Acórdão nº 30/14.5GBODM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelGILBERTO CUNHA
Data da Resolução18 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: RELATÓRIO.

Decisão recorrida.

No processo comum nº30/14.5GBODM do Juízo de Competência Genérica de Odemira (juiz-1) do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, sob acusação deduzida pelo Ministério Público, os arguidos D. – UNIPESSOAL, Ldª, com o NIF… e sede no Edifício Malhoa Plaza, Avª José Malhoa, … em Lisboa e JJ, devidamente identificado nos autos, foram submetidos a julgamento perante tribunal singular, vindo por sentença proferida em 21-01-2019 a ser julgada procedente a acusação e em consequência a ser decidido o seguinte: 1. Condenar o arguido JJ, pela prática, em autoria material, de um crime de burla, p. e p. pelo artigo 217.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à razão diária de 7,00 (sete) Euros.

  1. Condenar a arguida D…Unipessoal, Lda., pela prática, em autoria material, de um crime de burla, p. e p. pelo artigo 217.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à razão diária de 100,00 (cem) Euros.

    Recurso.

    Inconformado com esta decisão dela recorreu o arguido JJ, pugnando pela sua absolvição da prática daquele crime e pela revogação do despacho exarado na acta da sessão de julgamento que ocorreu em 14-01-2019, que o condenou em multa por ter falta e não ter justificado a sua falta, rematando a motivação com as seguintes (transcritas) conclusões: «1ª.- O recorrente criou em 2013 a sociedade D… que se dedicava ao comércio electrónico de artigos domésticos; 2ª- Para tal efeito, a D… fazia publicidade comercial na empresa KuantoKusta, da Maia; 3ª.- Só que esta sentiu-se lesada, acabou o negócio e apresentou queixa criminal contra a D… no Tribunal da Maia; 4ª.- Em consequência desta atitude, a D… pôs termo ao negócio e não podia cumprir, apresentando-se à insolvência no Tribunal de Sintra, enquanto sugiram inúmeras queixas de lesados no Tribunal de Lisboa; 5ª.- Mas, o Ministério Público nos Tribunais da Maia e de Lisboa mandou arquivar as aludidas queixas criminais, por tudo ser de natureza cível; 6ª.- Na verdade, para haver burla, é necessária actuação com astucia, manha, aldrabice e não negócio organizado e funcional; 7ª.- Logo, o recorrente não praticou, não esteve ligado e não beneficiou do negócio em questão, em que não podia haver sombras de burla; 8ª.- E por não poder comparecer ao julgamento, requereu tempestivamente justificação para a sua falta, a qual era, e foi e só poderia ser absolutamente inconsequente.

    Nestes termos, o recorrente espera e confia que V. Exas., Senhores Desembargadores, concedam provimento ao recurso, com a revogação da sua condenação em multa e por crime de burla, fazendo-se assim Justiça!».

    Contra motivou o Ministério Público na 1ª Instância defendendo o acerto da sentença recorrida e do despacho impugnado, concluindo pela improcedência do recurso com a manutenção de ambas as decisões.

    Nesta Relação a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta acompanha a argumentação expendida na resposta ao recurso, sendo também de parecer que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente com a consequente manutenção da sentença recorrida.

    Observado o disposto no nº2 do art.417º, do CPP respondeu o arguido/recorrente reeditando no essencial a argumentação/entendimento por si expresso na peça recursiva.

    Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.

    Cumpre apreciar e decidir.

    FUNDAMENTAÇÃO.

    Poderes de cognição deste tribunal. Objecto do recurso. Questões a examinar.

    Os poderes cognitivos deste Tribunal conformam-se à revisão da matéria de direito, quer por que também não se alega nem ex officio se vislumbra qualquer dos vícios elencados no nº2 do art.410º, do CPP, quer por que o recorrente também não impugnou a matéria de facto nos termos estatuídos no art.412º, nº3 e 4 do CPP, centrando a sua dissidência relativamente ao julgado em matéria de direito, assim demarcando o objecto do recurso (art.412º, nº1, do CPP), tendo-se por definitiva a decisão proferida na 1ª Instância sobre a matéria de facto.

    Nestes termos, e tendo em consideração que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da correspondente motivação, as questões que delas emergem e que reclamam solução consistem em saber: 1.º Se deve ser revogado o despacho que sancionou o arguido/recorrente no pagamento de 2 Ucs por ter faltado à sessão de julgamento que ocorreu em 14-01-2019 (despacho exarado na respectiva acta – fls.455 verso e 456).

    1. Se a factualidade sedimentada na sentença recorrida tem aptidão ou não para integrar o crime de burla, pp. pelo art.217º, nº1 do Código Penal.

    Examinemos pela ordem indicada as questões enunciadas.

  2. ª Questão: Se deve ser revogado o despacho que sancionou o arguido/ recorrente no pagamento de 2Ucs por ter faltado à sessão de julgamento que ocorreu em 14-01-2019.

    O despacho sob censura exarado nessa sessão é do seguinte teor: «O arguido encontra-se regularmente notificado na morada do TIR (conferir fls.406 e 407, não compareceu, nem justificou até à data a sua falta, pelo que ao abrigo, do artigo 116º do CPP, se condena, o mesmo numa multa de 2 UCs».

    Liminarmente importa desde logo esclarecer, que o recorrente não aduz qualquer fundamento que invalide o despacho impugnado, limitando-se e manifestar o seu inconformismo com essa decisão.

    Posto isto, também não vem posta em causa a regularidade da sua notificação para o acto.

    Apesar disso e para dissipar alguma dúvida que subsista sobre a legalidade do despacho em causa sempre se dirá que a situação que emerge dos autos que o precedeu e relacionada com o assunto pode ser resumida da seguinte forma: Em 10-01-2019 o arguido recorrente apresentou um requerimento, onde além do mais e para o que aqui ora releva pediu que fosse dispensado de comparecer ao julgamento, por não poder vir a pé e não ter meios económicos para pagar a quem o conduza para o tribunal, tal como para pagar a deslocação do seu mandatário (cfr.446 verso).

    Essa pretensão foi indeferida por falta de fundamento legal pelo despacho exarado em 10-01-2018 (fls.449 verso) que é do seguinte teor: «Quanto à requerida dispensa de comparecimento no julgamento, é sabido que a presença do arguido em julgamento corresponde, não apenas a um direito do mesmo (cfr. artigo 61º, nº1, al.a) do Código de Processo Penal), mas também a um dever processual [cfr. artigo 61º, nº3, alínea a), 332º, nº1 e 333º, nº1 do Código de Processo Penal (e não civil como por mero e evidente lapso foi consignado)], sendo certo que, se necessário e se tal for requerido fundamentadamente pelo arguido, o tribunal proporcionará àquele as condições para a sua deslocação, nos termos previstos no art.332º, nº3 do Código de Processo Penal.

    O arguido pode, nos termos do nº2 do artigo 334ºdo Código de Processo Penal requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência, caso se encontre praticamente impossibilitado de comparecer à audiência, nomeadamente por idade, doença grave, ou residência no estrangeiro, sendo certo que, neste caso, apenas se determinará a deslocação do arguido ao tribunal caso a presença deste seja absolutamente indispensável (artigo 334º, nº3 do Código de Processo Penal).

    No caso, nem o arguido lançou mão do expediente previsto no nº3 do artigo 332º do Código de Processo Penal, nem os fundamentos invocados se enquadram no nº2 do artigo 334º do mesmo diploma.

    Em face do exposto, por falta de fundamento legal, indefere-se a requerida dispensa de comparência do arguido à audiência de julgamento».

    Sendo-lhe notificado na pessoa do seu Exmº Defensor o arguido não reagiu a este despacho.

    Assim, não tendo sido dispensado de comparecer, como havia requerido, nem tendo posteriormente requerido ao tribunal que lhe fossem proporcionadas condições à sua deslocação, sendo que em momento algum fez prova da sua invocada carência económica, e não tendo posteriormente feito qualquer outra comunicação com vista à eventual justificação da sua ausência, estando regularmente notificado, tinha o dever de comparecer à audiência, pela que a sua ausência foi injustificada, impondo-se nos termos dos arts.116º e 117º do CPP sancioná-lo por isso, com foi, no mencionado despacho.

    Por todo o exposto e sem mais desenvolvidas considerações por desnecessárias, não nos merece censura o despacho impugnado que, por isso mantemos.

    1. Questão: Se a factualidade sedimentada na sentença recorrida tem aptidão ou não para integrar o crime de burla, pp. pelo art.217º, nº1 do Código Penal.

    Pretende o arguido/recorrente que os factos sedimentados na sentença recorrida não integram o crime de burla, como foi considerado na sentença recorrida, constituindo antes ilícito de natureza cível.

    Vejamos.

    Na sentença recorrida foi dada como provada a seguinte factualidade: 1. Factos provados.

    Da audiência de julgamento, resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos: 1. A sociedade arguida D…, Unipessoal, Lda. é uma sociedade comercial por quotas, com o NIF…, com sede no Edifício Malhoa Plaza, na Avenida José Malhoa… Lisboa, e que tem por objecto social o «comércio online e em loja de equipamentos domésticos, som, imagem, electrodomésticos, informática, jogos e consolas, comunicações, impressão digital, artigos de marketing e publicidade, artigos de moda e seus acessórios, perfumes, artigos de papelaria, marroquinaria, artigos de bricolage e jardim, concepção e gestão de websites», o que faz desde, pelo menos, 10 de Agosto de 2011, data da sua constituição.

  3. A gerência de facto da sociedade arguida esteve, sempre e, pelo menos, até que esta foi declarada insolvente e lhe foi nomeada um administrador judicial, a cargo do seu único sócio gerente, o arguido JJ 3. No exercício das respectivas funções de gerência, era o arguido JJ quem, efectivamente, dirigia a actividade da sociedade arguida e que recepcionava e processava os pedidos de encomendas dos clientes e utilizadores do site denominado...

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