Acórdão nº 627/17.1GDSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução11 de Julho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos presentes autos, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo Local Criminal de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, realizado julgamento e proferida sentença, o arguido LL, por via da procedência parcial da acusação e da procedência do pedido de indemnização formulado: - foi absolvido da prática de um crime de ameaça agravada p. p. pelo art. 155.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal (CP); - foi condenado: - pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do CP, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão suspensa na execução por idêntico período, subordinada à regra de conduta de não contactar por qualquer meio com LM e não permanecer e frequentar a residência e local de trabalho da mesma; - a pagar a LM a indemnização, oficiosamente arbitrada, de € 2.000,00; - a pagar ao demandante Centro Hospitalar do Barreiro-Montijo, E.P.E., a quantia de € 118,21, acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo pagamento.

Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões: A- A douta sentença está estribada na consideração de que, pese embora o comportamento do arguido se tenha demonstrado isolado, "tem uma dimensão, intensidade e motivação que caracteriza, ressalvado diverso entendimento, o crime de violência domestica." B- É apontado como elemento definidor da subsunção legal efetuado o facto de "...poucos comportamentos podem ser mais humilhantes no âmbito da conjugalidade do que o ora em menção, ou seja, o abandono forçado, durante a madrugada, do lar familiar." C- Em momento algum da douta sentença se refere que a "vítima " no dia da ocorrência dos factos abandonou de forma forçada o lar familiar.

D- Dito de outra forma, o elemento enformador, por referência ao conteúdo da douta sentença, da subsunção dos factos ao disposto no artigo 152 do C.P., não ocorreu, porquanto não consta dos factos provados.

E- Quando analisa o grau de ilicitude dos factos, é o douto tribunal que situa os mesmos em um evento isolado, cujos danos provocados na vítima se limitaram a 10 dias de doença sem incapacidade para o trabalho, não sendo "particularmente gravoso".

F - Lançando mão do vertido no primeiro parágrafo, página 17 da douta sentença, o elemento que permite a destrinça entre o crime de ofensas à integridade física e o crime de violência doméstica, os actos do arguido têm que ser conformes a um "tratamento insensível ou degradante da condição humana da sua vítima." G- Agora com recurso ao vertido ao segundo paragrafo da supra mencionada página "...uma só conduta, mormente atendendo à sua intensidade, pode ser suficiente .... tudo dependendo da forma como a mesma é susceptível ou não de consubstanciar uma afetação da dignidade ínsita à condição humana da vítima." H- Conforma já exposto, é o douto tribunal quem considera a lesão da "vítima" como não sendo "particularmente gravosa".

I- Assim, não se apresenta como um tratamento insensível ou degradante da condição humana da vítima.

J- pelo que subsumível ao disposto no artigo 143 do Código Penal.

Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada e concomitantemente ser o arguido condenado pela prática de um crime de ofensas à integridade física p.p. no artigo 143 do Código Penal.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo: 1. A matéria de facto dada como provada, assente que foi na prova produzida em julgamento e numa acertada valoração da mesma, subsume-se ao crime de violência doméstica pelo qual o recorrente foi condenado; 2. Em face do exposto, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, manter-se a sentença recorrida nos seus exactos termos.

Nestes termos, deverá negar-se provimento ao recurso, e, em consequência, ser integralmente confirmada a douta sentença recorrida, mantendo-se a condenação do arguido nos precisos termos decididos na primeira instância.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, fundamentado, no sentido que o recurso seja julgado improcedente.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), nada foi apresentado.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

  1. FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas nos arts. 379.º, n.º 1, e 410.º, n.ºs 2 e 3 do CPP, designadamente de acordo com a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995.

    Reconduz-se, então, a apreciar, unicamente, do alegado diverso enquadramento jurídico dos factos, concretamente, por referência ao crime de ofensa à integridade física simples.

    No que ora releva, consta da sentença recorrida: Factos provados: Com relevância para a decisão a proferir resultaram provados os seguintes factos (procedendo-se, porém, à actualização do nome da ofendida, o qual, na sequência de divórcio, deixou de ter o apelido 'Machado'): 1. O arguido LL e a ofendida LM iniciaram uma relação de namoro no ano de 2002.

  2. Desta relação nasceu, em 03-02-2005, MM, encontrando-se a filiação estabelecida relativamente a ambos os progenitores.

  3. O arguido e ofendida foram casados um com o outro desde 14-02-2006.

  4. Em dia e hora não concretamente apurados, mas entre o final do dia 04-082017 e as 2h30 do dia 05-08-2017, no interior da residência onde então todos viviam, sita na Rua António da Costa.., Quinta do Anjo, o arguido, não estando a ofendida em casa, dirigiu-se ao filho menor de ambos, MM, perguntando-lhe onde tinha ido LM, ao que o mesmo respondeu que não sabia.

  5. Nesta sequência, o arguido declarou que era a segunda vez que chegava a casa e LM não estava e, dirigindo-se ao filho menor de ambos, disse "Deus queira que não tenha de ser a primeira vez que tenha de por a mão na tua mãe!", o que motivou o menor a enviar SMS relatando a LM o sucedido, pedindo-lhe que não fosse para casa.

  6. Pelas 2.30 horas, do dia 05 de Agosto de 2017, no interior da referida residência, o arguido LL foi ao encontro da ofendida assim que esta aí chegou, dizendo-lhe que fosse buscar as suas coisas e saísse daquela casa, dirigindo-lhe expressões como "Vais sair daqui, e vais sair já!”;"Puta!': "Vadia!': "Põe-te no caralho!", empurrando-a, para que subisse as escadas aí existentes, em direcção ao quarto de dormir do casal.

  7. Logrando, com o referido comportamento, que a ofendida subisse as escadas, respondendo-lhe esta que não saía de casa.

  8. Acto contínuo o arguido de frente para as costas da ofendida, colocou um dos seus braços à volta do pescoço da mesma e fez pressão até que LM se sentisse sufocar, momento em que aquele a largou.

  9. Sensivelmente no mesmo local, junto ao corrimão das escadas, o arguido, da mesma forma, voltou a fazer pressão no pescoço da ofendida.

  10. Nessa altura, logrando que o arguido a largasse, com o ajuda do filho menor de ambos, que tentava separá-los, LM fugiu para o quarto do casal, sendo seguida por aquele.

  11. Já no interior dessa divisão, o arguido empurrou o corpo da ofendida, fazendo com que a mesma se desequilibrasse e caísse sobre a cama do casal, tendo-lhe então aquele apertado o pescoço.

  12. Após, continuando a ofendida a recusar sair de casa, o arguido, em local não concretamente apurado, mas no exterior, dentro da mesma propriedade, disse "Ai não sais?! Então vou já começar pelo carro!" e, acto contínuo, pegou, sucessivamente, em duas pedras e arremessou-as contra o veículo automóvel utilizado por aquela, partindo-lhe o vidro de trás e amolgando-lhe o tejadilho.

  13. No interior da referida residência o arguido disse "Ai não sais de casa?! Então vou partir isto tudo!", pegando, de seguida, num objecto não concretamente apurado, que arremessou contra uma cristaleira aí existente, partindo um vidro da mesma.

  14. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida LM sofreu dores e edema do quarto dedo da mão direita, edema da região maxilar (ângulo esquerdo da mandíbula), hematoma na região do grande trocânter e hematoma no terço superior externo da coxa direita.

  15. Tais lesões determinaram para LM 10 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral ou escolar.

  16. Os factos supra descritos ocorreram no interior da casa...

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