Acórdão nº 613/20.4GBABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelEDGAR VALENTE
Data da Resolução26 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

No Juízo Local Criminal de Albufeira (J2) do Tribunal Judicial da Comarca de Faro corre termos o processo abreviado n.º 613/20.4GBABF, tendo aí, após realização da audiência de julgamento, sido proferida a seguinte decisão (transcrição): “

  1. Absolver o arguido, FASL, da prática, como autor material, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, de que vinha acusado; b) Isentar o arguido do pagamento das custas, nos termos do art. 513º, nº 1, a contrario sensu, do C. P. Penal; c) Determinar, após trânsito, a remessa de certidão do auto de notícia por detenção da presente sentença – Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária a fim de dar origem ao competente processo contra-ordenacional (cfr. art. 125º, nº8 do Código da Estrada); d) Determinar o oportuno arquivamento dos autos.” Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1. O Ministério Público não se conformando com a douta sentença, proferida a 19.01.2021, que absolveu o arguido FASL da prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-lei n.º 2/98, de 03/01, vem dela interpor recurso o qual incide sobre: A) Impugnação da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal; B) a matéria de direito, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Penal

    1. Impugnação da sentença recorrida sobre matéria de facto (artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal: 2. Consideramos que a conjugação de todos os elementos probatórios produzidos em julgamento, descurados na decisão recorrida, permitiam que tivessem sido dados como provados os factos que se descrevem infra, que deverão ser aditados à matéria de facto dada como provada: a. O arguido era titular de carta de condução, emitida pelas autoridades brasileiras a 16.12.2014, com data de validade até 09.12.2019

  2. O arguido não era titular de qualquer outro título que o habilitasse a conduzir o veículo referido

  3. O arguido agiu com o intuito de conduzir o referido veículo apesar de saber que não era titular de documento que o habilitasse a conduzir

    Provou-se ainda que: d. O arguido acabou por renovar o seu título de condução, tendo obtido nova carta de condução, emitida pelas autoridades brasileiras a 19.10.2020, com data de validade até 29.09.2025

  4. O arguido reside em Portugal desde o ano de 2001 e apenas, a 16.12.2020, procedeu ao pedido de troca de carta de condução brasileira junto do IMT

    1. As provas que impõem decisão diversa da recorrida são constituídas pela prova documental, nomeadamente a pesquisa do IMT, de fls. 64, a cópia da carta de condução do arguido que o próprio forneceu na sessão de julgamento de 09.11.2020 (cf. fls. 117 a 122), a informação do Gabinete Nacional da Interpol de fls. 134, a cópia do pedido de troca de carta de condução junto pelo arguido a fls. 143 e 144, bem como pelas declarações prestadas pelo arguido

    2. Conforme se constata, através de cópia da carta de condução do arguido, de fls. 119, no dia 13.04.2020, este era titular da carta de condução com o registo n.º 01815953977, emitida pela República Federativa do Brasil, a 16.12.2014, com data de validade até 09.12.2019, que veio a renovar mediante a emissão de nova carta de condução, pelas autoridades brasileiras, a 19.10.2020, esta sim com data de validade até 29.09.2025, conforme se verifica na cópia dessa carta, de fls. 117, não possuindo qualquer outro título de condução, nomeadamente português (cf. pesquisa do IMT de fls. 64)

    3. Das declarações prestadas pelo arguido, que se transcrevem infra, resulta ainda provado que o arguido reside em Portugal, desde o ano de 2001, e que nunca procedeu à troca da carta de condução brasileira, apenas tendo formulado o pedido de troca, junto do IMT, a 16.12.2020, conforme se comprova também pela junção da cópia do documento que juntou aos autos de fls. 143 e 144

    4. Com relevância para a matéria em análise, na sessão de julgamento de 09.11.2020, o arguido FL declarou o seguinte [gravação digital no sistema Habilus Media Studio, entre as 14h32min e as 1439min] Arguido: Quanto a não ter habilitação, eu tenho habilitação. A habilitação está aqui, na altura estava vencida (…)

      Juíza: A sua carta de condução foi emitida quando? Arguido: Ela foi emitida em 2014

      Juíza: E caducou quando? Arguido: Em Dezembro último. [Minuto 00:09 a 01:34] Juíza: O senhor já tem a carta renovada do Brasil? Arguido: Já está aqui ela

      Juíza: E já tratou da carta em Portugal? Arguido: Já estou a tratar. Já tenho marcação com o IMT para poder trocá-la. [Minuto 01:50 a 02.04] MP: O senhor está a residir em Portugal desde quando? Arguido: Eu resido em Portugal desde 2001. [Minuto 02:30 a 02:40] MP: Sendo residente em Portugal o senhor sabe que tem de proceder à troca da carta? Arguido: Exacto

      MP: Para conduzir em Portugal, certo? Arguido: Certo

      MP: O que quero dizer com isto é que, o senhor está a dizer que tem uma carta, e ela estava caducada, mas ainda que tivesse uma carta válida, o senhor sabe que tinha de trocar essa carta, porque é residente cá? Arguido: Exacto

      MP: Já disse que está a tratar disso. Mas ainda não trocou? Arguido: Não. E já tentei. Mas é muito difícil trocar uma carta de condução. [Minuto 03:17 a 03:59] MP: Então o senhor sabe que não pode conduzir em Portugal sem proceder a essa troca? Arguido: Sim, sem a carta. Sei. [Minuto 04:08 a 04:15] 7. Em relação aos documentos referentes ao pedido de troca da carta brasileira junto do IMT, de fls. 143 e 144, este prestou ainda os seguintes esclarecimentos na sessão de julgamento do dia 05.01.2021 [gravação digital no sistema Habilus Media Studio, pelas 14h50min]: MP: Em relação ao pedido de troca junto do IMT que o senhor juntou, esse pedido de troca foi feito, pelo menos o que ali consta, é que o senhor remeteu através de e-mail. É isso? Arguido: Exacto

      MP: Esse pedido de troca foi feito em Dezembro do ano passado? Arguido: Exacto. Dia 16 de Dezembro

      MP: Não fez mais nenhum pedido? É só esse que tem? Arguido: É só esse que eu tenho. [00:01 a 00:32segundos] 8. Da prova documental junta aos autos, complementada pelas declarações do arguido, resulta que, à data dos factos (13.04.2020), o arguido conduziu um veículo automóvel sendo titular de carta de condução emitida pelas autoridades brasileiras, com data de validade até 09.12.2019, e que, apesar de residir em Portugal desde 2001, não havia ainda procedido à troca daquela carta por título de condução português

    5. No que aos factos de cariz subjectivo diz respeito, o arguido, enquanto residente em Portugal desde o ano de 2001, e tendo a sua carta de condução sido emitida inicialmente nesse ano, depois renovada no Brasil, em 2014 e 2020, sabia que já devia ter procedido à troca desse título de condução, sob pena de não estar habilitado a conduzir, tendo o próprio admitido que sabia não poder conduzir com essa carta, em Portugal

    6. Aquando a prática dos factos, o arguido além de não ter ainda título de condução português, não possuía carta de condução brasileira válida, pelo que não era titular de título de condução que o habilitasse a conduzir veículos automóveis em Portugal

    7. Atento o exposto, a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que dê como provada a factualidade que acima referimos e, consequentemente, o arguido deve ser condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal

      1. Motivação quanto à matéria de direito: 12. O Tribunal a quo absolveu o arguido por entender que do disposto no artigo 125.º, n.ºs 4 e 8, do Código da Estrada, resulta que a condução para além dos 90 dias, após a fixação de residência em Portugal, só é punível como contraordenação

    8. No entanto, tal disposição legal não pode ser interpretada isoladamente, devendo ainda ser concatenada com o disposto nos artigos 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei 2/09, 121.º, n.ºs 1, 4 e 9, 125.º, n.º 1, als. c) e d), e 128.º, n.º 7, al. c), do Código da Estrada, e 14.º, n.º 1, al. c), do Decreto-Lei n.º 138/2012, de 05/07

    9. Dos elementos do tipo do crime de condução sem habilitação legal, e face à natureza das razões de discordância, releva o segmento “sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada” (cf. artigo 3.º, do Decreto-Lei 2/09, de 03/01), o que carece de concretização

    10. As cartas de condução brasileiras são reconhecidas em Portugal para conduzir veículos automóveis (cf. artigos 121.º, n.ºs 1, 4 e 9 e 125.º, n.º 1, als. c) e d), do Código da Estrada), mas os titulares estão obrigados a requerer a troca de carta de condução estrangeira por portuguesa no prazo de 90 dias, após a fixação de residência

    11. Caso não procedam à troca nesse prazo, são sancionados com coima (cf. Artigo 125.º, n.ºs 4 e 8, do Código da Estrada) e, se a troca do título estrangeiro não for requerida no prazo de dois anos, contados a partir da data da fixação da residência em Portugal, fica condicionada à aprovação do requerente em prova de avaliação prática de condução (cf. artigo 128.º, n.º 7, al. c), do mesmo diploma legal)

    12. Assim sendo, caso os titulares destas cartas não procedam à troca nesse prazo de dois anos, a circulação em território nacional não é permitida, uma vez que deixaram de estar habilitados a conduzir de acordo com a lei portuguesa, incorrendo, por isso, na prática do crime de condução sem habilitação legal (cf. ainda artigo 14.º, n.º 1, al. c), do Decreto-Lei n.º 138/2012, de 05 de Julho)

    13. Sem prejuízo do que acabamos de expor, à data da prática dos factos o arguido era titular de carta de condução brasileira cuja validade havia expirado a 09.12.2019, pelo que também se impunha considerar que a referida carta não podia ser reconhecida como título que o habilitasse a conduzir em Portugal

    14. Não o tendo feito, o Tribunal a...

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