Acórdão nº 194/18.9T8SRP.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelCRISTINA DÁ MESQUITA
Data da Resolução27 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1.

BB, autora no processo de inquérito judicial relativo à Sociedade CC Lda.

que moveu contra DD, interpôs recurso do despacho proferido pelo Juízo de Competência Genérica de Serpa, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, o qual considerou inexistir motivo para proceder a inquérito e indeferiu o pedido de prestação de informações/documentos formulado pela autora.

O despacho sob recurso tem o seguinte teor: «Compulsada a resposta ao convite oferecida pela autora, é manifesto inexistir fundamento para proceder a inquérito, posto que os pontos indicados são, em suma, informações/documentos pretendidos obter. A presente ação de inquérito judicial à sociedade tem assim uma finalidade ou objetivo circunscrito à prestação de informações. Conforme decorre do disposto no artigo 1049.°, n.º 1, do Código de Processo Civil, o juiz deve decidir se há motivos para proceder a inquérito, e, como já dito, manifesto é, no caso vertente, que não há motivos para proceder a inquérito, mas pode determinar (ou não) que a informação pretendida pelo requerente seja prestada. Definido o que concretamente está em causa nesta ação de inquérito judicial à sociedade, que é, como já evidenciado, e renovamos, a prestação de informações, impõe-se a conclusão, também esta totalmente clara, que não há motivos para ordenar aos réus que prestem as informações pretendidas pela autora. Expondo a questão com a maior clareza que nos é possível, o pedido formulado pela autora, prende-se essencialmente - prende-se unicamente, na verdade - com o facto de não ter sido atendida à solicitação constante da missiva junta sob o documento 3 da petição inicial. Consabidamente o direito do sócio à informação, - artigo 214.° do Código das Sociedades Comerciais -, não é um direito ilimitado e desde logo a consulta da escrituração, livros e documentos da sociedade faz-se no local da sede social, não estando a sociedade sequer obrigada, nos termos do citado normativo, a remeter ao sócio cópia da sua escrituração. Portanto neste tocante nem sequer se pode falar em recusa. No que refere à «informação dada por escrito», igualmente prevista no citado normativo, o que está em causa é, desde logo, uma informação (e não cópias de documentos), portanto uma informação sobre um assunto da vida da sociedade em específico, pressupondo-se que a uma solicitação contextualizada ou circunstanciada do sócio, corresponderá uma resposta igualmente contextualizada ou circunstanciadas da sociedade; só assim se pode aferir se existe direito à informação. A missiva em questão não é um pedido de informação por escrito, com o referido sentido e alcance - e, portanto, nem se pode falar que à sociedade tenha sido solicitada uma determinada informação - é, na verdade, uma interpelação com vista a remessa de toda a documentação de que, em abstrato, se pode equacionar quanto à vida de uma sociedade, pedindo-lhe, na prática, que exponha ao sócio todos os dados da sua atividade, de forma indiscriminada, o que, evidentemente, não se comporta no direito à informação do sócio. Portanto, manifestamente, não apenas não há motivo para proceder a inquérito, como também não pode o tribunal atender ao pedido de prestação de informações/ documentos. Nestes termos, considero inexistir motivo para proceder a inquérito e indefiro o pedido de prestação de informações/documentos formulado pela autora. Custas da ação pela autora. Registe-se e notifique-se.» I.2.

A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões: «I.

Vem o presente Recurso de Apelação interposto da Sentença de fls. que considerou inexistir motivo para proceder a inquérito judicial à sociedade, e indeferiu o pedido de prestação de informações/documentos formulado pela Autora, ora Apelante.

  1. A Autora, aqui Apelante, é sócia da sociedade comercial, ora Recorrida, desde 25/02/2013, possuindo na mesma a participação social correspondente a uma quota com o valor nominal de € 1.000,00 (mil euros).

  2. Desde o início de 2018 que a Apelante tem sido afastada dos destinos da sociedade em que possui a referida participação de capital, não lhe sendo prestada qualquer informação sobre os destinos da mesma.

  3. Em face do exposto, a Apelante, no exercício do seu direito à informação sobre o estado, destino e estratégia de gestão da sociedade Apelada interpelou em 25/09/2018 o Apelado para este lhe prestar diversas informações.

  4. Sucede que o Apelado recusou-se prestar as informações solicitadas, não alegando nem demonstrando qualquer fundamento que legitime a posição assumida.

  5. Em consequência do impedimento ilícito ao exercício do direito de informação da aqui Recorrente, outra alternativa não restou à Autora senão lançar mão da ação especial de inquérito judicial à sociedade da qual é sócia.

  6. Com o devido respeito, no que se refere ao inquérito judicial nos termos peticionados pela Autora, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que "( ...) manifesto é, no caso vertente, que não há motivos para proceder a inquérito ( .. .]" .

  7. Por outro lado, no que se refere à prestação das informações solicitadas pela Autora, ora Apelante, andou mal o Tribunal a quo ao pugnar pelo entendimento de que a "a missiva em questão não é um pedido de informação por escrito, (...) é, na verdade, uma interpelação com vista a remessa de toda a documentação de que, em abstrato, se pode equacionar quanto à vida de uma sociedade, pedindo-lhe, na prática, que exponha ao sócio todos os dados da sua atividade, de forma indiscriminada, o que, evidentemente, não se comporta no direito à informação do sócio." IX. Entendimento este que merece a discórdia da Apelante e que motiva o presente recurso, pois resulta de uma interpretação dos artigos 214.º, 215.º e 216.º do Código das Sociedades Comerciais, violadora dos princípios gerais de Direito, pelo que nessa medida se impugna.

  8. A Apelante, fazendo uso do meio legal previsto no n.º 1 do artigo 214.º do CSC, efetuou o pedido de informação à sociedade Recorrida, o qual foi perentoriamente negado, vendo, assim, um dos seus direitos sociais ser lesado e afetado de forma irreversível.

  9. Com efeito, considerando a recusa injustificada ao pedido de informações que da ora Apelante, a mesma interpôs a presente ação, no desiderato de se proceder a inquérito judicial à sociedade e, consequentemente, obter as informações que se afiguram como imprescindíveis para o exercício dos seus direitos sociais.

  10. Consequentemente, no caso em apreço, estão reunidos os requisitos formais e substanciais para a utilização do inquérito judicial, mecanismo jurídico de defesa do status socii: a Apelante é detentora de uma participação social na referida sociedade e solicitou, por escrito, ao gerente da sociedade recorrida — órgão competente e capaz para o efeito - que lhe fossem prestadas informações acerca de diversos assuntos sociais, o que não logrou alcançar.

  11. Porém, as informações solicitadas não foram prestadas, não tendo a gerência logrado, sequer, alegar e demonstrar qualquer fundamento legal que legitime a posição assumida, pelo que é forçoso concluir que, nos presentes autos, a recusa da prestação das informações solicitadas pela Apelante é ilícita.

  12. O que confere à aqui Apelante a prerrogativa de requerer o inquérito judicial à sociedade na qual detém a sua participação social, sendo este o meio processual...

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