Acórdão nº 127/13.9TXEVR-L.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelJOÃO AMARO
Data da Resolução11 de Julho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO.

Por sentença, datada de 15-04-2019, o Tribunal de Execução de Penas de Évora indeferiu a concessão de liberdade condicional ao recluso JN.

Inconformado com tal decisão, dela recorreu o recluso, extraindo da respetiva motivação do recurso as seguintes (transcritas) conclusões: “1. O recluso JN cumpre atualmente a pena de 7 (sete) anos e 1 (um) mês de prisão, em cômputo de penas.

  1. O arguido atingiu os 2/3 em 01/08/2018 e o termo está previsto para 01/10/2021.

  2. Na data de 16 de abril do corrente foi notificada ao arguido a decisão de não conceder a liberdade condicional ao arguido.

  3. A douta decisão considera, como único fundamento, que não se verificou qualquer interiorização do desvalor da ação praticada.

  4. Ora, o douto despacho é ilegal, por incorreta apreciação dos factos e aplicação do direito.

  5. O arguido já beneficiou de várias licenças precárias, tendo cumprido escrupulosamente todas as imposições que lhe foram colocadas.

  6. O recorrente encontra-se a trabalhar em RAI, e a usufruir de medidas de flexibilização da pena desde 2017, com pernoita nos pavilhões, onde está integrado laboralmente.

  7. O recorrente reconheceu os erros e demonstrou um enorme arrependimento.

  8. O passado ligado ao consumo de produtos estupefacientes encontra-se ultrapassado, conforme prova junto aos autos.

  9. A evolução deste recluso foi positiva e é um caso exemplar de sucesso nos objetivos da punição, ou seja, reeducar o arguido com vista à sua ressocialização.

  10. O arguido reúne todos os pressupostos formais - artigo 61º do Código Penal - para a concessão da liberdade condicional: mais de metade da pena cumprida e aceitação da liberdade condicional.

  11. Não há, em concreto, nenhum fundamento que permita indeferir a liberdade condicional, muito menos o dos requisitos previstos no artigo 61º do Código Penal.

  12. O despacho recorrido violou o disposto no artigo 61º do Código Penal, na medida em que se verifica terem sido observados os requisitos formais e substanciais que determinam a liberdade condicional.

    Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o despacho recorrido, ordenando-se a concessão da liberdade condicional ao recorrente, fazendo-se dessa forma uma mais correta interpretação de lei e, concomitantemente, decidindo-se de forma mais justa”.

    O Exmº Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu, entendendo que o recurso não merece provimento, e concluindo a sua resposta nos seguintes termos (em transcrição): “1ª - A negação pelo recluso do crime de homicídio na forma tentada (de modo incompreensível, pois declarou que apenas pretendeu assustar a vítima, mas provado foi que procurou aquela munido de arma de fogo e que disparou sobre ela), e o esquecimento dos crimes de tráfico de menor gravidade e de roubo pelos quais (além de outros) cumpre pena - esquecimento também incompreensível, por serem fenómenos de criminalidade grave e violenta - têm subjacente desvalorização da censurabilidade ético-jurídica de tais condutas.

    1. - Tal postura faz duvidar da capacidade de reinserção social responsável do recluso, de comportamento normativo em meio livre, sem cometer crimes da mesma ou de diversa natureza daqueles pelos quais cumpre pena.

    2. - Dada a natureza excecional da liberdade condicional, aquela dúvida constitui-se como obstáculo à formulação de prognóstico positivo sobre a mencionada capacidade de adequação comportamental às proibições penais.

    3. - Que, no estado atual da execução da pena (ultrapassado o cumprimento dos dois terços da soma das penas, em 01-09-2018), é o único requisito material exigível da concessão da liberdade condicional.

    4. - Bem andou o tribunal a quo no julgamento da não verificação desse requisito.

    5. - Na decisão recorrida foi feita correta interpretação e aplicação das normas legais pertinentes no caso, designadamente do disposto no artigo 61º, nº 2, aI. a), do CP.

    6. - Por não merecer censura alguma, deve confirmar-se a douta decisão recorrida e julgar-se improcedente o recurso”.

    Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluindo também pela improcedência do recurso.

    Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, o recorrente apresentou resposta, reafirmando, no essencial, o já alegado na motivação do recurso.

    Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

    II - FUNDAMENTAÇÃO.

    1 - Delimitação do objeto do recurso.

    No presente caso, a única questão evidenciada no recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, consiste em saber se estão ou não reunidos os requisitos para concessão da liberdade condicional ao recorrente.

    2 - A decisão recorrida.

    A sentença revidenda é do seguinte teor: “I - Relatório O presente processo de liberdade condicional diz respeito ao recluso JN, com demais sinais nos autos, atualmente preso no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz.

    Para efeitos de apreciação da concessão da liberdade condicional por referência aos dois terços da soma das penas que o recluso cumpre sucessivamente, foram juntos aos autos os relatórios a que alude o art. 173º, nº 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (de ora em diante designado apenas por CEPMPL).

    O conselho técnico reuniu, prestando os seus membros os esclarecimentos que lhes foram solicitados e emitindo, por maioria (com voto de qualidade do Sr. Diretor do EP), parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional (aá.175º, nºs 1 e 2, do CEPMPL) - cfr. fls. 522.

    Procedeu-se à audição do recluso, nos termos estabelecidos no art. 176º do CEPMPL, sendo que aquele consentiu na aplicação da liberdade condicional. Em sede de audição o recluso não ofereceu quaisquer provas - cfr. fls. 523.

    Cumprido o disposto no art. 177º, nº 1, do CEPMPL, o Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional- cfr. fls. 525-526.

    O Tribunal é absolutamente competente.

    O processo é o próprio.

    Não existem nulidades insanáveis, nem questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer, pelo que nada obsta à apreciação do mérito da causa (a eventual concessão da liberdade condicional).

    II - fundamentação II - A) Dos Fados O tribunal considera provados, com interesse para a decisão, os seguintes lados: 1. Quanto às circunstâncias do caso: 1.1. O recluso JN cumpre sucessivamente as seguintes penas: 1.1.1. Pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de 1 (um) crime de homicídio na forma tentada, 1 (um) crime de recetação, 1 (um) crime de condução sem habilitação legal e 1 (um) crime de roubo [pena aplicada em acórdão de cúmulo proferido no processo comum coletivo nº ---/09.3GDALM, do Juízo Central Criminal de Almada (Juiz 5) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, que englobou as penas que haviam sido aplicadas ao recluso no âmbito do processo referido e dos processos nºs ---/05.8GFSTB, ---/11.3PAAMD e ---/10.1GDALM]- pena em execução; 1.1.2. Pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, pela prática de 1 (um) crime de tráfico de menor gravidade [pena aplicada no processo comum coletivo nº ---/06.4GDALM, do Juízo Central Criminal de Almada (Juiz 6) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa] - pena integralmente cumprida no dia 2 de Janeiro de 2018 e já declarada extinta; 1.1.3. Pena de 6 (seis) meses de prisão, pela prática de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal [pena aplicada no processo comum singular nº ---/11.7PFSXL, do Juízo Local Criminal do Seixal (Juiz 3) do Tribunal Judicial da Comarca de Almada] - pena integralmente cumprida no dia 1 de Julho de 2018 e já declarada extinta; 1.2. O crime de homicídio na forma tentada referido em 1.1.1. relaciona-se, em síntese, com a seguinte factualidade: em data não apurada do mês de agosto de 2009, o recluso e o ofendido desentenderam-se no interior de um café e agrediram-se mutuamente; no dia 20 de agosto de 2009, quando o ofendido caminhava pela rua na companhia da sua esposa e de um filho menor com três anos de idade, o recluso aproximou-se de si e empunhou uma arma de fogo; apercebendo-se que o recluso tinha intenção de disparar contra si, o ofendido afastou a mulher e o filho; o recluso começou a disparar na direção do ofendido, que se lançou sobre aquele, de modo a retirar-lhe a arma; o recluso continuou a disparar até não ter mais munições; atingiu o ofendido com dois tiros na coxa direita, o que lhe causou lesões.

    1.3. O crime de recetação referido em 1.1.1. relaciona-se, em síntese, com o recebimento de vários objetos em ouro, em valor globalmente superior a € 15.000,00 (quinze mil euros), todos com etiquetas de códigos de barras, que o recluso sabia terem sido obtidos através da prática de crime contra o património.

    1.4. Os crimes de condução sem habilitação legal referidos em 1.1.1. e 1.1.3. relacionam-se, em síntese, com a condução na via pública do mesmo motociclo, em duas ocasiões distintas, sem que o recluso fosse titular de carta de condução.

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