Acórdão nº 440/18.9JALRA-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Fevereiro de 2019

Data19 Fevereiro 2019

I Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos autos de inquérito acima identificados, do Juiz 1 do Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, RR foi ouvido em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, findo o qual o Mm.º Juiz que a tal diligência presidiu entendeu que os autos indiciavam fortemente a prática pelo arguido de: Ø Um crime de homicídio qualificado na forma tentada p. e p. pelos art.º 14.º, n.º 1, 22.º, n.º 1 e 2, 23.º, n.º 1, 131.º e 132.º, n.º 1 e 2 al.ª c), e) e h), do Código Penal; e Ø Um crime de dano simples. p. e p. pelo art.º 212.º, n.º 1, do mesmo código.

E decretou, na parte que agora interessa ao recurso, aguardasse o arguido os ulteriores termos do processo sob prisão preventiva, nos termos dos art.º 191.º, 193.º, 196.º, 202.º, n.º 1 al.ª a) e b), por referência ao art.º 1.º al.ª j) e 204.º al.ª a) e c), do Código de Processo Penal.

O despacho em que assim decidiu tem o seguinte teor, citado apenas na parte que agora interessa ao caso: (…) Compulsados os autos afiguram-se fortemente indiciados os seguintes factos: No dia 9 de maio de 2018, pelas 15:00 horas, JV encontrava-se a trabalhar no terreno agrícola, sito em Rua da Escola, …, Torres Novas, propriedade de FD juntamente com o seu filho, JAV.

No mesmo circunstancialismo de tempo e lugar, também se encontrava o arguido, comproprietário do supra referido terreno agrícola.

Quando ali chegou, o arguido aproximou-se de JV e JAV e começou a gritar com estes, dizendo-lhes que não podiam cultivar no terreno nem estacionar a viatura no caminho que lhe dá serventia.

Devido ao comportamento agressivo do arguido, JV também começou a gritar com este.

Em ato contínuo, o arguido abandonou o local, dirigindo-se para o seu veículo automóvel de marca Volkswagen, modelo Golf, com a matrícula --AB que se encontrava estacionado junto à entrada do caminho de terra que dá acesso ao terreno agrícola.

Aí chegado, o arguido entra na sua viatura, coloca-a em funcionamento e, sem que nada fizesse prever, acelera e com a parte traseira embate violentamente na parte de trás do veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Peugeot, modelo 504, com a matrícula JU----, propriedade de JV, que se encontrava estacionado no início do caminho de terra.

Devido ao embate dos veículos automóveis, os vidros da porta da bagageira de ambos partiram-se, fazendo um grande estrondo.

De imediato, JV começou a correr para o local para ver o que se tinha passado.

Quando chegou, colocou-se junto à traseira do seu veículo automóvel.

Ao vê-lo naquele local, o arguido introduziu a marcha atrás e acelerou, tendo, mais uma vez, embatido com a parte de trás da sua viatura na traseira do veículo automóvel de matrícula JU-, esmagando o corpo de JV.

De seguida, o arguido chegou o seu veículo automóvel à frente e, introduziu novamente a marchas atrás.

Sucede que, JAV que vinha atrás de seu pai começou a gritar para o arguido, dizendo-lhe para parar pois aquele já se encontrava prostrado no chão cheio de sangue.

De imediato, o arguido retirou a mudança de marcha atrás e abandonou o local rapidamente.

Devido à gravidade dos ferimentos, JV foi, de imediato, transportado para o Hospital de Abrantes, local onde ainda se encontra internado, com prognóstico reservado e muito grave.

Como consequência direta e necessária da conduta do arguido, JV sofreu as seguintes lesões: - traumatismo torácico; - fraturas nas costelas (dorso direito); - pneumotórax traumático direito (lesão no pulmão); e - fratura exposta do fémur direito.

O arguido sabia que ao acelerar repentinamente o seu veículo automóvel e embatendo com o mesmo na parte traseira de outro veículo podia causar a morte a JV através de esmagamento de órgãos vitais e/ou hemorragias internas e externas.

Também sabia que a compressão de um corpo humano entre veículos automóveis é um meio particularmente perigoso para lhe causa a morte.

O arguido sabia que o facto de JV desenvolver trabalho agrícola num terreno seu em compropriedade com outras pessoas não era motivo para lhe tirar a vida, circunstância que só não se verificou por motivos alheios à sua vontade, nomeadamente rápida intervenção dos serviços de socorro dos bombeiros locais.

O ofendido nasceu em 10/09/1940.

O arguido sabia que o ofendido, em razão da sua idade claramente superior a 70 anos, tinha a sua capacidade de defesa significativamente diminuída sendo, por isso, mais difícil desviar-se do carro conduzido pelo arguido, naquelas circunstâncias, o que é do perfeito conhecimento deste.

O arguido agiu, assim, de forma deliberada, livre e consciente com o propósito não alcançado de tirar a vida a JV, através de uma conduta reveladora de especial censurabilidade, tendo em conta a futilidade do motivo.

O arguido agiu ainda de forma deliberada, livre e consciente com o propósito concretizado de provocar danos no veículo automóvel de JV.

O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

(…) Quanto às necessidades cautelares concretas concordamos com o Ministério Público quando refere existir perigo de fuga, tendo em conta não só a gravidade dos factos e as sanções que lhe estão associadas mas também o facto de o arguido viver maritalmente com uma pessoa de nacionalidade brasileira, sendo pois de temer que o arguido possa voltar para o Brasil tendo ai o apoio da sua companheira e eventualmente da família desta.

Não se encontra demonstrada nos autos qualquer impossibilidade jurídica de o arguido regressar ao Brasil posto que este já voltou a Portugal em 2007 e ainda que por efeito de alguma pena que aí lhe tenha sido aplicada o mesmo possa ter ficado temporariamente impedido de regressar, o mais provável é que tal proibição tenha já caducado atentos os mais de 10 anos decorridos.

Existe também perigo de continuação da actividade criminosa e perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas tendo em conta a natureza dos factos que aqui se conhecem e que demonstram uma personalidade violenta, com baixa tolerância à frustração e pouco controle de impulsos por parte do arguido.

De igual modo se nota que estes factos emergem de conflitos entre o arguido e seu irmão relacionados com partilhas nos quais o ofendido foi (apanhado) pois amanhava um terreno em litígio com autorização do irmão do arguido.

Tais conflitos ainda não estão resolvidos pelo que situações como as dos autos poderão voltar a repetir-se.

Notamos também que estes factos, dirigidos contra um ofendido com 67 anos de idade e praticados num meio pequeno e rural geram grave perturbação na ordem e tranquilidade públicas que podem vir mesmo a redundar em atitudes de Justiça popular com a possível prática de novos crimes.

Tudo ponderado entendemos como o Ministério Público que...

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