Acórdão nº 882/80.0PBSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ SIMÃO
Data da Resolução12 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I- Relatório Nos presentes autos de processo Comum Colectivo, com o número acima mencionado, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Juízo Central Criminal de Setúbal – Juiz 2), por acórdão de 12 de Maio de 2021 deliberou-se: a)– ABSOLVER o arguido PJCM do cometimento, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo, p. e p. pelos artigos 210º, n.º 1 do Código Penal (evento ocorrido em 15/07/2020 – estabelecimento comercial “BRUXELAS”); Após convolação: b) – DECLARAR A INADMISSIBILIDADE LEGAL DO PROCEDIMENTO relativamente à imputação, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1 do Código, por ausência de apresentação de queixa por parte da entidade ofendida; c) – CONDENAR o arguido pelo cometimento, na forma tentada, de 1 (um) crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal (tendo por ofendida MHA – factos de 16/07/2020), na pena de 3 (três) anos de prisão efetiva; d) - Declarar integralmente procedente, por provado, o pedido de ressarcimento compensatório formulado por “Centro Hospitalar de …, EPE” e, em consequência, condenar o arguido (aí demandado) a pagar à referida unidade hospitalar a importância de €309,61 (trezentos e nove euros e sessenta e um cêntimos), a acrescer de juros moratórios à taxa legal desde citação até efetivo e integral pagamento; (…) Inconformado o Ministério Público interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões: «1. O Ministério Público não se conforma com a decisão de absolver o arguido PJCM, da prática de 1 (um) crime de roubo p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 do Código Penal, nem com os fundamentos da mesma, impondo-se uma decisão diversa, no sentido de ser dado como provado, o facto não provado: “C) Na situação ocorrida em 15 de julho de 2020, o arguido atuou em plano apto a amedrontar MN fazendo-a recear pela sua integridade física, por forma a, assim, concretizar o intuito subtrativo explicitado em 19.”e ,em consequência, ser o arguido condenado pelo crime de roubo, na forma consumada, relativamente ao qual vinha acusado

  1. Foi violado o artigo 127.º do Código de Processo Penal, porquanto a prova não foi apreciada segundo as regras da experiência

  2. Atenta à prova produzida em sede de audiência de julgamento, deveria o facto não provado C) ter sido dado como provado, pelo existiu um erro na apreciação da prova, impondo-se decisão diversa nesse sentido

  3. Como suporte probatório, indica-se como provas que implicam uma decisão diversa as declarações de MN gravadas em suporte digital tempo: 28-04-2021 10:22:36 a 10:28:54, em concreto as seguintes passagens: 10:25:07 até 10:25:12, 10:25:38 até 10:25:48, 10:26:04 até 10:26:15, 10:26:34 até 10:26:48, 10:27:41 até 10:27:50, 10:27:57 até 10:27:59 (por referência aos tempos do CD: 2m:30s a 2m:37s, 3m:00s a 3m:10s, 3m:28s a 3m:38s, 3m:59s a 4m:08s, 5m:06s a 5m:12s e 5m:21s a 5m:23s)

  4. Uma caneta pode ser considerada uma arma, tendo em conta que o artigo 4.º Decreto-Lei n.º 48/95 de 15/03 dispõe que “Para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim”

  5. O arguido pode originar uma ofensa à integridade física grave (por exemplo, caso acertasse com a ponta da mesma na veia jugular desta)

  6. Qualquer pessoa (especialmente uma que está sozinha no seu local de trabalho) confrontada com a expressão “isto é um assalto, abre a caixa”, dita por alguém, de modo sério, entende quais as consequências para a sua vida e integridade física que advirão do não acatamento do exigido, nomeadamente ser vítima de agressões físicas

  7. Em bom rigor, nem estamos perante uma ameaça implícita, mas perante uma declaração expressa, por parte do arguido, que informa M que está a ser vítima de um assalto e que deverá agir conforme ordenado

  8. O comportamento global do arguido era apto a criar receio e tal estado de espírito tem um nexo causal adequado com a apropriação dos bens subtraídos

  9. É manifesto que MN, sendo isso que permitiu que o arguido tivesse um acesso sem oposição à caixa registadora, motivou a fuga de M e criou a oportunidade de subtrair as calças, estando estabelecido o nexo causal entre o receio e a apropriação das calças

  10. O arguido, mesmo sem a caneta, é uma pessoa com uma maior desenvoltura física que M, pelo que, o facto de estar próximo desta, no lado do balcão usado exclusivamente pelos funcionários, depois de ter dito que estava a decorrer um assalto, é suficiente para criar tal clima de receio

  11. O mero acto de ter levantada a caneta implica, por si só, que está disposto a utilizá-la caso seja necessário

  12. Pelo que, com o devido respeito, não apreciou o Tribunal correctamente a prova ao dar como não provado a aptidão do plano do arguido, sendo tal posição contrária ao que resulta das regras da experiência e ao expectável tendo em conta a postura do homem médio quando colocado no lugar da vítima

  13. Tendo em conta o disposto nos artigos 22.º, n.º 1 e 2, al. b) e c) e 210.º, n.º 1 do Código Penal, é possível afirmar que a conduta do agente do crime de subtrair ou constranger outrem como forma a que lhe seja entregue coisa móvel, por meio de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, preenche o elemento objectivo do tipo legal do crime de roubo, porquanto tal prática configura um acto de execução tendo em vista a apropriação de coisa alheia

  14. Integrar no conceito de furto simples a factualidade supra referida é desconsiderar toda a conduta do arguido marcada pela vontade e actuação de intimidar outrem

  15. Os factos dados como provados no acórdão recorrido, cumulados com o facto c) (que também deve ser dado como provado), levam à conclusão de que o arguido praticou o crime de roubo consumado, relativamente ao qual vinha acusado

  16. O acórdão violou o artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal ao não considerar que os factos em apreço integram a prática de um crime de roubo

  17. O arguido deve ser condenado pela prática de tal crime e aplicada uma pena de prisão efectiva, tal como o Ministério Público pugnou em sede de alegações no Tribunal ad quo, porquanto as finalidades preventivas subjacentes às penas seriam postas em causa pela qualquer outra forma de cumprimento

Pelo exposto, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, e, em consequência acórdão recorrido ser parcialmente revogado e substituído por outro que dê como provado o facto dado como não provado C), nos moldes supra referidos, e, em consequência, condene o arguido PJCM pela prática de um crime de roubo, na forma consumada, relativamente ao qual vinha acusado, o que se requer aos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora»

O arguido não respondeu ao recurso

Nesta Relação o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu o seu douto parecer em concordância com a posição do Digno Procurador Junto do Tribunal da 1ª instância

Observado o disposto no art. 417º nº 2 do CPPenal, o arguido não respondeu

Procedeu-se a exame preliminar

Cumpre apreciar e decidir

II- Fundamentação Factos Provados: Do julgamento da causa, com relevância para a decisão da mesma, resultaram provados os seguintes factos: Resultantes da acusação pública: 1) No dia 15 de julho de 2020, cerca das 12h30m o arguido dirigiu-se ao estabelecimento designado “…”, sito na Rua …, nºs … em …; 2) No local encontrava-se MN que aí exerce a sua atividade profissional; 3) O arguido dirigiu-se-lhe e manifestou a intenção de comprar dois pares de calças; 4) MN colocou as calças num saco e iniciou o registo da transação a fim de poder efetuar o pagamento; 5) Enquanto MN procedia do modo descrito, o arguido pegou numa caneta que se encontrava em cima do balcão, dirigiu-se ao espaço reservado aos funcionários e, empunhando a referida caneta na sua direção (porém nunca efetuando qualquer gesto a si dirigido com tal objeto, ou sequer aproximando-se a menos de meio metro de distância de MN), proferiu a seguinte expressão: “Isto é um assalto, abre a caixa”; 6) MN respondeu que só podia abrir a caixa quando o registo estivesse completo e que, para isso, precisava introduzir um número de contribuinte fiscal; 7) Nessa sequência o arguido pegou na sua carteira de onde retirou um documento e começou a introduzir dados na máquina registadora; 8) Aproveitando a distração do arguido, MN fugiu da loja e começou a gritar por socorro; 9) Surpreendido pela conduta de M, o arguido desistiu de abrir a caixa, pegou no saco contendo as calças e fugiu da loja em direção à Praça …; 10) AL, que se encontrava no interior do imóvel contíguo à loja onde os factos ocorreram, alertado pelos pedidos de socorro de M, perseguiu o arguido tendo-o intercetado na Rua …; 11) O arguido, confrontado por AL, entregou-lhe o saco e aproveitando a surpresa do mesmo com a sua passividade, fugiu em direção à Praça …; 12) No dia 16 de julho de 2020, cerca das 18h30m, o arguido encontrava-se na Avenida … em …; 13) No mesmo local encontrava-se MHLA, nascida em 28 de abril de 1953, que caminhava na referida artéria; 14) Ao vê-la, o arguido aproximou-se da mesma e desferiu-lhe uma pancada na cabeça fazendo-a desequilibrar-se e cair no chão, onde acabou por embater com a cara

15) Encontrando-se já a vítima no chão, o arguido agarrou a mala que a mesma trazia consigo e começou a puxá-la para a fazer sua; 16) No entanto, quando o arguido tentava apoderar-se da mala, NC e AP vieram em socorro da vítima e agarraram-no, mantendo-o preso até à chegada dos agentes da PSP, poucos minutos depois e impedindo dessa forma que se apoderasse da mala; 17) Em consequência da conduta do arguido, e da queda pela mesma gerada, MA sofreu um hematoma no olho esquerdo; 18) Essa lesão demorou para se curar o período de 8 dias; 19) Ao atuar do modo descrito, quis o arguido apoderar-se de bens...

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