Acórdão nº 236/19.0T9SSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelNUNO GARCIA
Data da Resolução26 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA RELATÓRIO No âmbito do processo 236/19.0T9SSB foi o arguido MAMS condenado pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia global de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros); Inconformado com tal condenação, o arguido recorreu e terminou a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões: 1 - No processo a que respeita a imputada prática do crime de desobediência (Proc.º 14/16.9 MASTB) foi proferido recurso de apelação dessa mesma sentença de 02.05.2019, em 05.06.2019

2 – Recurso que correu termos na Secção Criminal – 2ª Subsecção desse douto Tribunal da Relação de Évora sob o nº 14/16.9MASTB.E1, e que foi decidido e julgado procedente por decisão sumária proferida em 21.01.2020 e transitada em julgado em 06.02.2020

3 - Em que foi decido sumariamente, o seguinte: “Face ao exposto, decide-se julgar o recurso procedente quanto à única questão analisada e, em consequência, declara-se a ocorrência de nulidade a partir da 2ª sessão de julgamento de 27/4/19 (inclusive), sendo inválidos todos os actos a partir desse momento (inclusive), designadamente a sentença proferida, devendo o julgamento ser retomado nesse momento.” Negrito, Sublinhado e Itálico nossos

4 – Facto que o tribunal “a quo” ignorou por completo no julgamento da causa nos presentes autos, porquanto, encontra-se junto aos autos o CRC actualizado do arguido CRC, sem qualquer averbamento de condenações, encontrando-se ainda pendente o processo 14/16.9 MASTB

5 - Pelo que o douto Tribunal “a quo” deveria ter-se pronunciado sobre a legitimidade material de uma ordem que carece de legitimidade material face aos efeitos “ex tunc” da declaração de nulidade insanável dos referidos actos

6 - E fazem com que a matéria de facto julgada provada seja insuficiente para a decisão vertida na sentença recorrida e sustentada em factos que foram declarados nulos, inválidos e insanáveis

7 - Pelo que o arguido nunca poderia ter sido julgado e condenado pela prática do crime de desobediência, porquanto, são nulos, inválidos e insanáveis os actos que deram origem à ordem incumprida, sob pena de violação no disposto nos artigos 122º, nº 1 e 119º, alínea e) do CPP

8 - No crime de desobediência, tal como nos demais crimes contra a autoridade pública, o bem jurídico protegido é a autonomia intencional do Estado, "de uma forma particular, a não colocação de entraves à actividade administrativa por parte dos destinatários dos seus actos" (Vide a este respeito MONTEIRO, Cristina Líbano; - Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, pág. 350, e no mesmo sentido Acórdão da Relação do Porto de 20 de Maio de 1987, CJ, XII, tomo III, pág. 225)

9 - São elementos objectivos do tipo, verificados no caso concreto, o não cumprimento de ordem ou mandado legítimo e, na ausência de disposição legal, se a autoridade ou funcionário fizerem a correspondente cominação

10 - A norma citada, que permite a cominação da desobediência pela autoridade, é uma "norma penal em branco", visto que parte dos elementos relevantes para o preenchimento típico, que resultarão de um outro local que não da própria previsão incriminadora. Concretamente, tal concretização resulta da cominação efectuada, neste caso, pelo funcionário judicial, JCC

11 - No entanto, a validade da cominação depende, antes de mais, da sua legitimidade material para o efeito e das circunstâncias concretas em que foi proferida. ´Relativamente à primeira e no seguimento do que acima deixámos dito quanto à decisão sumária proferida pelo venerando Tribunal da Relação de Évora, Secção Criminal – Subsecção 2, proferida em 21.01.2020 e transitada em julgado em 06.02.2020,no âmbito do recurso de apelação com o nº 14/16.9 MASTB.E1, a sentença proferida em 02.05.2019 e consequente ordem de tomada de impressões digitais e assinatura do boletim dactiloscópico, são nulas, inválidas e, consequentemente, esvaziam de conteúdo e legitimidade material a ordem dada ao aqui recorrente

12 - Neste âmbito, importa ainda chamar à colação o princípio da intervenção mínima por que se rege o direito penal (artigo 18°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa), de acordo com o qual ao direito penal é reservada uma função residual, de última linha da política social

13 - Acresce que o tribunal que instruiu e julgou os dois processos, o aqui sob recurso (Proc.º 236/19.0 T9SSB) e o processo que lhe deu origem (14/16.9 MASTB), é o mesmo, ou seja, o Juízo de Competência Genérica de Sesimbra – Juiz 2

14 - Que nesse contexto não deveria desconhecer e desvalorizar que a sentença proferida em 02.05.2019, no processo nº 14/16.9 MASTB, e todos os actos dela dependentes, foram declarados nulos e inválidos por decisão sumária proferida pelo T.R.E, em 21.01.2020 e transitada em julgado em 06.02.2020

15 – Factos que são posteriores ao terminus do prazo de contestação do arguido nos presentes autos, uma vez que a notificação do arguido foi presume-se efectuada em 13.01.2020, e a notificação da decisão do TRE se presume efectuada em 25.01.2020

16 – Pelo que a renovação da prova ou a modificação da matéria de facto pode ser efectuada pelo venerando tribunal “ad quem”, nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 430.º, nº1 e 431.º, alínea a) do CPP

17 - Nomeadamente, pela junção aos autos do CRC actualizado do arguido, donde não consta averbado qualquer condenação, uma vez que que a segunda sentença do processo 14/16.9 MASTB ainda se encontra em fase de recurso e, por isso, não transitada em julgado

18 - E também porque seria expectável, como é experiência comum do foro, que o tribunal “a quo” fizesse uma pesquisa de processos pendentes do arguido, o que levaria à conclusão que a sentença de 02.05.2019 e consequente recusa de fornecimento de impressões digitais e assinatura do boletim dactiloscópico, estão a coberto dos efeitos “ex tunc” da decisão sumária tomada pelo venerando T.R.E., e como tal, são nulos, inválidos e insanáveis

19 - Tudo isto é prova constante dos autos, que resulta do texto da decisão recorrida, conjugada com as regras da experiência comum e configuram um erro notório na apreciação da prova, no que concerne à legitimidade material da ordem dada ao arguido pelo senhor funcionário judicial

20 - Ademais, a douta sentença recorrida é nula, por força do que dispõe o artigo 374º, nº2 do CPP. Não se procede à indicação nem ao exame crítico das provas que acima se referiram e que constam dos autos e que permitiriam, s.m.o., chegar à conclusão que a ordem dada ao aqui recorrente se encontrava esvaziada de legitimidade material

21 - Por outro lado, a douta sentença integra a conduta do arguido no tipo legal de crime a que respeita a alínea b) do nº 1 do artigo 348º do C. Penal

22 - Da matéria de facto dada como provada não se pode extrair, sem qualquer confronto com os restantes elementos constantes dos autos, inclusive, do texto da decisão recorrida conjugado com as regras da experiência comum, e a que sobejamente nos referimos antes, que a ordem dada ao arguido fosse legítima

23 - A norma incriminatória é inconstitucional, por violação do princípio da tipicidade, consagrado no nº 1 do artigo 29º da CRP. A não ser assim correr-se-ia o risco da alínea b) do nº 1 do artigo 348º do CP conferir carácter criminal a qualquer conduta contrária a uma ordem legítima dada por um funcionário que decida atribuir natureza penal ao correspondente desrespeito, mediante uma cominação que entende realizar. E qualquer infracção tornar-se-ia crime se o funcionário quisesse efectuar a cominação, em vez de ser a lei a descrever a acção ou omissão que é penalmente censurável, como exigido pelo nº 1 do artigo 29º da CRP

24 - Ainda assim, e sem conceder, a pena aplicada pela douta decisão sub judicio, além de pecar por excessiva, não corresponde a uma correcta aplicação do disposto nos artigos 348º, nº 1, 71º, 47º e 60º do C. Penal, porquanto, uma simples pena de admoestação seria suficiente para acautelar, in casu, os fins de prevenção especial

25 - De qualquer das formas, a fixação de uma pena implica sempre uma fundamentação especialmente exigente. E a ser aplicada uma pena de multa, tem de o ser de acordo com os critérios fixados pelo artigo 40º do CP

26 - Nos termos do disposto nos artigos 97º, nº 5 e 374º, nº 2 do CPP, a decisão contida na sentença deve ser fundamentada, convocando as razões de facto e os motivos jurídicos que a justificam

27 - No que respeita à fixação concreta da pena, a exigência de explicação é ainda reforçada pelo nº 3 do artigo 71º do CP, que obriga a referência expressa aos fundamentos da medida da sanção

28 - A douta sentença aqui em crise enumera algumas conclusões retiradas da matéria de facto provada, sem, contudo, as enquadrar correctamente como circunstâncias que depõem a favor ou contra o arguido, conforme estabelecido pelo artigo 71º, nº 2 do C. Penal

29 - Assim, verifica-se a nulidade prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 379º do CPP, por referência ao artigo 374º, nº 2 do mesmo diploma legal

30 - Por fim, é inconstitucional a norma constante do artigo 71º, nº 3 do CP, se interpretada no sentido de que o Tribunal cumpre o dever de expressamente referir os fundamentos da medida da pena, quando a sentença omite a alusão a algumas das circunstâncias mencionadas no nº 2 do artigo 71º do CP, por ofensa aos números 1 e 2 do artigo 27º, ao nº 1 do artigo 32º e ao nº 1 do artigo 205º da Lei fundamental

31 - – Pelo que julgamos violadas pela douta sentença aqui em crise, as seguintes normas jurídicas: 1. Do código de processo penal (CPP), os artigos 119º, alínea e), 122º, nº 1 e 410º, nº 2, als. a), e c); 2. Do código penal (CP) os artigos 40º, nº2, 47º, nº 1, 60º, 71º, 72º, nº 2, al. d), 73º, nº 1, al. c) e 348º, nº1, al. b); 3. Da Constituição da República...

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