Acórdão nº 66/15.9GBSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelNUNO GARCIA
Data da Resolução13 de Julho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA RELATÓRIO O arguido TMRC foi acusado da prática de um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 176.º, n.ºs 1, alíneas b) e c) e 3 e 177.º, n.º 7, todos do Código Penal

Remetido o processo para julgamento, foi proferido o seguinte despacho: “O tribunal é competente

* Nos presentes autos, o MP acusou o arguido pela prática em autoria imediata e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.ºs 1, alíneas b) e c) e 3 e 177.º, n.º 7, todos do Código Penal

As circunstâncias que subjazem a tal imputação, descritas no acusatório que fixa o objecto dos autos, fundam-se em síntese, na circunstância de em data não apurada do mês de Agosto de 2015, o arguido ter encetado conversa num Chat, com MMM, nascida a … à qual enviou a fotografia de um homem desnudado, identificando-a como sendo ele próprio, e pedindo àquela o envio de fotos da mesma, desnudada, tendo esta enviado ao arguido fotos em cuecas e sutiã, e mais tarde, fotos suas só de cuecas, que o arguido veio a partilhar num perfil falso da rede social Facebook e em página de cariz pornográfico da rede social Instagram

Apreciando: O Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora (2010), refere a pornografia como a “representação de elementos de cariz sexual explicito, sobretudo quando considerados obscenos, em textos, fotografias, publicações, filmes ou outros suportes”

Sem embargo da divergência conceptual de pornografia, certo é que nesse conceito conflui a ideia da mesma como material destinado a produzir excitação sexual, como um produto com representação obscena padronizada (predominantemente com imagens, mas que pode também incluir grafia, ou objectos). Significando isto, que as imagens de nudez, só por si, não preenchem o conceito de pornografia

Preenchê-lo-ão, quando acompanhadas de poses, grafia ou objectos que lhe atribuam a natureza de material destinado à produção de excitação sexual, de acordo com a percepção de um destinatário comum, transmutando-a numa representação obscena padronizada

Revertendo para a acusação em apreço, constata-se que na descrição fáctica que sustenta a imputação havida, não há referência a qualquer outro segmento que não a da mera nudez (parcial)

Com efeito, o acusatório não contém factos capazes de substanciar as ditas fotos como material destinado à produção de excitação sexual, como uma representação obscena, de cariz sexual explícito

O que naquela peça processual se faz, é extrapolar (sem que se aleguem os segmentos, dela estruturantes), da nudez (parcial), para a pornografia

O mesmo é dizer que, tal como os factos que suportam a acusação pela alegada prática do ilícito por cuja prática se acusa foram concatenados, não se mostra descrito o tipo objectivo do crime em causa

E sem a descrição desse tipo, como é bom de ver, não há crime que possa ser ponderado

Nos termos previstos pelo artigo 311º/2-a) do Código do Processo Penal, quando o processo seja remetido a julgamento, sem que tenha havido instrução (como nos autos sucede) a acusação poderá ser rejeitada, se manifestamente infundada

Sendo considerada como tal (nº 3, alínea d) do mesmo preceito normativo), aquela em que os factos narrados não constituam crime

É o que sucede nos autos, por aquilo que se deixou exposto, quanto ao crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.ºs 1, alíneas b) e c) e 3 e 177.º, n.º 7, todos do Código Penal, por cuja prática se acusa o arguido

Pelo que se rejeita a acusação deduzida, porque manifestamente infundada, quanto ao ilícito pelo qual se acusa. Notifique

Transitada, remeta ao arquivo.” # Inconformado com tal despacho, o Ministério Público recorreu, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões: “1) Em 16/11/2020, foi deduzida acusação pública contra o arguido TMRC por ter praticado, em autoria imediata (art. 26.º, 1.ª parte, do Código Penal) e na forma consumada, um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 176.º, n.ºs 1, alíneas b) e c) e 3 e 177.º, n.º 7, todos do Código Penal

2) Em 11/02/2021, a Mm. Juiz proferiu despacho no qual rejeitou a acusação deduzida, por considera-la manifestamente infundada, pois os factos nela descritos, no seu entendimento, não constituem crime (art. 311.º, n.ºs 2, al. a) e 3, al. d) do Código de Processo Penal)

3) Em síntese, pode ler-se no despacho recorrido a seguinte fundamentação: a palavra pornografia, conflui a ideia de material destinado a produzir excitação sexual, como um produto com representação obscena padronizada, significando isto, que as imagens de nudez, só por si, não preenchem o conceito de pornografia; só preenchê-lo-ão, quando acompanhadas de poses, grafia ou objetos que lhe atribuam a natureza material destinando à produção de excitação sexual, de acordo com a perceção de um destinatário comum, transmutando-a numa representação obscena padronizada; o acusatório não contém factos capazes de substanciar as ditas fotos como material destinado à produção de excitação sexual, como uma representação obscena, de cariz sexual explícito

4) Consideramos que o fundamento primacial usado no despacho que rejeitou a acusação deduzida é inaplicável ao caso concreto, visto que, tratando-se do crime de pornografia de menores, a Mm. Juiz a quo lançou mão do significado da palavra pornografia inscrito no Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora (2010), olvidando o facto essencial, isto é, de se tratar de pornografia infantil

5) A pornografia com pessoas adultas é diferente da pornografia com crianças ou jovens menores de idade, sendo, por isso, e necessariamente, a definição e as exigências de ambas diferentes

6) O art. 2.º, al. c) do Protocolo Adicional à Convenção dos Direitos da Criança sobre o Tráfico de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia, de 2002, documento que foi a fonte do art. 176.º do Código Penal Português define pornografia infantil como sendo qualquer representação, por qualquer meio, de uma criança em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas ou qualquer representação das partes sexuais

7) Frequentemente o termo órgão sexual refere-se por extensão a qualquer parte do corpo envolvida no jogo erótico. A lista abrangente dos órgãos sexuais inclui, portanto, o ânus e os seios (especialmente os mamilos) para ambos os sexos

8) As fotografias que se encontram nos autos e descritas no libelo da acusação rejeitada revelam uma menor de …anos exibindo o seu corpo em biquíni, depois em cuecas e sutiã e, por fim, só em cuecas com os seus seios desnudos, sendo que esta última foi por si enviada ao arguido depois de ter sido coagida por este com a publicação na internet de todas as fotografias anteriores

9) Cotejando os factos com a definição de pornografia infantil descrita no ponto 6, podemos concluir que algumas das fotografias enviadas pela menor ao arguido nela se integram perfeitamente

10) Mesma que assim não se entenda, também não podemos enveredar pela conclusão a que chegou a Mm. Juiz a quo, quando referiu que as imagens de nudez enviadas pela vítima menor ao arguido, por...

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