Acórdão nº 145/16.5GBSTC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelFERNANDO PINA
Data da Resolução21 de Maio de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA: I. RELATÓRIO A – Nos presentes autos de Instrução, com o nº 145/16.5GBSTC, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Competência Genérica de Santiago de Cacém – Juiz 1, o Ministério Público deduziu acusação contra MF, imputando-lhe a prática, como autora material e sob a forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1 e, 145º, nº 1, alínea a), do Código Penal, por referência aos artigos 132º, nº 2, alíneas c) e, e), 14º, nº 1, e, 26º, do Código Penal.

A arguida MF, veio requerer a abertura da instrução.

Admitido requerimento, foi declarada aberta a instrução, foram realizadas as diligências probatórias tidas por convenientes e, realizado o competente debate instrutório, foi proferido despacho de pronúncia da arguida MF, pela prática em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1 e, 145º, nº 1, alínea a), do Código Penal, por referência aos artigos 132º, nº 2, alíneas c) e, e), 14º, nº 1, e, 26º, do Código Penal.

Inconformada com o assim decidido, recorreu a arguida MF, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: I. O presente recurso vem interposto da decisão instrutória que pronunciou a arguida pelos factos constantes da acusação deduzida a fls. 187 e seguintes dos autos, com a alteração do ponto 5° desta, entendendo que tais factos são susceptíveis de consubstanciar a prática pela arguida de um crime de ofensas à integridade física qualificada, previsto e punível pelos artigos 143°, n° 1, 145°, n° 1, alínea a) - por referência ao artigo 132°, n° 2, alíneas c) e e) - e artigo 14 °, n° 3 e 26°, todos do Código Penal, decisão com a qual a arguida não se conforma por entender que tal decisão é nula e sempre o julgamento indiciário da matéria de facto não foi correcto, pelo que incorrecta foi a decisão de Direito que lhe correspondeu; II. O Tribunal de Instrução Criminal não apreciou muitas das questões, essenciais, que a arguida colocou à sua apreciação com a abertura de instrução, com o que feriu a decisão de nulidade, nos termos do disposto no artigo 379°, n° 1, alínea c) do Código de Processo Penal; III. No requerimento de abertura de instrução a arguida deu cumprimento ao disposto no artigo 287°, n° 2, do Código de Processo Penai, visando demonstrar que os factos constantes do ponto n° 2 da acusação pública não se encontram suficientemente indiciados no inquérito, invocando as razões e argumentos para tal conclusão; IV. Especificamente, a arguida concretizou factos relativos à posição da arguida e do menor no local, ao gesto da arguida, à intensidade deste, ao local do contacto e à motivação da arguida, todos constantes de 2º da acusação, tendo transcrito os diversos depoimentos que, sobre os mesmos, foram prestados no inquérito pelas únicas pessoas que afirmaram tê-los presenciado, pretendendo demonstrar que a tese da acusação não se encontra indiciada no inquérito, V. A arguida entende ter resultado indiciado do inquérito, quanto ao facto 2° da acusação, que a arguida, sentada e estando o menor sentado à sua frente, com a finalidade de ensinar o menor, repreendendo-o, pretendia tocar-lhe na boca para que pusesse a língua para dentro, tendo-lhe antes tocado no nariz, que sangrou por ter hemorragia anterior - expendeu diversa argumentação que, no seu entender, demonstra a improcedência da tese constante da acusação e concluiu pela não pronúncia da arguida; VI. O Tribunal recorrido não se pronunciou sobre qualquer destes factos, argumentos e conclusões, todos constantes do requerimento de abertura de instrução e que foram submetidos à sua apreciação, sendo que sobre a inexistência de indícios de muitos destes factos não era necessária a produção de prova testemunhal, bastando a apreciação do alegado pela arguida; VII. Perante a falta de pronúncia do Tribunal a quo, a arguida desconhece os motivos pelos quais o Juiz de Instrução considera que tais factos não são suficientes para infirmar a tese da acusação, uma vez que a decisão foi insuficientemente fundamentada, apenas dando como reproduzida a acusação; tal é manifestamente insuficiente, mesmo em face do disposto no n° 1, do artigo 307°, do Código de Processo Penal, pois o juiz de instrução tem que explicitar os motivos pelos quais, nomeadamente, não viu nos factos e nos elementos probatórios indicados pela arguida a virtualidade suficiente para infirmar a tese da acusação; VIII. O Tribunal estava obrigado a fundamentar a decisão, designadamente apreciando os factos que a arguida submeteu à sua apreciação, porque essenciais à boa decisão da causa e à descoberta da verdade material, dado serem respeitantes à actuação concreta da arguida que lhe é imputada na acusação; IX. Não o tendo feito, a decisão instrutória é nula, nos termos do disposto no artigo 379°, n° 1, alínea c), do Código de Processo Penal, o que se invoca com todos os efeitos legais; Sem conceder.

X. O Tribunal recorrido substituiu a expressão com o propósito “de provocar as referidas lesões”, constante da acusação, por “sabendo ser a sua conduta susceptível de provocar as referidas lesões e conformando-se com essa realização”, assim passando a conduta descrita na acusação a ser imputada à arguida a título de dolo eventual; XI. A alteração efectuada parte da constatação de que não existe qualquer prova ou indício de que a arguida tenha agido com “o propósito de magoar a criança”, ou que “tivesse a arguida, realisticamente, o propósito de provocar as lesões”, com o que se concorda; no entanto, XII. Não existe qualquer prova ou indício de que a arguida soubesse que a sua alegada conduta era susceptível de provocar as lesões e, mesmo assim, se tenha conformado com o resultado, sendo que o dolo, mesmo que eventual, carece de estar fundamentado em factos que o sustentem, o que não acontece nos presentes autos, nenhum indício existe de que a arguida tenha representado a possibilidade de a sua pretensa conduta provocar as lesões e, ainda assim, tenha decidido agir, ao contrário do que consta da decisão recorrida.

XIII. Não se encontra indiciado nos autos, designadamente do inquérito e da instrução, que a arguida tenha esbofeteado o menor; tal esbofeteamento não existiu; XIV. Em face da inexistência de prova ou indícios de actuação dolosa, sempre tal constatação teria que determinar a imputação à arguida dos factos a título de negligência, por violação do dever de cuidado; não obstante, consideramos que igualmente inexistem factos que suportem um juízo de negligência, pelo que deveria ter sido proferida decisão de não pronúncia; XV. Atendendo à matéria de facto indiciada nos autos, quer no inquérito, quer ria instrução, para além da nulidade da decisão, tem que concluir-se que o julgamento da matéria de facto indiciaria foi incorrectamente efectuado e, em consequência, não estão preenchidos os elementos do tipo legal de crime de ofensa à integridade física, pelo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 205 °, n° 1, da Constituição da República Portuguesa, nos artigos 307°, n° 1 e 374º, n° 2, do Código de Processo Penal e no artigo 143°, do Código Penal; ainda que assim não se entendesse, hipótese que se coloca por cautela de patrocínio, sem conceder, sempre deveria julgar-se indiciada a prática, pela arguida, do crime de ofensas à integridade física por negligência, previsto e punido pelo artigo 148°, do Código Penal; XVI. Deve, em conclusão, julgar-se nula a decisão instrutória, com todos os efeitos legais; caso assim não se entenda, deve revogar-se a decisão instrutória recorrida, substituindo-se por outra que decida não pronunciar a arguida ou, subsidiariamente, a pronuncie pela prática de um crime de ofensas à integridade física por negligência, previsto e punido pelo artigo 148°, do Código Penal.

Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, declarando-se a nulidade da decisão instrutória...

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