Acórdão nº 1448/15.1T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 31 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução31 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1448/15.1T8STB.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal[1] *****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I - RELATÓRIO 1.

BB e CC intentaram a presente acção contra DD e EE pedindo a condenação dos RR. a pagar-lhes a quantia global de 72.000,00€, acrescida de juros desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Em fundamento da sua pretensão, invocaram, em síntese, que na sequência de acção interposta pelos ora RR, os AA. foram condenados a entregar o prédio rústico daqueles, no qual havia sido adquirida, melhorada e habitada pelo pai do A. marido, António A…, entretanto falecido, uma casa.

Assim, com fundamento em enriquecimento sem causa, pretendem que os RR. lhes paguem uma indemnização correspondente ao valor de mercado da construção em causa.

Mais deduziram incidente de intervenção provocada, como seus associados, dos herdeiros de António A…, que identificaram, a fim de assegurarem a sua legitimidade.

  1. Regularmente citados, os RR. contestaram, invocando designadamente a prescrição do direito dos AA., alegando, em resumo que António A… faleceu em 28-08-2002, caducando o contrato de arrendamento rural em vigor; quando faleceu António A…, os aqui Autores passaram a residir na casa daquele sem consentimento dos ora Réus; os ora Réus solicitaram aos aqui Autores que abandonassem a casa e o terreno circundante; em 16/06/2003, os ora Réus propuseram acção declarativa com processo sumário contra BB e mulher CC, pedindo o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio urbano inscrito sob o art.º …, assim como a condenação dos Réus a entregarem-lhes o referido prédio inteiramente livre e desocupado de pessoas e bens, a retirarem da área adjacente do mesmo todos os animais, detritos e outros animais que ali possuíssem e no pagamento das custas do processo, incluindo as de parte; citados para contestar em 17/06/2003, os então Réus e ora Autores apresentaram Contestação com Reconvenção em 18/09/2003.

    Portanto, desde 28/8/2002, ou pelo menos desde essa data de 18/9/2003, os AA. podiam e deviam peticionar a indemnização em causa, pelo que o seu direito se encontra prescrito.

    Em reconvenção, os Réus, invocando igualmente o instituto do enriquecimento sem causa, peticionaram a condenação solidária dos Autores a pagar-lhes a quantia total de 111.855,50€, por terem usado e fruído continuada e ininterruptamente a referida casa, bem como o terreno envolvente, sem o seu consentimento, entre 28 de agosto de 2002 – data a partir da qual o Tribunal reconheceu que o prédio urbano inscrito na matriz urbana da freguesia de Grândola sob o art.º … é propriedade dos ora Réus –, e Novembro de 2014 – data da restituição do prédio urbano pelos ora Autores aos aqui Réus, desocupado de pessoas e bens.

  2. Os AA. responderam invocando, por sua vez, a prescrição do pedido reconvencional.

  3. Após a pronúncia de cada uma das partes sobre a possibilidade de conhecimento imediato da excepção de prescrição e do pedido reconvencional, foi proferido saneador sentença, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto julga-se procedente a invocada excepção de prescrição do direito dos AA. e, consequentemente, absolvem-se os RR. do pedido.

    Julga-se improcedente o pedido reconvencional e absolvem-se os AA. deste pedido».

  4. Inconformados, os Autores apelaram, finalizando a respectiva minuta recursória com as seguintes conclusões[3]: «A) Os RR. ora Recorridos, citados para contestar a ação movida pelos AA., contestaram a mesma, individualmente, apresentando cada um a respetiva peça, por exceção e por impugnação.

    B) A partir do artigo 8º ao artigo 34º das contestações, os RR. ora Recorridos invocam a prescrição do direito dos AA., alegando um conjunto de factos por via dos quais pretendem sustentar a mesma.

    C) Em sede de conclusão, os RR. apenas referem que deve a ação ser julgada improcedente por não provada e consequentemente ser o respetivo R. absolvido do pedido.

    D) Não é formulado pelos RR. qualquer pedido no sentido de ser julgada procedente a exceção perentória de prescrição que invocam.

    E) Salvo douta e melhor opinião, afigura-se pois que os RR. ora Recorridos invocam a exceção mas não formulam pedido de reconhecimento da prescrição do direito que os AA. ora Recorrentes se arrogam.

    F) Desta forma, o Tribunal, salvo douta e melhor opinião, não poderia conhecer da exceção, pelo que, conhecendo da mesma, conheceu para além do pedido, o que acarreta a nulidade da sentença, conforme prevê a al. b) do nº 1 do artigo 615º do C.P.C..

    Sem prescindir do que atrás se referiu, sempre se diga que: G) Entende o douto Tribunal a quo que o prazo prescricional para exercer o direito à restituição por via da figura do enriquecimento sem causa terá começado em 28/08/2002, data em que ocorreu a caducidade do contrato de arrendamento, por falecimento naquela data do pai do A. marido. (…) R) Olhando para o instituto do enriquecimento sem causa, o prazo de prescrição que o mesmo instituto prevê, conta-se a partir do momento em que o empobrecido teve conhecimento do direito à restituição por enriquecimento sem causa e da pessoa do responsável, o que equivale por dizer que esse conhecimento ocorre apenas e só com o trânsito em julgado da decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação de Évora no âmbito do processo 499/03.3TBGDL.

    S) Acresce ainda que, conforme vasta jurisprudência, nomeadamente do STJ, entende que o conhecimento do direito equivale à consciência da possibilidade legal do ressarcimento dos danos, o que equivale por dizer que essa consciência dos danos por parte dos AA. e ora Recorrentes só acontece a partir do momento em que há decisão judicial transitada em julgado que não reconhece a aquisição do direito de propriedade por usucapião a favor deles AA., e ordena a entrega do mesmo aos ora RR. e no referido processo AA.. (Vide neste sentido Ac. do STJ de 11/12/2012, Proc. 200/08.5TCGMR.S1, in www.dgsi.pt) T) Ainda se diga que, o enriquecimento dos aqui RR. e o empobrecimento dos aqui AA., efetivamente, só acontece com o trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do processo 499/03.3TBGDL, pois até essa data os respetivos direitos encontravam-se numa situação de incerteza, não havendo nessa altura nem empobrecidos nem enriquecidos, pelo que o prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa, deve também por esta razão ser entendido como se iniciando a partir do momento em que há empobrecidos e enriquecidos. (Neste sentido veja-se A. do TRL de 12/04/2011, Proc. 754/10.6TBMTA.L1-7, in www.dgsi.pt) U) Desta forma, o direito invocado na presente ação não se acha prescrito, uma vez que o prazo prescricional do mesmo, que é de 3 anos, se iniciou em 26/06/2014 e a presente ação entrou em Tribunal no dia 19/02/2015.

    V) O douto Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, acolhendo a invocada prescrição do direito dos AA. a serem ressarcidos por via do instituto do enriquecimento sem causa, não proferiu a melhor decisão, consentânea com os factos e com o direito aplicável, tendo com a mesma violado, nomeadamente, o preceituado nos artigos 306º, 473º e 483º, todos do CC.».

  5. Os Réus apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação.

  6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    *****II. O objecto do recurso.

    Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[4], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

    Assim, vistas as conclusões do recurso apresentadas pelos Recorrentes, as questões a apreciar consistem em saber se a sentença enferma de nulidade por conhecer para além do pedido quanto à excepção de prescrição; e, em caso negativo, determinar o dies a quo do prazo prescricional para o exercício pelos autores do direito à restituição por via do instituto do enriquecimento sem causa.

    *****III – Fundamentos III.1. – De facto Na sentença recorrida considerou-se «assente, com interesse para a decisão das questões em causa» que: «1) Os ora Réus propuseram acção declarativa com processo sumário em 16/06/2003 contra BB e mulher CC, que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Instância Central de Setúbal, Secção Cível, J3, Processo n.º 499/03.3TBGDL, pedindo o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio urbano inscrito na matriz urbana da freguesia de Grândola sob o art.º …, assim como a condenação dos Réus a entregarem-lhes o referido prédio inteiramente livre e desocupado de pessoas e bens, a retirarem da área adjacente do mesmo todos os animais, detritos e outros animais que ali possuíssem e no pagamento das custas do processo, incluindo as de parte.

    2) Citados para contestar em 17/06/2003, os então Réus e ora Autores apresentaram Contestação com Reconvenção em 18/09/2003.

    3) Com interesse para a boa decisão da causa foram dados como provados os seguintes factos: (segue-se a descrição que oportunamente se referirá na medida do relevante para a decisão deste recurso).

    4) Em face da matéria de facto dada como assente, o Tribunal de 1.ª Instância concluiu o seguinte: (que se restringe igualmente à parte ora relevante) “Tendo-se provado que Joaquim P… construiu o prédio urbano … sobre terreno que arrendava à THE A…, atuando sempre como se proprietário...

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