Acórdão nº 55/20.1GJBJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Abril de 2021

Data27 Abril 2021

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório

  1. No 2.º Juízo (1) Central Cível e Criminal de Beja, do Tribunal Judicial da comarca de Beja procedeu-se a julgamento em processo comum perante tribunal coletivo de MJBB, filho de JJB e de GCB, natural de …, nascido a …, casado, …, residente na Rua …,em …, …, a quem foi imputada a prática, como autor, dos seguintes ilícitos penais: - dois crimes de abuso sexual de menor dependente, previstos no artigo 172.º, § 1.º do Código Penal (CP), com referência ao artigo 171.º, § 1.º CP, agravado nos termos do disposto no artigo 177.º, § 1.º, al. b) CP; - e um crime de abuso sexual de menor dependente, previsto no artigo 172.º, § 1.º CP, com referência ao artigo 171.º, § 1.º e 2.º CP, agravado nos termos do disposto no artigo 177.º, § 1.º, al. b) CP

    Não foi apresentado pedido de indemnização civil

    O arguido contestou, juntou documentos e arrolou testemunhas

    A final o tribunal proferiu sentença, na qual condenou o arguido pela prática, como autor, em concurso real, de: - um crime de abuso sexual de abuso sexual de menor dependente, previsto no artigo 172.º, § 1.º CP, com referência ao artigo 171.º, § 1.º CP, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão; - um crime de abuso sexual de abuso sexual de menor dependente, previsto no artigo 172.º, § 1.º CP, com referência ao artigo 171.º, § 1.º CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; - e um crime de abuso sexual de menor dependente, previsto no artigo 172.º, § 1.º CP, com referência ao artigo 171.º, § 1.º e 2.º CP, na pena de 4 anos de prisão

    Operando o cúmulo jurídico das penas, condenou-se o arguido na pena única de 6 anos de prisão

    b) Inconformado com a decisão o arguido recorreu, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «2º- Nos termos do artigo 374º, nº1 do CPP: “A sentença começa por um relatório, que contém: d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.” 3º- Sucede que, não obstante na douta sentença ora em crise se tenha feito constar que o arguido contestou, juntou documentos e arrolou testemunhas, não é feita qualquer menção - ainda que sumária - das conclusões contidas na citada peça processual e assim, nos termos do disposto no artigo 379º, nº1, alínea a) do CPP é nula a sentença que não contiver as menções referidas nos nºs 2 e 3, alínea b) do artigo 374º do CPP

    1. - Incorreu ainda o Tribunal a quo em manifesto erro de julgamento da matéria de facto, pois que existem pontos de facto dados por provados que foram incorretamente julgados- artigo 410º, nº3 do CPP, concretamente os pontos 7º, 8º e 29º da lista dos factos provados

    2. - Concretamente quanto ao ponto 29º, entende o arguido, salvo o devido respeito e melhor opinião, que não foi produzida em audiência de julgamento prova relativamente a vários aspetos no mesmo consignados, em 1º lugar, não resultou provado que desde o dia 01.04.2020 até ao dia 01.05.2020, isto é todo o período em que a vítima permaneceu na sua residência, este tivesse mantido o propósito de satisfazer os seus instintos libidinosos, e que durante esse período tivesse concretizado os atos que foram dados por provados na douta sentença recorrida

    3. - Por outro lado, não resultou também provado em audiência de julgamento que tais atos perpetrados só tivessem cessado quando a menor abandonou a sua residência após relatar o sucedido à sua progenitora

    4. - O que o arguido considera ter resultado provado foi que, em três ocasiões que se situam a partir do dia 19.04.2020 e o dia 01.05.2020, o mesmo terá adotado as condutas descridas nos pontos 9º, 12º e seguintes e 18º e seguintes

    5. - As concretas provas que impõem decisão diversa, são passagens constantes do registo áudio do dia 13/01/2021: ficheiro 20210113102945-das 10h29m às 10h56m; das declarações da testemunha CMRCR, em que se funda a impugnação

    6. - Por conseguinte devem estes factos ser eliminados da lista dos factos provados passando a fazer parte da lista dos factos não provados

    7. - O Tribunal a quo alicerçou a sua convicção em todos os meios de prova produzidos em audiência, valorados na sua globalidade, designadamente, um do vídeo efetuado pela menor

    8. - Esse vídeo não foi objeto de impugnação pelo arguido em audiência de julgamento, mas vem o mesmo fazê-lo em sede de recurso

    9. - Uma coisa é a existência do vídeo, coisa diversa é a questão da respetiva admissibilidade como meio de prova para a formação da convicção por parte do Tribunal a quo

    10. - A questão da ilicitude do recurso ao meio de obtenção de prova em apreço é entendimento pacífico da Jurisprudência, por força do disposto no artigo 187º do CPP

    11. - O caso vertente não é subsumível em qualquer hipótese consagrada no preceito legal supra aludido, porquanto, o vídeo não foi feito com conhecimento do arguido, não foi precedido de despacho fundamentado de Juiz de instrução e/ou mediante requerimento do Ministério Público, nem sequer o tipo de ilícito em causa se enquadra em qualquer dos previstos nos nºs 1 e 2

    12. - Ainda assim, por força da norma remissiva do artigo 189ºdo CPP, tal o vídeo integra o elenco dos meios de prova proibidos

    13. - Tudo gerador de nulidade deste meio de obtenção de prova (artigo 190º do CPP), não podendo, por tal, as provas obtidas por esta via, e que foram valoradas pelo douto acórdão, ser tidas em consideração: artigo 126º, nº3 do CPP

    14. - E assim, a matéria de facto dada por provada desde os pontos 19º a 25º da lista dos factos provados, a ser dada por provada, não o poderá ser nos termos e com a precisão ai reproduzida, na medida em que o detalhe ai descrito decorreu da visualização do vídeo

    15. - No que respeita à decisão acerca dos fundamentos subjacentes às diversas medidas das penas aplicadas ao arguido, e que, a afinal, se cumulou, importa dizer que o Tribunal a quo recusou fundamentar as opções de prisão ou liberdade em relação a cada uma delas, omitindo assim pronúncia, nos termos do artigo 379º, nº1, alínea e) do CPP, antes proferindo criar as condições para se autojustificar a inevitabilidade de um cúmulo que ordenasse a prisão efetivo do arguido, por força do consagrado no nº1 do artigo 50º do C.P

    16. - A este propósito cotejando a dosimetria penal com as penas aplicadas no caso “Casa Pia”, a medida da pena mostra-se particularmente após cúmulo, gritantemente desproporcionada

    17. - Ainda a propósito da medida e fins das penas, o Tribunal a quo não valorou o depoimento das testemunhas oferecidas pelo arguido, seja a propósito da sua vida, do seu caráter, limitando-se a fazer remissão destes depoimentos para o relatório social elaborado pela DGRS; assim omitido pronúncia nos tersos do disposto nos artigos 379º, nº1, alínea c) do C.P.P

    18. - Por último, entende o arguido que as penas parciais e a pena global que lhe foram aplicadas são excessivas, e estando muito próximas dos seus mínimos, deverá optar-se, como é de Lei, pela suspensão da execução da pena, ao abrigo do disposto no artigo 50º do Código Penal, ainda que sujeitando-o a regime de prova, permitem satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto requer

    Termos em que, sempre com mui douto suprimento de v/exas., deve o presente recurso ser apreciado, merecendo provimento de v/exas, com a consequente:

  2. Declaração de nulidade da sentença, por não conter as mencões referidas no artigo 374º, nº2 do CPP, conforme dispõe o artigo 379º, nº2, alínea a), ambos do CPP; b) Sejam considerados não provados parte dos factos 7º, 8º e do 29º da matéria de facto provada, em virtude de terem sido incorretamente julgados, e existirem concretas provas, que impõem decisão diversa da recorrida, tudo cfr. artigo 412º, nº3, alíneas a) e b) do CPP; c) E em consequência, ser a sentença ser substituída por outra que determine a condenação do arguido pelo crime de abuso sexual de menor dependente, p. e p. pelo artigo 172º, nº1 do Código Penal, com referência ao artigo 171º, nº1 do mesmo diploma legal, na pena de 1 ano de prisão; 1 crime de abuso sexual de menor dependente, p. e p. pelo artigo 172º, nº1 do código penal, com referência ao artigo 171º, nº 1 do mesmo diploma legal; na pena de 2 anos de prisão, e 1 crime de abuso sexual de menor dependente, p. e p. pelo artigo 172º, nº1 do Código Penal, com referência ao artigo 171º, nº s 1 e 2 do mesmo diploma legal, na pena de 3 anos de prisão; c) Em cúmulo jurídico ser o arguido condenado na pena única de prisão de 5 anos; d) Ser a referida pena de prisão suspensa na sua execução, por igual período de tempo, nos termos do disposto no artigo 50º do Código Penal; e) Determinando-se que a suspensão da execução da pena de prisão seja acompanhada por regime de prova, mediante a elaboração de plano de reinserção social, a elaborar após trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida.» c) Admitido o recurso o Ministério Público respondeu pugnando pela sua improcedência, concluindo do seguinte modo: «1.ª - O douto acórdão não padece das nulidades previstas no artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal, que o recorrente lhe assaca

    1. - O recorrente não apresenta (por inexistirem), quaisquer provas que imponham decisão diversa quanto à factualidade que impugna (já de si pouco relevante)

    2. - A gravação áudio visual efetuada pela vítima constitui meio de prova válido

    3. - A medida concreta das penas fixadas pelo tribunal coletivo é equilibrada e ajusta-se aos critérios emergentes dos artigos 40.º, 71.º e 77.º do Código Penal

    4. - O douto acórdão recorrido deve ser confirmado.» d) Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância emitiu douto e circunstanciado parecer no sentido da improcedência do recurso, por nenhuma das questões neste suscitadas ter fundamento: sejam as alegadas nulidades, as impugnações relativas ao julgamento de facto (incluindo a alegada proibição de prova), ou à medida das penas parcelares e pena única

    e) Cumprido o disposto no...

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