Acórdão nº 2966/16.0T9FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1. RELATÓRIO Nos presentes autos de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo Local Criminal de Albufeira do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido MM, imputando-lhe a prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos arts. 137.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (CP).

O arguido apresentou contestação, oferecendo o merecimento dos autos e tudo o que em sua defesa viesse a resultar da audiência de discussão e julgamento.

Realizado o julgamento e proferida sentença, decidiu-se absolver o arguido do crime de homicídio por negligência.

Inconformado com tal decisão, o Ministério Público interpôs recurso, formulando as conclusões: 1) Ao dar como "não provado" os factos integrantes do elemento subjectivo do tipo de crime em causa e designadamente que o arguido agiu sem a atenção que lhe era exigível no exercício da sua condução, em violação das regras de circulação rodoviária, que conhecia, designadamente à aproximação de uma zona destinada à travessia de peões, podendo e devendo representar a possibilidade de vir a colher um peão que viesse a atravessar a faixa de rodagem e, dessa forma, causar-lhe lesões na sua integridade física ou, mesmo, causar-lhe a morte, que efectivamente causou, a sentença recorrida incorreu no vício previsto no art.º 410º nº 2 alínea b) do C.P.P.

2) Da mera leitura conjugada dos factos provados e da fundamentação da matéria de facto dada como provada resulta evidente que o arguido não adoptou as medidas de cautela que se impunham ante o cenário que se lhe deparava e bem assim que conduzia a uma velocidade excessiva e desadequada às circunstâncias do caso concreto pois que assim não fosse teria evitado o acidente.

3) Verificando-se que os factos dados como não provados decorrem natural e logicamente dos factos dados como provados na sentença e bem assim da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto dada como provada, sendo inconciliável e uma contradição lógica dar uns como provados e outros como não provados, deve em consequência determinar-se que os "factos não provados" se desloquem para os "factos provados, proferindo-se sentença condenatória do arguido em conformidade. Caso assim não se entenda, deve determinar-se a remessa dos autos para novo julgamento nos termos do art.º 426º do C.P.P..

4) O Ministério Público impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do disposto no art.º 412º nº 3 e 4 do C.P.P. por entender que salvo o devido respeito o Tribunal a Quo absolveu o arguido porque fez uma errada apreciação da prova documental carreada para os autos e bem assim da prova produzida em audiência de julgamento.

5) Resulta das declarações do arguido, que este se apercebeu da presença da vítima, do seu posicionamento e do seu sentido de marcha, alguns instantes antes de esta decidir atravessar a estrada ("vinha do lado da curva, com os saquinhos das compras") pelo que ao contrário do que concluiu a Mma Juiz "a Quo", o arguido não dispôs apenas de uma fracção de segundo para accionar os travões.

6) O arguido deveria ter ficado alerta e adoptado as cautelas necessárias assim que viu a vítima a circular no passeio e aproximar-se da passadeira, ainda que aquela caminhasse paralelamente a ela e não desse qualquer sinal de querer atravessar.

7) O simples cenário que estava a ser visualizado pelo arguido - uma pessoa a circular no passeio junto de uma passadeira - por si só, deveria ter sido suficiente para aquele redobrar a sua atenção e a sua cautela por resultar das regras gerais da experiência e do saber comum que numa tal situação, em que existe uma passagem de peões e havendo pessoas a passar junto das mesmas, em qualquer momento o peão pode decidir atravessar a estrada.

8) Acresce ainda que o arguido seguia ao volante de um ligeiro de mercadorias (Carrinha de caixa aberta), transportando botijas de gás com um peso total de 600 kg, dentro da localidade de Albufeira, junto ao mercado municipal de Olhos de Água, num local onde existem duas passadeiras no espaço de 25 metros devidamente assinaladas com marcas no pavimento e com sinalização vertical e sendo certo ainda que se tratava da altura mais movimentada do ano, que é o mês de Agosto, como é facto público e notório.

9) Conhecendo o arguido de antemão as dimensões da viatura que conduzia e a carga transportada e não podendo ignorar as dificuldades acrescidas daí resultantes para imobilizar a mesma (é o arguido que salienta nas suas declarações que era impossível Parar uma carrinha a cerca de 2/3 metros carregada com 600kg de gás com a senhora a atravessar-se no final da passadeira), competia-lhe ter adequado a sua condução a essas circunstâncias, nomeadamente reduzindo a velocidade, de modo a que pudesse parar o veículo se necessário.

10) O arguido não previu o resultado que adveio da sua omissão, contudo era-lhe exigível que o fizesse, atenta a actividade profissional de condutor de veículos de distribuição de botijas de gás que exercia à data e a formação que recebeu para tal.

11) O Tribunal também não valorou devidamente a participação do acidente de viação de fls. 66 a 70 e o relatório fotográfico de fls. 125 e seguintes, os quais atestam que o arguido dispunha de ampla visibilidade e de todas as condições para poder abrandar e se necessário, imobilizar a viatura uma vez que se tratava de uma estrada com perfil em recta, o tempo estava seco e o piso em boas condições sendo certo ainda que a passadeira onde ocorreu o embate estava devidamente assinalada com marcas no pavimento e sinalização vertical.

12) Uma vez que o arguido confirmou em audiência ter-se apercebido da presença de MG a vir "do lado da curva" com sacos de compras, ressalta da conjugação de tais elementos probatórios a conclusão de que o arguido dispôs ainda de alguns instantes para seguir o trajecto da vítima e não apenas da fracção de segundo a que se refere a sentença.

13) Considerando as características da via e o local do embate, para que o mesmo fosse evitado bastava que o arguido tivesse abrandado a velocidade do veículo no instante em que viu MG a circular no passeio e em especial quando esta passava junto da passadeira.

14) No lapso de tempo que intermediou entre o momento em que o arguido se apercebeu da presença da vítima e o momento em que se deu o embate, poderia e deveria o arguido ter adoptado uma velocidade especialmente moderada em relação à velocidade máxima permitida no local, todavia, o arguido confiou, quando não deveria ter confiado, que a mesma não atravessaria a passadeira.

15) Não obstante a falta de prova directa sobre a velocidade concreta a que o arguido conduzia, os elementos probatórios (graves, precisos e concordantes) acima analisados, devidamente conjugados entre si, autorizam a concluir, com segurança, no sentido sustentado na acusação, ou seja, de que o arguido conduzia com velocidade excessiva.

16) Tendo-se apercebido da presença do peão junto da passagem de peões, tinha necessariamente condições de prever o eventual atravessamento da mesma e rodear-se dos cuidados necessários para evitar o embate, designadamente, abrandando a sua velocidade, de modo a poder travar e imobilizar a viatura no espaço livre e visível à sua frente.

17) Conforme vem entendendo a Doutrina e a Jurisprudência, em termos de previsibilidade de um certo resultado, teremos de analisar não só aquilo que é previsível e evitável para a generalidade das pessoas, mas também se para aquela pessoa em concreto, era previsível e evitável que um certo acontecimento se desse. Ou seja, deve medir-se a violação dos deveres objectivos de cuidado de acordo com aquilo que o agente é capaz de prestar, segundo o seu conhecimento e capacidades pessoais.

18) Tendo sido dado como provado que o arguido, à data dos factos, exercia profissionalmente há mais dois anos, diariamente, uma actividade de condução de veículos de distribuição de botijas de gás, podia e deveria o arguido ter previsto o que não previu e procedido em conformidade, ou seja, adoptando os cuidados e as diligências que as circunstâncias concretas impunham.

19) Não é objectivamente imprevisível que um peão que vai a circular no passeio junto de uma passagem de peões, a dado momento decida atravessá-la e muito menos para alguém que exerce profissionalmente a actividade de condução e transporte de mercadorias como é o caso do arguido.

20) Mesmo que, em concreto, não fosse de se prever o atravessamento, essa previsão está implícita nas normas dos art.ºs 24º e 25º do Código da Estrada, que impõem a especial redução de velocidade em certas circunstâncias, exactamente aquelas que criam mais perigo e em que mais se quer acautelar a segurança de todos os utentes da via, em especial os utilizadores mais vulneráveis, como os peões, e que o arguido deveria conhecer.

21) Muito embora no local a velocidade estivesse delimitada a 50 kms/h e o arguido a não tivesse excedido pois não accionou a sinalização luminosa delimitadora de velocidade ali existente, tal não obsta à conclusão de que o mesmo excedeu a velocidade no local, uma vez que tais limites gerais, cedem necessariamente perante os deveres especiais de moderação de velocidade nas situações previstas nas normas dos art.ºs 24º e 25º do Código da Estrada e que se verificavam no caso concreto - Neste sentido o Acórdão da Relação de Guimarães de 25/09/2006, Proc. 1312/06-2.

22) O resultado verificado era objectiva e subjectivamente previsível uma vez que o arguido divisou a vítima, não tinha qualquer obstáculo físico à sua frente, pelo que nada o impediu de travar ou abrandar. Se não o fez foi porque adoptou uma condução que não lhe permitiu executar tais procedimentos de modo a poder imobilizar a viatura no espaço livre e visível à sua frente em caso de atravessamento da passagem de peões.

23) Por outro lado, é inquestionável que quando iniciou a travessia...

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