Acórdão nº 45/17.1GBFTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2021
Magistrado Responsável | FÁTIMA BERNARDES |
Data da Resolução | 13 de Julho de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Neste processo n.º 45/17.1GBFTR, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo de Local Criminal de Beja, que se iniciou com a queixa/denúncia apresentada pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. contra (...), findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de acusação, para julgamento em processo comum, com a intervenção do Tribunal Singular, ao abrigo do disposto no artigo 16º, n.º 3, do CPP, imputando à arguida (...), a prática, em autoria material e em concurso efetivo, de um crime de peculato, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 375º, n.º 1 e 386º, n.º 2 e 30º, n.º 2, todos do Código Penal e de um crime de falsificação de documento, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 256º, n.º 1, alíneas c) e e) e 30º, n.º 2, do Código Penal.
1.2. O assistente (...)[1] e a arguida requereram a abertura da instrução, sendo que: - O assistente manifestou discordância quanto à acusação, relativamente aos valores que dela constam como tendo-lhe sido subtraídos, alegando serem esses valores superiores e tendo em vista, ao requer a abertura da instrução, a correção desses valores e a pronúncia da arguida em conformidade.
- A arguida, por sua vez, pugnou pela alteração da qualificação jurídica dos factos, sustentando que os factos por que foi acusada integram somente um dos crimes que lhe são imputados [defendendo existir uma relação de concurso aparente entre o crime de peculato e o crime de falsificação de documento, sendo um dos crimes consumido pelo outro] e requerendo, em qualquer caso, mesmo que se mantenha a qualificação jurídica dos factos, a aplicação da suspensão provisória do processo, nos termos previstos no 281º do Código de Processo Penal, mediante a imposição de injunções e regras de conduta, concretamente, a do pagamento à CGD de um valor que o Tribunal considere adequado aos factos, no prazo da suspensão (dois anos).
1.3. O Exm.º Sr. Juiz proferiu despacho, em 26/11/2020, rejeitando ambos os requerimentos de abertura da instrução, por inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do disposto no artigo 287º, n.º 3, do CPP.
1.4. A arguida, inconformado com o assim decidido, interpôs recurso para este Tribunal da Relação, apresentando a respetiva motivação e dela extraindo as seguintes conclusões: «1- A recorrente entende que o requerimento da abertura da instrução não devia ter sido rejeitado, "... por inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do disposto no artigo 287º, nº 3 do C.P.P.
2- A arguida requereu a abertura de instrução, peticionando, exclusivamente, que a final fosse determinada a suspensão provisória do processo.
3- Ao contrário do que diz o despacho recorrido, a arguida não pretendeu "APENAS", com o seu requerimento da abertura da instrução, ver discutida a questão da qualificação jurídica dos factos.
4- O Senhor Juiz a quo interpretou erradamente o objecto do requerimento de abertura da instrução.
5- Resulta do art. 41º do requerimento da abertura da instrução de que a arguida formulou o pedido de abertura da instrução mesmo tendo em conta os crimes imputados a ela (à arguida) na acusação do Ministério Público, 6- Isto é, mesmo tendo em conta a qualificação dos factos feita pelo Ministério Público na acusação pública, 7- tendo requerido, ao abrigo do disposto no art. 281º do CPP, a suspensão provisória do processo, mediante a imposição (à arguida) de injunção e regras de conduta, que clara e expressamente peticionou e identificou nesse requerimento de abertura da instrução.
8- O Senhor Juiz recorrido errou ao identificar o "objecto" do requerimento da abertura da instrução.
9- O requerimento de abertura de instrução foi apresentado TAMBÉM com o pedido de que seja aplicada à arguida a suspensão provisória do processo, nos termos do art.º 281 do CPP, e não somente para alteração da qualificação jurídica dos factos contidos na acusação.
10- Entende a arguida que se encontram reunidos os pressupostos da aplicação da suspensão provisória do processo.
11- Em sede de inquérito, nunca foi tomada qualquer posição pelo Ministério Público sobre a suspensão provisória do processo.
12- No que tange à rejeição do requerimento de abertura de instrução rege o n.º 3, do art.º 287.º, do CPP, onde se diz que o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
13- A arguida apenas pode requerer a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, ou antes da acusação ou, havendo acusação, através do requerimento de abertura de instrução, como, aliás, tem vindo a ver decidido pela jurisprudência.
14- O requerimento de abertura de instrução, com o fim da aplicação da suspensão provisória do processo, deveria ter sido admitido e não rejeitado.
15- Será de entender que os casos de inadmissibilidade legal estão previstos para o caso de se tratar de processos especiais, em que não há lugar à fase de instrução, ou outros, mas que não impliquem a avaliação dos pressupostos à partida.
16- O requerimento de abertura de instrução deveria ter sido admitido, porque consubstancia uma garantia processual da arguida, tendo o despacho violado as garantias processuais da arguida (violou o nº 1 do art. 32° da Constituição da República Portuguesa) ao não admitir o requerimento.
17- O despacho ora recorrido violou a lei ao não admitir o requerimento de abertura da instrução da arguida, designadamente os art.s 286 n.º 1 do CPP e al) a) do nº 1 do art. 287º do CPP e o art. 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa 18- Deve o despacho, ora recorrido, ser revogado e substituído por outro que aceite o requerimento de abertura de instrução.
19- Ao contrário do que consta no despacho recorrido, a arguida pode requerer a abertura da instrução, mesmo querendo ver discutida a questão da qualificação jurídica dos factos, em vista à sua alteração, nomeadamente, quando pretender a imputação por crime menos grave.
20- A arguida pode requerer a abertura da instrução, mesmo querendo ver discutida, e apenas, a questão da qualificação jurídica dos factos, em vista à sua alteração, nomeadamente, quando pretender a imputação por crime menos grave.
21- No que tange à rejeição do requerimento de abertura de instrução rege o n.º 3, do art.º 287.º, do Cód. Proc. Pen., onde se diz que o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
22- E como pretendida alteração da qualificação jurídica não resulta, na presente situação, a não submissão da causa a julgamento, o não recebimento do requerimento de abertura da instrução frustrou a realização das finalidades legais da instrução previstas no artigo 286.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
23- Não vislumbramos forma de poder vir ser rejeitado liminarmente o requerimento de abertura de instrução, como o foi; por inexistir fundamento legal para tanto.
24- Antes ao invés, importando reter que a arguida defende-se não só de facto, mas também de direito, porquanto a defesa do arguido não se bastar com o conhecimento dos factos descritos na acusação, sendo necessário àquela o conhecimento das disposições legais com base nas quais o irá ser julgada.
25- E, desta feita, dar cabal cumprimento ao preceito constitucional ínsito no art.º 32.º, n.º 1, da C.R.P., onde se estatui que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
26- Assumindo relevo a vertente jurídica da defesa em processo penal, mormente nos casos em que o arguido reconhece e aceita os factos que lhe são imputados, passando a estratégia de defesa pela sua assunção ou confissão, resta-lhe como meio de defesa o direito.
27- Do exercício eficaz do direito de defesa decorrem, ou podem decorrer, muitas das opções básicas de toda a estratégia de defesa (a escolha deste ou daquele advogado, a opção por determinadas provas em vez de outras, o sublinhar de certos aspectos e não de outros, etc.) em termos que de modo algum podem ceder perante os valores subjacentes à liberdade (mesmo que lhe chamemos correcção) na qualificação jurídica do comportamento descrito na acusação.
28- É da essência das garantias de defesa que a operação de subsunção que conduz o juiz à determinação do tipo penal correspondente a determinados actos seja previamente conhecida e, como tal, controlável pelo arguido.
29- Através da narração dos actos e da indicação das disposições legais aplicáveis, na acusação ou na pronúncia (v. artigos 283º, n.º 3 e 308, n.º 2 do CPP), é fornecido um modelo determinado de subsunção constituído por aqueles factos entendidos como...
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