Acórdão nº 46/17.0JAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução10 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos presentes autos, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Lagos do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido TS, imputando-lhe a prática, como autor material, de um crime de violação, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 26.º, 1.ª parte, e 164.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal (CP).

O arguido apresentou contestação, pugnando pela sua absolvição.

Realizado o julgamento, a acusação foi julgada totalmente procedente e, em consequência, o arguido foi condenado: - pela prática de um crime de violação, p. e p. pelo art. 164.º, n.º 1, do CP, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova; - no pagamento da quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) à ofendida KJ.

Inconformada com a decisão, a ofendida, que se constituiu como assistente, KJ interpôs recurso, formulando as conclusões: O Ministério Público, ao abrigo do disposto no art.º 283.º do Código de Processo Penal, deduz ACUSAÇÃO em PROCESSO COMUM, com intervenção de TRIBUNAL SINGULAR (art.º 16.º n.º 3 do CPP) contra o arguido: 2.

Imputando ao mesmo, a prática de um crime, em autoria material e na forma consumada, um crime de violação, p. e p. pelas disposições conjugadas do art.º 26.º 1.ª parte, art.º 164º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, com uma pena de prisão de três a dez anos; 3.

Por via de conclusão a 14/09/2017, o MP deduziu a acusação supra indicada e determinou que, ao abrigo da faculdade prevista no art.º 16.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, entendeu não ser de aplicar ao arguido, em sede de julgamento e em caso de condenação, uma pena concreta de prisão superior a cinco anos; 4.

E sobre toda a Acusação em causa e as formalidades inerentes, relevam factos “a posteriori” certamente relevantes, os quais colocam em causa um grave e grosseira violação dos mais elementares Direitos, Liberdades e Garantias da nossa Constituição; 5.

  1. QUESTÃO PRÉVIA A APRECIAR:

  2. O processo e grande parte da sua tramitação encontra-se, com o devido respeito, repleto de falhas graves e omissões inaceitáveis; B) A ofendida, aliás cidadã britânica, não foi em momento algum, formalmente citada ou notificada, nomeadamente do despacho de acusação; C) Por isso, não teve em tempo útil conhecimento da acusação e muito menos do prazo que lhe assistia, de se constituir assistente, assim como peticionar o pedido de indeminização civil; D) Existiram numerosos contactos com o consulado britânico, nomeadamente emails, que se encontram juntos ao processo; E) Nos quais nomeadamente é possível aferir uma declaração expressa da aqui ofendida, no sentido de se constituir assistente, assim como poder peticionar o respetivo PIC, o que lhe diminuiu consideravelmente as suas garantias de defesa; Toda esta informação ficou “arredada”; F) Em circunstância alguma se fez representar por qualquer mandatário no processo, a não ser pelo aqui subscritor no DIA de JULGAMENTO; G) Ficando a aqui ofendida sem qualquer possibilidade de fazer valer os seus direitos em conformidade e conforme lhe assistia; H) O aqui subscritor e mandatário, apenas teve contacto com o processo no dia do julgamento, pois foi “indicado” por uma associação PROBONO e quis prestar o seu mandato; I) E apenas chegou ao contacto com a ofendida a residir em Inglaterra, dias antes do julgamento; J) Mesmo que pretendesse invocar no início da audiência qualquer irregularidade nos termos do CPP, o mandatário nem tempo teve para preparar convenientemente a sua defesa; K) Face a uma confissão integral dos factos sem reservas, o julgamento seguiu com a presença da ofendida, cidadã britânica, que muito revoltada ficou com o julgamento em tribunal singular e não coletivo; L) E face a tal notificação inexistente, nem tão pouco pôde a ofendida usar da faculdade de requerer a intervenção hierárquica do MP, nos temos do nº 2 do artigo 278º do CPP; M) Bem como a ausência de qualquer despacho do tribunal “a quo”, em momento próprio, sobre o saneamento do processo, no âmbito do artigo 311º do CPP; N) Por requerimento, enviado via email, datado de 12 de Outubro de 2018, a ofendida solicitou a confiança do processo, bem como, a sua disponibilidade via CITIUS, sem que até à presente data tenha merecido qualquer Despacho; O) O que não permite sequer ao aqui subscritor exercer e associar a posição da ofendida como interveniente processual; II) DA DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA: 6.

Estamos perante um crime de Violação, ou de abusos sexuais, com contornos gravíssimos e com visíveis consequências nefastas na vítima, cuja sentença o tribunal “a quo” classificou o comportamento do arguido como “de ilicitude elevada, atento o grau de violência exercido, tendo logrado os seus intentos, sendo também de relevar que o arguido terá agido com dolo intenso, porquanto na modalidade de direto”.

7.

Considera a defesa fundamental este recurso para que o julgamento seja repetido com recurso a um coletivo de juízes (diminui a margem de erro na apreciação dos factos e aumenta a possibilidade de uma decisão mais justa), por forma a valorar os princípios das garantias de defesa e de um processo equitativo, bem como a verificação dos direitos de defesa, mas também, e quiçá principalmente, o direito a um processo justo”.

8.

Como sabemos, nos casos em que o limite mínimo da pena abstrata é superior a 5 anos não pode o M.P. requerer que os ilícitos sejam julgados por Tribunal Singular, porque o seu poder de condicionar a pena máxima e determinar a competência do Tribunal Singular, não envolve o de baixar a pena mínima abstrata, o que se traduziria esta situação numa verdadeira violação das regras da competência material do tribunal e do princípio da separação de poderes, na medida em que extravasava do intervalo de penas fixado pelo legislador, criando uma punição diferente; 9.

No entanto, sabemos que tal não sucede quando os crimes são punidos com pena de prisão de 3 a 10 anos podendo o limite mínimo da moldura abstrata deste crime ser de 3 anos, onde não se verifica utilização imprópria da faculdade prevista no artigo 16º/3 do Código de Processo Penal pelo M.P., na medida em que não há uma utilização que acarrete a redução da pena mínima abstrata aplicável.

10.

Todavia, tal como resulta do art.º 32º, nº 1 do Código de Processo Penal, o conhecimento da incompetência do tribunal é por este conhecida e declarada oficiosamente até ao trânsito em julgado da decisão final.

11.

Ora o crime que vem imputado ao arguido é grave, tanto mais que motivou que o próprio Ministério Público não se opusesse ao arbitramento da quantia por parte do tribunal a favor da vítima, tendo sido solicitada a elaboração de relatório social; 12.

Nestes termos é entendimento da ofendida que os fundamentos invocados pelo MP, para usar a prerrogativa do nº 3 do artigo 16 do CPP, não colhem como deveriam; 13.

O Tribunal da Relação de Évora, por Acórdão de 12.4.2016, já se pronunciou, no âmbito de um conflito negativo de competência, bem assim o Tribunal da Relação do Porto por Acórdão de 21.6.2006, sobre a questão da fixação da competência material do Tribunal, bem como do controlo jurisdicional da prerrogativa conferida ao M.P. pelo art.º 16º/3 do C.P.P.

14.

Como é sabido, o conhecimento da incompetência do Tribunal é conhecida e declarada por este até ao trânsito em julgado da decisão final - art.º 32º/1 do C.P.P.

15.

Quanto à fixação da competência material para a realização do julgamento parece-nos que dúvidas também não existem de que a dedução de uma acusação não só fixa ou delimita o objeto do processo, como torna tendencialmente estáveis os sujeitos do mesmo, assim como a competência do Tribunal.

16.

No caso concreto, o Ministério Público assumiu [entendeu] que face aos factos que descreve na acusação e respetiva subsunção jurídica-penal, não deveria ser aplicada ao arguido pena de prisão superior a 5 anos, caso este viesse a ser condenado e se optasse pela aplicação de uma pena de prisão.

17.

A formulação de tal juízo pelo MP pressupõe uma compreensão e avaliação prévias da dignidade penal e da gravidade do caso objeto de acusação, situando-os em concreto, com fundamento em motivação objetiva, dentro de uma sub-moldura da pena inferior à moldura prevista para o respetivo tipo legal de crime, 18.

O crime imputado ao aqui arguido (um crime de violação, p. e p, pelas disposições conjugadas do art.º 26,º 1,ª parte, art.º 164º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal), são punidos com uma moldura penal abstrata de pena de prisão de 3 a 10 anos e não são da competência exclusiva do Tribunal Coletivo (alínea a) do nº 2 do artigo 14º do C.P.P., única situação em que, a verificar-se, o Sr. Juiz Singular deveria declarar-se incompetente) e admitem a atribuição de competência ao Tribunal Singular (nº 3 do citado art.º 16º).

19.

Todavia e no caso dos presentes autos, o Sr. Juiz do Tribunal a quo no âmbito dos poderes que eram atribuídos legalmente e ao receber a douta acusação deduzida pelo M.P. contra o aqui Arguido, não usou da prerrogativa de proferir despacho a que alude o artº 313º do C.P.P, no qual poderia reiterar a competência do Tribunal Singular para a realização do julgamento ou remeter para Tribunal Coletivo, bem como não proferiu despacho a que alude art.º 311º do Código de Processo Penal; 20.

Sobre o controlo jurisdicional da prerrogativa conferida ao M.P. pelo art.º 16º/3 do C.P.P., releva que no caso em apreciação o tribunal “a quo”, aceitou expressamente o despacho que recebeu a acusação, pois designou dia para a realização do julgamento ao abrigo do art.º 313º do C.P.P.; 21.

Bem sabemos que, podemos pois ter por assente que a lei em vigor não atribui ao juiz poderes para sindicar a prerrogativa ora em análise: tal atribuição cabe ao superior hierárquico, oficiosamente [Circular n.º...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT