Acórdão nº 183/19.6T9LLE-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ MARIA MARTINS SIMÃO
Data da Resolução19 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a Ia Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I- Relatório Nos autos de inquérito, com o número acima mencionado, que correm termos pelos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo Local Criminal de Loulé - Juiz 3), o Mmo Juiz de Instrução determinou por despacho de 10-07- 2019, proferido após o primeiro interrogatório judicial, que o arguido J…, id. a fls. 3 aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito às seguintes medida de coação: - Termo de identidade e residência já prestado nos autos; - Proibição de contactar a ofendida por qualquer forma e directa ou indirectamente, assim como na proibição de entrar ou permanecer na residência onde a ofendida habita, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 191.°, 192.°, 193.°, 196.°, 200.° e 204.° todos do Código de Processo Penal, e 31.° da Lei 112/2009, de 16 de Setembro.

E determinou tais medidas por haver fortes indícios da prática em autoria material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art° 152°, n° 1 al. d) e n° 2 do Código Penal e por se verificarem os perigos de continuação da atividade criminosa, de perturbação do decurso do inquérito.

Inconformado o Ministério Público recorreu, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões: «I. O arguido J…, ouvido em 1 ° interrogatório judicial de arguido detido, foi sujeito, pelo Mmo Juiz de Instrução a quo, para além do Termo de Identidade e Residência já aplicado, à medida de coacção de proibição de contactos, sem vigilância electrónica e à proibição de entrar na residência onde a ofendida habita.

  1. Indicia-se fortemente, de acordo com as provas constantes nos autos, a prática de crimes, extremamente graves, atentas as circunstâncias e os motivos pelos quais foram cometidos, como sejam, a violência doméstica praticada na pessoa da ofendida, mãe do arguido, pessoa idosa, doente cardíaca e de reduzida mobilidade e, por isso, especialmente vulnerável.

  2. O douto despacho recorrido, salvo o devido respeito por opinião contrária, pese embora tenha reconhecido a elevada gravidade dos factos imputados ao arguido e à existência de elevados e manifestos perigos de continuação da actividade criminosa e de perturbação do decurso do inquérito, consubstanciado no perigo de o mesmo em liberdade coagir as testemunhas presenciais a alterar o sentido dos seus depoimentos a seu favor, em relação às quais nenhuma medida de coacção foi aplicada ao arguido, mormente a medida de coacção de proibição de contactos com as testemunhas.

  3. Assim, o crime que fortemente se encontra indiciado nos autos é, sem dúvida, o crime de violência doméstica, p. e p. pelo art° 152° n" 1 ai, b), c) e n" 2 do Código Penal.

  4. O douto despacho recorrido, salvo o devido respeito por opinião contrária, labora em contradição e em erro, quando refere, por um lado, que os factos são graves não só pelas consequências que advieram à ofendida, e que há perigo de condicionamento dos depoimentos das testemunhas, conhecidas do arguido e que presenciaram os factos, para depois incompreensivelmente considerar somente as ameaças de morte e injurias cometidas durante 7 anos na residência da ofendida com quem o arguido vivia, fortemente indiciadas e não a agressão de 5.06.2019 da ofendida, para fundamentar a desaplicação da medida de coacção de prisão preventiva promovida pelo Ministério Público e aplicar a proibição de contactos com a ofendida e afastamento do arguido da residência desta desacompanhado de vigilância electrónica.

  5. As ameaças de morte e injúrias durante 7 anos em contexto de violência doméstica contra idosos, na residência da ofendida fortemente indiciadas pela prova recolhida em inquérito, ao contrário do sustentado pelo douto despacho recorrido, não são, de acordo com as regras da experiência comum de vida, irrelevantes para deixar desprotegida a vitima com uma proibição de contactos e afastamento da residência desacompanhada de vigilância electrónica, posto que atento o escalar crescente de violência contra a mãe que não dava ao arguido o dinheiro que este lhe exigia para financiar o seu vício toxicodependente e que culminou no episódio de agressão em 5.06.2019, sustentado pelo depoimento objectivo da própria vitima, tal não impedirá o arguido de voltar a praticar na pessoa da vitima factos semelhantes e quiçá de maior gravidade.

  6. Por outro lado, não somente é desadequado, desproporcional à gravidade dos factos, como ineficazes as medidas de coacção aplicadas pelo Tribunal a quo, porquanto o arguido já mostrou à saciedade que em liberdade comete factos de violência contra pessoas (basta atentar ao indiciado facto de que cumpriu pena efectiva pela prática de crime de tráfico de estupefacientes e saído em liberdade de 2012 foi viver para casa da ofendida sua mãe, mantendo-se desempregado e a exigir dinheiro para financiar o seu vicio de consumo de estupefacientes e de álcool, através de ameaças de morte e injúrias, o que faz diariamente desde então até 5.06.2019 e que culminou numa grave agressão contra a sua mãe, doente e idosa, de tal forma que esta teve que sair de casa e ir para um lar, a fim de proteger a sua vida), a promovida medida de coacção de prisão preventiva.

  7. De salientar que esta propensão para a violência contra as pessoas é demonstrada à saciedade pelo arguido, uma vez que as cerca de 10 testemunhas presenciais inquiridas nos autos, temem o que o arguido lhes possa fazer, designadamente pode ameaça- las de morte se estas não mudarem o sentido do seu depoimento durante o decurso do inquérito ou mesmo na fase de julgamento, perigo real este apesar de reconhecido pelo douto despacho recorrido, incompreensivelmente não decretou ao arguido uma medida de coacção que salvaguardasse esse perigo, designadamente a proibição de contactos com as testemunhas.

  8. Com efeito, as medidas de coacção efectivamente decretadas, não salvaguardam os perigos reais reconhecidos pelo douto despacho recorrido, designadamente no caso concreto não impedem o arguido de continuar com a actividade criminosa, nomeadamente em liberdade poderá contactar com a ofendida, entrando na sua residência e concretizar as ameaças, agredindo-a ou matando-a, bem como, por que não proibido, está livre para contactar com as testemunhas e ameaça-las de morte a fim destas mudar o sentido dos seus depoimentos.

  9. Nenhuma outra medida de coacção se afigura adequada a remover os perigos douta e expressamente reconhecidos pelo despacho ora recorrido, na medida em que pelo facto de o arguido se mover facilmente entre a sua residência e a da ofendida, e de ter uma personalidade violenta, a aplicação da proibição de contactos e afastamento de residência desta, sem qualquer vigilância ou controlo, não reduz ou evita urna possível reincidência criminal, atentos os factos supra expendidos.

  10. Apenas a prisão preventiva se mostra adequada a remover de forma cabal os perigos supra descritos e simultaneamente proporcional à gravidade dos factos praticados e às sanções que previsivelmente lhe virão a ser impostas; Termos em que deverá o presente recurso merecer provimento e, por conseguinte, ser o despacho recorrido objecto de revogação e ser, por isso, substituído por outro que aplique ao arguido J… a medida de coacção de prisão preventiva, por ser a única apta a satisfazer, de forma adequada, proporcional e necessária, as exigências cautelares que o caso concreto exige e reclama.

Vossas Excelências, porém, decidindo farão, como sempre, Justiça».

O arguido respondeu ao recurso pugnando pela manutenção do despacho...

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