Acórdão nº 914/18.1T9ABF-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA FERNANDA PALMA
Data da Resolução13 de Abril de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora Nos autos de Instrução nº 914/18.1T9ABF, do Juiz de Instrução Criminal de Portimão, J1, da Comarca de Faro, datado de 13-10-2020, o Mmº JIC proferiu o seguinte despacho (ato jurisdicional): “O Tribunal é competente

Da (in)validade da prática dos actos processuais – os pedidos de abertura da instrução

Na sequência da prolação do despacho de acusação vieram os arguidos LMPN e de FV requerer a abertura da instrução por meio dos requerimentos de fls. 153 e s. e de fls. 157 e s., remetidos a juízo por correio electrónico

Cumpre aquilatar da respectiva (in)validade

É admissível o envio, por correio electrónico, do requerimento de abertura da instrução à luz do teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2014, publicado no DR 1.ª série, n.º 74, de 15 de Abril de 2014, que pôs termo a decisões contraditórias a tal respeito, quando fixou a seguinte jurisprudência: «Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal»

Todavia, a validade endoprocessual do requerimento remetido a juízo por correio electrónico está condicionada à observação das regras constantes da Portaria n.º 642/2004, de 16/06, nomeadamente, nos seus artigos 3.º, n.ºs 1 a 3 e 10.º

O primeiro, com a epígrafe “valor jurídico”, prescreve assim: «1 - O envio de peças processuais por correio electrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, bastando para tal a aposição de assinatura electrónica avançada

(…) 3- A expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea»

O segundo, com a epígrafe “correio electrónico sem validação cronológica”, dispõe: «À apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia»

Na situação em apreço, os dois requerimentos de abertura da instrução foram remetidos a juízo por correio electrónico, cf. fls. 156 e fls. 161, mas sem a aposição de assinatura electrónica e sem validação cronológica – MDDE, em qualquer deles

Daqui decorre que o modo de envio dos requerimentos não se ajusta à norma de permissão que se extrai do artigo 3.º, n.ºs. 1 e 3, da Portaria 642/2004

Os dois requerimentos de abertura da instrução foram remetidos a juízo por correio electrónico simples

A ser assim, como é, rege o artigo 10.º da referida portaria, o qual prescreve a aplicabilidade do regime estabelecido para o envio através de telecópia

Tal regime consta do DL 28/92, de 27/02

Releva, em suma, o artigo 4.º do referido decreto-lei, que com a epígrafe «força probatória», prescreve, no que ora importa, assim: «1- As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respectivos duplicados e os demais documentos que os acompanhem, quando provenientes do aparelho com o número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exactos, salvo prova em contrário

3- Os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos»

O prazo de 7 dias deve ter-se alargado para 10 em consequência do disposto no artigo 6.º, n.º 1, al. b), do DL 329-A/95, de 12-12

Já decorreram mais de dez dias contados desde a data do envio dos dois correios electrónicos (21/09/2020) até à presente data (13/10/2020)

Até este momento não ocorreu a entrega dos originais de qualquer um dos dois requerimentos de abertura da instrução, nem tão pouco, se verificou a respectiva remessa por correio, o que se consigna para os termos do artigo 10.º da Portaria 642/2004, de 16/06, cf. fls. 347 e 349 (supra ponto II)

O recebimento dos requerimentos de abertura da instrução, nas condições referidas, teria por consequência com as palavras Exm.ª Desembargadora Maria João Sousa e Faro: «Permitir a prática de um acto sem ser pela forma processualmente estabelecida, representa um intolerável favorecimento da parte que infringe a regra em detrimento da outra que a acata e, à sombra da prevalência do primado da substância sobre a forma, abrir-se-á a porta à eventual admissibilidade de interposição de recursos por outras vias igualmente perspectiváveis (v.g. através de envio de um CD) e, por esse motivo, à instalação do arbítrio» - fim de transcrição – negrito no original – Ac. da Relação de Évora de 10/10/2019 (Proc. 2428/10.9TBEVR.E2), acessível em www.dgsi.pt

A realização de um convite por parte do Tribunal, para junção dos originais, redundaria na obnubilação de dever legalmente imposto (o previsto n.º 3 do artigo 4.º do DL 28/92) e na “implosão” do prazo peremptório de 20 dias para requerer a abertura da instrução previsto no artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal

Tal procedimento acabaria, assim, por desequilibrar, sem que para tanto se vislumbre razão válida (e não a constitui o esquecimento, a ligeireza, ou o desconhecimento) os interesses em conflito que gravitam no procedimento processual penal

Finalmente, e de fundo, não existe “norma de habilitação” que dê guarida ou imponha a realização de tal convite e a norma que existe, ressalvado o devido respeito por opinião contrária, não é compatível com a realização de convite pois dela antes decorre a imposição de um dever: o de entregar ou remeter a juízo os originais

Decidindo, Pelos fundamentos expostos, porque legalmente inadmissíveis, rejeito os requerimentos de abertura da instrução apresentados pelos arguidos LMPN (cf. fls. 153-156) e FV (cf. fls. 157-161), ao abrigo do disposto no artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal

Notifique

Oportunamente remeta os autos à distribuição.” Inconformado com o decidido, recorreu o arguido FV, nos termos da sua motivação constante de fls. 1 a 12 dos presentes autos de recurso em separado, concluindo nos seguintes termos: 1. O Arguido, apresentou em tempo o Requerimento de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT