Acórdão nº 159/17.8T9ETZ.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos presentes autos, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Estremoz do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido AA, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 14.º, n.º 1, 26.º e 152.º, n.ºs 1, alínea b), 2 e 4, do Código Penal (CP).

O arguido apresentou contestação, preconizando a absolvição.

A ofendida, MM, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, peticionando a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 1.300,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais em consequência dos factos descritos na acusação.

Realizada audiência de julgamento e proferida sentença, decidiu-se: - julgar a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, - absolver o arguido da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1 e 2, do CP; - condenar o arguido, pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do CP, na pena de 4 (quatro) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano; - julgar totalmente improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil deduzido e, em consequência, - absolver o demandado desse pedido.

Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões: I)O presente recurso vem interposto da decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo de Competência Genérica de Estremoz que condenou o arguido AA, pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.

II) Porquanto, entendeu a Excelentíssima Senhora Dra. Juiz que a conduta do arguido dada como provada pelo Tribunal preenche o elemento objectivo e subjectivo daquele tipo de crime.

III) Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que aquela decisão violou o preceituado nos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal e nos artigos 339.º, n.º 4, 358.º e 359.º do Código de Processo Penal e artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, entre outros, assim como, o princípio da legalidade, o princípio do acusatório e o princípio da vinculação temática, porquanto; IV) Entende o Arguido, ora Recorrente, que a sua conduta não preenche o tipo objectivo do crime de ameaça na sua forma agravada e que o tipo subjectivo do mencionado crime também não se encontra preenchido.

  1. O bem jurídico protegido por este tipo legal de crime é a liberdade de decisão e de acção.

    VI) Quanto ao tipo objectivo do crime de ameaça agravada foi entendido erradamente pelo Tribunal recorrido que a conduta do arguido preenchia o elemento qualificativo da alínea a) do n.º 1 do artigo 155.º do Código Penal; VII) Contudo, como bem explica Taipa de Carvalho “Uma tal conclusão viola o princípio da legalidade (…). Portanto e em conclusão, a pretensa qualificação/agravação do crime de ameaça, em função da gravidade do crime objecto de ameaça (anterior n.º 2 do art. 153.º; actual al. a) do n.º 1 do art. 155.º) fica, praticamente, sem campo de aplicação. (…) Ora, uma agravação da pena estabelecida para um crime pressupõe, necessariamente, que a circunstância agravante não conste do crime fundamental, isto é, não conste do crime objecto de agravação; caso contrário, teríamos uma inconstitucional dupla valoração gravosa da mesma circunstância: esta seria circunstância fundamentadora (ou conditio sine qua non) da qualificação de uma ameaça como crime e, ainda, funcionaria como circunstância agravante!” VIII) Neste conspecto, a conduta do arguido, quanto muito, preencheria o tipo objectivo do crime de ameaça simples, a pena abstracta a aplicar seria a prevista no artigo 153.º, n.º 1 e não a prevista no artigo 155.º, n.º 1 do Código Penal, aplicada pela sentença recorrida.

    IX) Acresce que, no que respeita aos elementos do tipo subjectivo do crime de ameaça os mesmos não se encontram sequer mencionados na acusação deduzida pelo Ministério Público.

  2. Pois, o arguido veio a julgamento apenas acusado da prática de um crime de violência doméstica, ou seja, da acusação pública apenas constam elementos do tipo subjectivo do crime de violência doméstica, cujo “bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico, este que, pode ser afectado por toda uma multiplicidade de comportamentos que (…) afectem a dignidade pessoal do cônjuge” - acrescentamos nós, entre eles ameaças -, mas cujo elemento subjectivo não se pode confundir com o elemento subjectivo especifico do tipo de crime de ameaça.

    XI) Ora, tendo em conta a completa omissão dos elementos subjectivos e de censurabilidade do tipo legal de ameaça, não poderá - salvo melhor opinião - convolar-se o ponto 6 dos factos provados por alteração da qualificação jurídica para o referido tipo legal.

    XII) Pois tal não implicaria apenas uma alteração substancial ou não substancial dos factos ou de qualificação jurídica, mas uma completa adição de todos os elementos da responsabilidade criminal.

    XIII) Sobre esta questão existe já jurisprudência fixada, segundo a qual: “A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal.” – (Vide in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 1/2015, Relator: Rodrigues Costa, publicado em Diário da República n.º 18, Série I, de 2015-01-27).

    XIV) O processo penal em Portugal é de estrutura acusatória (artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa), depende do princípio da vinculação temática.

    XV) Esta estrutura acusatória é, pois, uma condição indispensável de garantia da defesa do arguido, que tem de saber com precisão e clareza aquilo de que é acusado e por que vai ser responder.

    XVI) Assim sendo, não poderia o Tribunal a quo ter condenado, conforme condenou, o arguido no crime de ameaça agravada.

    Termos em que e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao Recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, consequentemente, ser absolvido o Recorrente da prática de qualquer crime.

    O recurso foi admitido.

    O Ministério Público apresentou resposta, concluindo: 1. A condenação proferida pelo tribunal a quo decorreu de uma alteração da qualificação jurídica do crime de violência doméstica para o crime de ameaça agravada.

    1. A referida alteração não foi comunicada previamente, nos termos do artigo 358.º, n.

      os 1 e 3, do Código de Processo Penal.

    2. Pelo que, como tal, a sentença padece da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, pelo que, neste ponto assiste razão ao ora recorrente.

    3. A qualificação jurídica dos factos dados como provados na douta sentença ora recorrida não nos merece qualquer reparo, preenchendo os mesmos o crime de ameaça agravada, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

    4. Pelo que, neste ponto, cremos não assistir razão ao ora recorrente e não haver qualquer violação do princípio da legalidade.

    5. No que tange ao elemento subjetivo, também não nos merece nenhum reparo a douta sentença.

    6. Resulta dos factos dados como provados, que o ora recorrente agiu de forma voluntária, livre e conscientemente e que sabia as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal que podia e devia ter observado.

    7. E ainda que este quis molestar o bem-estar psíquico, a honra, a dignidade e a liberdade de decisão e de formação da vítima e que bem sabia que as expressões por si proferidas, de forma repetida e habitual, eram aptas a causar, direta e necessariamente, humilhação e desprezo pela vida da vítima.

    8. Pelo que ficam provados os elementos subjetivos do crime pelo qual vem o ora recorrente condenado nos autos.

      Termos em que, se entende ser de conceder provimento parcial ao recurso do ora recorrente, somente na parte em que se revogue a decisão recorrida, substituindo-se a mesma por uma que dê cumprimento ao disposto no artigo 358.º, n.

      os 1 e 3, do Código de Processo Penal, mantendo-se a douta sentença quanto ao demais.

      Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, fundamentado, acompanhando a referida resposta e no sentido do parcial provimento do recurso.

      Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), nada foi apresentado.

      Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

    9. FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as previstas nos arts. 379.º, n.º 1, e 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, designadamente conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995 e, ainda, entre outros, os acórdãos do STJ de 25.06.1998, in BMJ n.º 478, pág. 242, de 03.02.1999, in BMJ n.º 484, pág. 271, e de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, in www.dgsi.pt; Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3.ª edição, pág. 48; e Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, págs. 320 e seg..

      Delimitando-o, reside em apreciar: A) - da violação dos arts. 358.º e 359.º do CPP; B) - da absolvição pelo crime de ameaça agravada.

      No que ora releva, consta da...

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