacção agravada, p. e p. pelo art.º 154.º, n.º 1, 155.º, n.º 1 al.ª a) e 131.º, do Código Penal, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, pena única de 4 anos, suspensa na sua execução por idêntico período, mediante regime de prova, assente em plano social de recuperação a elaborar pelo Instituto de Reinserção Social.

  1. Se analisarmos a prova documental carreada para os autos, designadamente auto de notícia (fls. 29 e ss), o aditamento (fls. 33), o relato de diligência externa (fls. 165 e ss) e a documentação clínica (fls. 202 e ss), não temos dúvidas de que não existem indícios suficientes para imputar a autoria da prática dos crimes em apreço à Arguida.

  2. O auto de notícia e respectivo aditamento, traduzem única e exclusivamente a versão da ofendida.

  3. Do relato de diligência externa não resulta qualquer facto ilícito, qualquer elemento, qualquer prova que possa ser imputado à Arguida (e também não poderia existir, pois a Arguida não praticou os factos em apreço nos presentes autos).

  4. Nenhuma prova documental foi carreada para os autos relativamente ao envio da alegada mensagem, dos alegados telefonemas.

  5. Também não foi encontrado na posse da Arguida, o telemóvel da ofendida ou qualquer outro elemento utilizado na prática dos aludidos crimes, designadamente, piripiri, toalha molhada, corda...

  6. Quanto ao relatório clínico, o mesmo refere que existem escoriações na face a na região dorsal, e que a ofendida se queixa de dores no braço esquerdo.

  7. Inexiste qualquer referência à utilização de piripiri na vagina ou à existência de escoriações na zona do pescoço da Ofendida.

  8. Se o Arguido SS tivesse colocado um pé no pescoço da Ofendida conforme consta dos factos provados, era normal que existisse uma escoriação no pescoço.

  9. Aliás, o relatório clínico refere que a Ofendida se queixava com dores do braço esquerdo, o que não é corroborado pelo seu depoimento, nem pelo depoimento das testemunhas.

  10. No que diz respeito ao corte de cabelo, nenhuma foto foi junta aos autos que corrobore tal versão.

  11. Quanto aos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, entendemos que não restam dúvidas de que a arguida PP não praticou os factos em apreço.

    Senão vejamos, 13° A Ofendida manteve uma postura muito descontraída e risonha, o que é no mínimo estranho, depoimento, este, que se encontra gravado no sistema informático citius de 00:00:00 a 00:25:08: "no dia 31... nós íamos po trabalho juntas... era para ser eu levar carro... e ela de manhã ligou-me a disse-me que já tinha carrinha arranjada...fomos na carrinha dela... chegou a uma altura no pinhal...Almoster... ela disse que tinha vontade de fazer coco... virou carrinha pinhal.. logo ai tirou telemóvel... depois parou carro e disse-me... agora estás fodida... na parte trás da carrinha vinha o companheiro dela... SJ... eu sai da carrinha para fugir.. ele agarrou-me, bateram-me com uma toalha molhada... meteram piripiri na vagina.. o SS segurava-me e ela fazia.. obrigaram a ligar para mulher de patrão... disseram que iam deixar atada toda nua num pinheiro... com uma corda.. pensa nas minhas filhas porque tu também tens filhos.. disseram se contasse alguém as minhas filhas e a minha família iam pagar por isso..

    Quando questionada sobre se cortaram o cabelo: Refere que cortaram cabelo Mais menciona que: Diz que enviou uma mensagem por engano para PP...

    - Antes de parar viatura tirou telemóvel...

    Nunca mais foi trabalhar...

    Quando interpelada sobre o salário diz que foi a própria que o recebeu. Mais refere que não colocaram nada na boca.

  12. O depoimento de PF (namorado da ofendida e ex-marido da arguida), que se encontra gravado no sistema informático citius de 00:00:00 a 00:14:36, demonstra que: minha irmã me ligou a dizer que a dona SJ apareceu em casa da minha irmã...

    tinha cabelo cortado...

    tinha parado para fazer xixi...

    Quando questionado sobre se tinha ferimentos disse: nos lábios.. principalmente na cara...

    Refere que irmã lhe ligou a um sábado entre meio-dia e duas da tarde.

    A SJ e a irmã não se conheciam, a SJ não sabia onde era a casa mas foi lá ter.

    Mais diz que deixou de pagar a pensão de alimentos, talvez fosse a razão da presente situação.

    Acha que a Arguida lhe ligou mais tarde, não sabia o que lhe disse, mas depois já sabia que tinha dito "não a matei mas ainda pode vir a acontecer". Depois não sabe quem ligou.

  13. Depoimento algo confuso e muito parcial.

  14. Por sua vez, a testemunha AG (irmã da ofendida), o qual se encontra gravado no sistema informático citius de 00:00:00 a 00:14:30, refere que: - "ela chegou a casa um pouco atrapalhada...

    Mais disse que não sabe a que horas a irmã apareceu lá em casa. E que trazia uns arranhões perto do pescoço, nos braços e nos lábios.

    A irmã não disse por que motivo tal aconteceu.

    Não sabe se a irmã queria apresentar queixa.

  15. Ora, analisando também a prova testemunhal produzida no decurso da audiência de julgamento, os Meritíssimos Juízes "a quo" não poderiam ter dado como provados os pontos 1 a 29 dos factos provados, devendo a Arguida PP ser absolvida pela prática dos crimes de sequestro, roubo e coacção agravada.

  16. Unicamente existe o depoimento da Ofendida que alega que "eles bateram, meteram, obrigaram...", fica-se sem saber quem efectivamente perpetrou os alegados factos.

  17. Nem mesmo o próprio relatório médico evidencia as agressões de que a Ofendida diz ter sido vítima.

  18. O Tribunal deu como provados factos que a Ofendida negou ou que nem sequer foram mencionados pela mesma ou pelas testemunhas.

  19. Designadamente, datas, horas que ninguém referiu, teor mensagem, pretensão de ir comer um bolo, exigir PIN, pano na boca, etc...

  20. Não se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crimes em apreço, pelo que, a Arguida PP absolvida em conformidade.

  21. Assim sendo, estamos perante um erro de julgamento - ínsito no artigo 412°/3 -, na medida em que o Tribunal "a quo" considerou provados os pontos 1 a 29, inexistindo prova suficiente para serem considerados como provados.

  22. Salvo o devido respeito, ao contrário da fundamentação apresentada pelos Meritíssimos Juízes "a quo" , certo é que, a Arguida e a Ofendida eram amigas, frequentavam a casa uma da outra, existindo um litígio entre a testemunha PF e a Arguida sobre o pagamento da pensão de alimentos aos filhos menores, razão que terá originado a apresentação de uma queixa nestes moldes como forma de vingança.

  23. Não se concebe que pessoas que eram amigas, sem existir qualquer discussão, qualquer zanga, de um dia para o outro pratiquem os factos supra referidos.

  24. Contudo, já é plausível a apresentação de uma queixa nestes moldes, atendendo ao facto de entre a Arguida e o PF existir litígio quanto ao pagamento da pensão de alimentos dos filhos menores.

  25. Em obediência ao princípio "in dúbio pro reu", previsto no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, deverá a arguida ser absolvida, por nenhuma prova existir, além do depoimento da Ofendida que se mostrou sempre risonha em plena audiência de julgamento.

  26. Nesta situação de erro de julgamento, o presente recurso pretende que se reaprecie a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância, analisando a prova produzida, através da audição dos depoimentos gravados, o auto de denúncia, o relato de diligência externa e todos os demais relatórios médicos, tudo confrontado com a motivação da decisão de facto, sem esquecer que o recurso é um remédio e não um segundo julgamento.

    Pretendendo, como pretende a recorrente, impugnar a matéria de facto, PP não observou o disposto no artigo 412.º, n.º 3 do CPPenal quanto à necessidade de especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as concretas...

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