Acórdão nº 7/18.1GAORQ.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | ANA BARATA BRITO |
Data da Resolução | 10 de Setembro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na Secção Criminal: 1.
No Processo n.º 7/18.1GAORQ, da Comarca de Beja (Almodôvar), foi proferida sentença a condenar o arguido RR como autor de um crime de violência doméstica agravada do art. 152º, nº 1 als. b-) e c-) e n° 2 do CP, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na execução pelo período de 4 anos, nas seguintes condições: - sujeição do arguido a tratamento contra o alcoolismo o arguido fazer tratamento contra o consumo de álcool, acompanhado de apoio psicológico para o qual o arguido já deu o seu consentimento (em audiência de julgamento); - proibição de uso e porte de arma durante 4 anos; - pagamento pelo demandado à demandante da indemnização no valor de 5.500,00 euros; - proibição de contactos com a ofendida, AA, presenciais e telefónicos (voz e escrita), mediante vigilância eletrónica, por 6 meses, com aparelhos que funcionem bem, devendo os atuais serem substituídos pela entidade competente.
Foi ainda julgado procedente o pedido de indemnização civil, no valor de 5.500,00 euros (cinco mil e quinhentos euros), deduzido pela assistente/demandante AA Inconformados com o decidido, recorreram o arguido e a assistente, concluindo: O arguido “I. A Douta Sentença proferida encontra-se ferida de nulidade insanável, uma vez que condenou o Arguido com base em factos que ocorreram após o limite temporal fixado pela acusação.
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O presente processo teve acusação proferida em 18 de Maio de 2018, e relata factos alegadamente praticados pelo Arguido, desde data não concretamente apurada e até 20 de Janeiro de 2018.
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O Recorrente veio a ser condenado, também, por factos alegadamente ocorridos a 11 de Novembro de 2018.
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O nosso processo penal tem estrutura acusatória, integrada no princípio da verdade material, conforme Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2015.
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O princípio da investigação da verdade material tem de ser exercido nos limites traçados na acusação ou na pronúncia.
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A actividade cognitiva e decisória do Tribunal está estritamente limitada pelo limite temporal constante da acusação.
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O Tribunal a quo deveria ter-se abstido de, em sede do presente processo, analisar factos que ocorreram após o limite temporal fixado na acusação, e que eram objectivamente supervenientes.
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Ao não fazê-lo, e ao dar como provados os factos elencados como 25. e 28., a Douta Sentença ficou ferida de nulidade insanável.
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Ainda que se considere que todos os factos dados como provados o foram de forma processual e legalmente válida, sempre a decisão deveria ter sido a da absolvição do Recorrente.
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Na verdade, está em causa uma relação conjugal entre o Recorrente e a Demandante que durou cerca de 11 anos, pautada pela baixa escolaridade de ambos e o consumo de álcool originava discussões entre o casal, e no âmbito das quais o Recorrente proferiria as expressões constantes da Douta Sentença.
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A Douta Sentença refere genericamente que as situações ocorreram várias vezes, sem concretizar a frequência com que as mesmas aconteciam, dando apenas como provadas quatro circunstâncias que resultaram minimamente concretizadas factual ou temporalmente.
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Ou seja, durante 11 anos, o que existiu foi uma relação conjugal marcada por discussões e excesso de consumo de álcool, num ambiente de alguma miséria moral e de princípios.
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A própria ofendida diz, sem margem para dúvidas, que o Recorrente é um bom homem e marido, mas que se altera quando bebe.
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Ora, de todo o depoimento da Ofendida, bem como das demais testemunhas ouvidas, não resulta que a conduta do Recorrente se tenha revestido de uma especial gravidade, com desrespeito pela dignidade da sua companheira.
XV.Dos factos dados como provados nos presentes autos não se pode retirar o preenchimento do crime de violência doméstica, pois não resultaram provados quaisquer atos violentos que, pela sua imagem global e pela sua gravidade, devam ser tidos como desrespeitadores da pessoa da vítima, ou do desejo de prevalência e de dominação sobre a mesma, e, logo, suscetíveis de serem classificados como maus tratos.
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Os factos considerados como provados, quer os pouco verdadeiramente concretizados, quer os outros que não o foram, não integram maus tratos, e, consequentemente, não podem ser integradores do tipo de crime de violência doméstica.
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Apesar de todo o alarme social, diga-se fundamentado, sobre situações de violência doméstica, não podem os Tribunais incorrer no fácil erro de considerar todos os desentendimentos, faltas de educação ou de idoneidade moral ou comportamental como violência doméstica.
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Os factos que preenchem o tipo de crime de violência doméstica têm que ser classificados como maus tratos, não podendo as relações ser analisadas por um modelo padrão e socialmente adequado, mas concretamente o que realmente são, com os seus integrantes e as suas condições humanas, sociais e morais.
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No caso em concreto, considera-se que não se verificam os pressupostos ou requisitos da prática, em autoria material, por parte do Arguido, de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152.º do Código Penal, pelo que deveria o mesmo ter sido absolvido.
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Ainda que assim não se entenda, e se considere que os factos dados como provados consubstanciam a prática por parte do Recorrente do crime de violência doméstica de que estava acusado, tendo em conta os factos provados, os seus antecedentes criminais, e ainda a moldura penal do crime em causa, considera-se que a pena concretamente aplicada mostra-se, e salvo o devido respeito, manifestamente desadequada e desproporcional.
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A fixação duma pena de prisão no mínimo legal, suspensa por igual período, suspensão essa sujeita, quanto muito, à frequência de tratamento do consumo de álcool, seria a decisão adequada à situação em concreto.
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Por outro lado, e finalmente, a indemnização cível que o Recorrente foi condenado a pagar, e considerando os danos provados, também se mostra exagerada e desproporcional.
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Os factos dados como provados referentes ao pedido de indemnização são meramente conclusivos, não assentando em factos concretos.
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Nem os factos manifestam gravidade tal que mereçam uma indemnização de 5.500,00€.
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A sentença recorrida violou, assim o disposto nos artigos 152.º, n.º 1 al. a) e n.º 2, al. a), artigo 40.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 70.º e 71.º todos do Código Penal, e ainda o artigo 359.º do Código de Processo Penal.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V.as Ex.as Doutamente suprirão, deverá: - a Douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que não dê como provados factos ocorridos após o despacho acusatório, e, a fim, absolva o Recorrente do crime de violência doméstica do qual vem acusado; ou caso assim não se entenda, - a Douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que fixe a pena de prisão a aplicar ao Recorrente no mínimo legal, suspendendo a mesma por igual período, reduzindo ainda o montante indemnizatório a uma quantia adequada aos danos sofridos pela Demandante, assim se fazendo a costumada.” A assistente “1- Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal a “a quo”, aqui dada por integralmente reproduzida, na qual foi decidido ( VI- Dispositivo) : “a) condenar o arguido pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de violência doméstica agravada, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c) e n.º 2, do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão; b) suspender a execução da referida pelo período de 4 anos, ao abrigo do disposto no art. 50.º n.º 5, do Código Penal, nas seguintes condições ( art. 50.º n.º 3 , 51.º n.º 1 e 152.º n.º 4, parte final do CP); 2-A Recorrente não coloca em causa a decisão proferida sobre a matéria de facto julgada assente e provada pelo Tribunal a quo.
3- O objecto do recurso versa unicamente a apreciação da seguinte questão: A suspensão da execução da pena de 4 anos de prisão, por se entender que o Tribunal a quo procedeu a uma incorrecta e imprecisa interpretação e aplicação do disposto no art. 50.º do Código Penal.
4-Considerando-se, assim, que o direito não foi corretamente aplicado no que concerne à suspensão da execução da pena, 5-O art. 50.º, n.º1 do Código Penal, enuncia os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão e nos termos deste preceito legal: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” 6- O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão impõe que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos, o que, in casu se verifica.
Não obstante, 7- O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal, tendo em conta a personalidade do arguido e as circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, 8- Constituindo assim, pressuposto básico da aplicação da pena de substituição, a existência de factos que permitam um juízo de prognose favorável relativamente ao seu comportamento futuro.
9- O Tribunal deve, pois, estar plenamente convencido de que a censura inserta na condenação, bem como a ameaça de execução da pena de prisão sejam suficientes para que o arguido se abstenha de adoptar condutas que possam determinar a efectivação dessa mesma pena.
10-No caso concreto, tal não se verifica, porquanto, o arguido: a) Manteve uma postura de negação dos factos ao longo de todo o julgamento não interiorizando minimamente o desvalor da conduta, sustentando um discurso desculpabilizante em relação à sua pessoa; b) Afirmou que 98% dos factos que constam da acusação não correspondiam à verdade, não confessando os factos; c) Ao longo de todas as suas declarações...
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