Acórdão nº 226/16.5GBGDL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 03 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução03 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1.

No processo comum singular n.º 226/16.5GBGDL, do Tribunal de Comarca de Setúbal (Grândola), posteriormente à publicação da sentença foi proferido um despacho a declarar perdidas a favor do Estado as armas que haviam sido apreendidas ao arguido AA, no decurso do inquérito.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo: “I.O presente recurso vem interposto do despacho a quo que declarou perdidas a favor do estado as armas apreendidas ao arguido; II. Os requisitos gerais de uma sentença constam do art. 374º do C.P.P., exigindo o nº 3, alínea c) que "A sentença termina pelo dispositivo que contém: A indicação do destino a dar a coisas ou objetos relacionados com o crime"; III. O art. 186º do CPP, relativo à restituição dos objetos apreendidos, determina que, "Logo que transitar em julgado a sentença, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados perdidos a favor do Estado", mais se acrescentando que "Ressalva-se do disposto nos números anteriores o caso em que a apreensão de objectos pertencentes ao arguido ou responsável civil deva ser mantida a título de arresto preventivo, nos termos do artigo 228º; IV. A douta sentença, já transitada em julgado, é omissa no que tange o destino a dar às armas que foram apreendidas ao arguido e, em nenhuma passagem faz referência a tais armas como direta ou indiretamente associadas aos factos e ilícitos crime imputados e porque foi condenado o arguido; V. As armas apreendidas estão devidamente legalizadas, estando o arguido legitimado a deter as mesmas; VI. O arguido é caçador e é no âmbito dessa atividade que utiliza as armas; VII. Conforme se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 22/05/2018, "Os bens apreendidos no processo penal não podem ser declarados perdidos a favor do Estado, em despacho proferido após a sentença"; VIII. O despacho ora em crise viola os artigos 186.° e 374.°, nº 3, alínea c) do Código de Processo Penal.

IX. O art. 109°, nº 1 do C. Penal exige que o agente tenha praticado o facto típico e ilícito com o objeto apreendido [pressuposta a relação de causalidade adequada] ou, pelo menos, que a tanto se dispusesse fazer, o que nos remete para o campo da tentativa; X. Sucede que os factos dados como provados nos autos não incluem a utilização, pelo arguido, de qualquer uma das armas de fogo apreendidas, em ameaças que fez à ofendida ou em qualquer outra circunstância, nem existe, por outro lado, o mínimo indício de que fosse propósito do arguido vir a usar qualquer uma das referidas armas para coagir ou ofender a integridade física da ofendida; XI. Para que possa ser declarado perdido a favor do estado exige-se a demonstração da perigosidade do objeto, cumulativamente com a sua utilização na prática do crime, quer aquela perigosidade se traduza na colocação em risco da segurança das pessoas, da moral ou da ordem públicas ou em sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos ilícitos típicos, quer derive da própria natureza do objeto ou das circunstâncias do caso.

XII. Perigosidade que tem de assentar em factos e juízos concretamente apurados e formulados pelo tribunal, não se presumindo; XIII. Não só as armas em questão não serviram para a prática dos factos ilícitos típicos descritos na acusação, como nada nos permite inferir que estivessem destinadas a servir para esse fim, pelo que não se pode afirmar que sejam instrumentos dos crimes pelos quais o arguido foi acusado e condenado.

XIV. Não está verificado o pressuposto material exigido pelo art. 109° do Código Penal para a perda de bens aí regulada.

XV. O Despacho a quo carece de toda e qualquer fundamentação, limitando-se a reproduzir, ipsis verbis, o teor da promoção do Ministério Público; XVI. Ao decidir como fez o despacho a quo viola o disposto no artigo 109.° do Código Penal.

XVII. Deve o despacho ora em crise ser revogado e substituído por outro que determine a devolução ao arguido das armas apreendidas nos autos.” O Ministério Público respondeu ao recurso, pronunciando-se desenvolvidamente no sentido da improcedência.

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto acompanhou a resposta ao recurso.

Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.

  1. O despacho recorrido é do seguinte teor: “Concordo na íntegra com a douta promoção que antecede.

    Na verdade, considera-se que atenta a personalidade do arguido e a sua postura perante os factos dados como provados, bem como a natureza do crime pelo qual foi condenado, a matéria de facto provada e as penas que lhe foram aplicadas, a restituição das armas aqui apreendidas poderão ser utilizadas para o cometimento de novos factos típicos ilícitos.

    Face ao exposto, indefere-se o levantamento da apreensão.

    Mais declaro, pelos fundamentos acima expostos, as mencionadas armas perdidas a favor do Estado (art. 109.°, n.º do CP), ficando depositadas à guarda da PSP, a qual promoverá o seu destino (art. 78.°/1 do DL n." 5/2006, 23.02).

    Notifique.” Por relevarem também para a decisão do recurso, procede-se à transcrição dos factos provados da sentença condenatória, proferida em data anterior ao despacho recorrido: “1. O Arguido AA foi casado com a ofendida desde 1994 a té Outubro de 2016.

  2. Da relação nasceram duas filhas, PP nascida em 21.06.1995 e VP nascida em 07.05.2001.

  3. Residem em Estrada da Praia de Melides…- Grândola, sendo que o Arguido residia no R/c e a vítima com as suas duas filhas no 1.- andar daquela vivenda.

  4. A relação de ambos foi pautada por discussões do casal sendo que nessas ocasiões o Arguido gritava e dizia (sic)...

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