Acórdão nº 713/17.8PBFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos presentes autos, de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, que correu termos no Juízo Central Criminal de Faro do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, na sequência de acusação deduzida pelo Ministério Público, o arguido AA foi pronunciado pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de violência doméstica cometido com arma, p. e p. pelos arts. 152.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do Código Penal (CP) e 86.º, n.º 3, do Regime Jurídico das Armas e Munições (RJAM), e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 2.º, n.º 1, alíneas o) e na), 3.º, n.º 2, alíneas a), i) e j), 5.º, 34.º, n.º 2, e 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23.02, que aprovou o mesmo RJAM, bem como nas penas acessórias previstas nos n.ºs 4 a 6 do art. 152.º do CP e no art. 90.º, n.ºs 1 a 3, do RJAM.

CC deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, peticionando, a título de danos não patrimoniais, o montante de € 15.000,00, alegando, em síntese que, em consequência dos factos descritos na acusação, vive com vergonha, medo e ansiosa até hoje.

O arguido não apresentou contestação.

Em audiência de discussão e julgamento, procedeu-se a comunicação de alteração não substancial de factos e de qualificação jurídica, sendo que o arguido se pronunciou, sustentando não se verificar alteração dos factos, por se encontrarem já no despacho de acusação, e dever manter-se a qualificação jurídica.

Proferido acórdão, decidiu-se, além do mais: - condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, nºs 1, alínea a), e 2, do CP e pelo art. 86.º, n.º 3 do RJAM (Lei n.º 5/2006, de 23.02), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; - condenar o arguido AA pela prática de um crime de violação, p. e p. pelo art. 164.º, n.º 1, do CP, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; - condenar o arguido AA pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena de dez meses de prisão; - procedendo ao cúmulo jurídico das aludidas penas, condenar o arguido AA na pena conjunta de 5 (cinco) anos de prisão; - decretar a suspensão da execução da pena de 5 (cinco) anos de prisão aplicada ao arguido nos presentes autos, pelo período de 5 (cinco) anos, suspensão esta acompanhada de regime de prova e subordinada ao cumprimento pelo arguido de plano de reinserção social, devendo para além do mais: - frequentar curso com vista à prevenção da violência doméstica; - proceder ao depósito à ordem dos autos e durante o período da suspensão da execução da pena, de seis em seis meses, da quantia de € 1.500,00, a qual reverterá a favor da assistente; - sujeitar-se ao acompanhamento e fiscalização pela Direcção-Geral de Reinserção Social do cumprimento do presente plano de reinserção social, perante a qual ficará sujeito às seguintes obrigações: - receber visitas ou comparecer perante o técnico de reinserção social competente sempre que este o entenda por necessário; - comunicar ou colocar à disposição da D.G.R.S. todas as informações e documentos solicitados por este organismo; - condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos com CC pelo período de 4 (quatro) anos, devendo o seu cumprimento ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância; - julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido e, em consequência, condenar o arguido/demandado a pagar à demandante/assistente CC a quantia de € 15.000,00.

Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando - após convite, ao abrigo do art. 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (CPP) - as conclusões: I) O Recorrente foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica P.E.P pelo artigo 152.º n.º 1 alínea a) e n.º 2 do Código Penal e artigo 86.º n.º 3 do RJAM (Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro), na pena de três anos e seis meses de prisão.

II) O Recorrente foi também condenado pela prática de um crime de violação P.E.P pelo artigo 164.º n.º 1 do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão III) O Recorrente foi também condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida P.E.P pelo artigo 86.º n.º 1 alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de dez meses de prisão.

IV) O Tribunal resolveu condenar o Arguido AA na pena conjunta de cinco anos de prisão.

V) Salvo o devido respeito, o Tribunal A QUO julgou incorretamente os factos, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida prova.

VI) Com efeito, com o depoimento das testemunhas (Assistente, a filha da assistente e o filho da assistente) não ficou provado que o Arguido tenha praticado os crimes de violência doméstica e de violação (este último nem constava da acusação o que torna a sentença manifestamente nula uma vez que o Tribunal deveria ter comunicado ao MP os factos para abertura de novo inquérito).

VII) Deveria ter sido feita aplicação concreta do princípio IN DUBIO PRO REO. E não foi feita essa aplicação.

VIII) Assim sendo, e tendo em consideração que se está perante a palavra da Assistente contra a palavra do Arguido, é mais do que evidente que deveria ter sido dado a este o benefício da dúvida, coisa que não aconteceu, ao arrepio daquilo que mandaria o princípio IN DUBIO PRO REO.

IX) O Arguido não teve o propósito de ofender o corpo e a saúde da Assistente, nem tão pouco a sua honra, liberdade e dignidade, enquanto mulher e sua companheira.

X) O Arguido predispôs-se a prestar declarações em sede de audiência de julgamento.

XI) O Arguido colaborou com o Tribunal.

XII) O Arguido contou a sua versão dos factos ao Tribunal.

XIII) O Arguido explicou ao Tribunal que já tinha sido feito o seu relatório social.

XIV) O Arguido referiu que era agente da PSP desde o ano de 1991.

XV) O Arguido negou em Tribunal que tivesse chamado nomes à Senhora CC assistente nos autos.

XVI) Negou veementemente que controlasse a Assistente, contrariando assim a versão desta.

XVII) O Arguido referiu em Tribunal que nunca controlou os quilómetros do carro da assistente CC.

XVIII) O Arguido reconheceu que a Assistente tinha uma relação carinhosa com os filhos e mais disse que isso nunca o incomodou, antes pelo contrário.

XIX) O Arguido negou que alguma vez tivesse dito que andavam (A assistente e os filhos) a conspirar contra si, contrariando mais uma vez aquilo que foi a posição da assistente perante os factos.

XX) O Arguido negou também em sede de audiência de julgamento que alguma vez tivesse forçado a Senhora CC a ter relações sexuais consigo.

XXI) O Arguido reconheceu em Tribunal que chamou galdéria à assistente a dado momento, mas que nunca a agrediu, nem violou nem coisa que se pareça.

XXII) O Arguido negou veementemente que alguma vez tivesse apontado uma arma à Cara da assistente.

XXIII) O Arguido referiu também que nunca disse à assistente que a matava se ela o deixasse.

XXIV) A verdade é que a assistente o deixou e o Arguido não matou ninguém evidentemente.

XXV) Situação que corrobora a sua versão dos factos.

XXVI) Uma vez que cumpriu sempre com todas as medidas de coação que o Tribunal lhe impôs e não pretende ter mais qualquer relação, seja de que tipo for com a assistente.

XXVII) Não tendo antecedentes criminais nem disciplinares e sendo uma pessoa inserida na sociedade, pensamos que o Tribunal A QUO deveria ter dado mais relevância e credibilidade às declarações do Arguido.

XXVIII) O facto de a Assistente ter o seu discurso corroborado pelos 2 filhos é normal até porque desde que o Arguido saiu de casa e desde que surgiu o processo crime a verdade é que os filhos da Assistente passaram a residir única e exclusivamente com esta.

XXIX) Questão diferente que se coloca agora, deixando para trás a análise dos depoimentos dos vários intervenientes processuais é a de saber se era possível acrescentar o crime de violação ao crime de violência doméstica e ao crime de detenção de arma proibida.

XXX) O Arguido preparou toda a sua defesa tomando em consideração que estava acusado da prática de crime de violência doméstica e do crime de detenção de arma proibida.

XXXI) No final do Julgamento, e já após ter efetuado a sua defesa, na qual colaborou com o Tribunal, foi o Arguido confrontado, no nosso entendimento indevidamente, com uma alteração substancial de factos que entendemos não ter, com o devido respeito por opinião em sentido contrário, razão de ser, nem suporte legal.

XXXII) Efetivamente, no nosso entendimento e de acordo com o plasmado no aritgo 359.º n. 2 do CPP, O Tribunal deveria ter comunicado ao MP a alteração substancial de factos para que o mesmo desse início a um novo inquérito. O que não sucedeu.

XXXIII) Pela razão simples que o Arguido careceria sempre de oportunidade de se defender da nova acusação que lhe foi feita e já depois de feita a prova testemunhal. Tal situação tem, influência na medida da pena e nos prazos de prescrição dos factos de que vem o Arguido acusado e é, no nosso entendimento, com o devido respeito por opinião diversa, inadmissível.

XXXIV) Efetivamente a acusação de violação não vinha descrita na acusação (que aliás, com o devido respeito, tem várias falhas no que respeita ao enquadramento espaço temporal dos factos referindo-se muitas das vezes a factos em datas não concretamente apuradas).

XXXV) Situação que leva, no nosso entendimento, e salvo o devido respeito por opinião contrária, à nulidade da sentença nos termos exatos do artigo 379.º alínea b) do CPP: “É nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º”.

XXXVI) Nos termos do plasmado no artigo 359.º n.º 1 do CPP sob a epígrafe “Alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia”: “Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT