Acórdão nº 22/17.2GABNV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Março de 2021
Magistrado Responsável | FERNANDA PALMA |
Data da Resolução | 23 de Março de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora No Processo Comum Singular nº 22/17.2GABNV, do Juízo Local Criminal de Benavente, da Comarca de Santarém, por sentença de 15-07-2019, foi condenado, dentre outro, o arguido LMM pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelo disposto nos artigos 181º, nº 1, 184º e 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal (na pessoa do Militar RM) na pena de 2 meses de prisão; pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelo disposto nos artigos 181º, nº 1, 184º e 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal (na pessoa do Militar FPa) na pena de 2 meses de prisão; pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2º, nºs 1, alínea v), 3º, alíneas g) e h), 3º, nº 2, alínea l) e 86º, nº 1, alínea c) do RJAM, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão; e, em cúmulo jurídico destas penas na pena única conjunta de 1 ano e 7 meses de prisão, a cumprir em estabelecimento prisional
Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, LMM, nos termos da sua motivação constante de fls. 603 a 631, concluindo nos seguintes termos: 1. A prova da factualidade relativa ao crime de detenção de arma proibida é, em exclusivo, de natureza indiciária, ou indirecta; 2. Inexiste qualquer meio de prova directo ou presencial; 3. Para que haja condenação, exige-se a formulação de um juízo que vá para além da mera probabilidade, tão próximo quanto possível da certeza; 4. Para que a prova indiciária tenha a virtualidade de afastar a presunção de inocência, os indícios devem ser inequívocos, plurais, lógicos e conformes às regras da experiência e do normal acontecer; 5. No caso vertente, o Tribunal convoca os argumentos de que (1) foram efectuados disparos, (2) o recorrente tinha resíduos de pólvora nas mãos e na roupa, (3) encontravam-se no bolso do casaco cartuchos por deflagrar e (4) foram encontrados cartuchos deflagrados do mesmo calibre junto à residência da família; 6. Sabe-se que a causa do desentendimento tem origem num relacionamento amoroso do recorrente com a filha da testemunha JF; 7. Não se pode ignorar o contexto sociocultural em que os factos ocorreram: trata-se de um indivíduo de etnia cigana, casado segundo as leis e costumes da sua comunidade, que mantém um relacionamento amoroso com uma mulher não cigana; 8. Não é verosímil que tenha sido o recorrente, visado no desentendimento, que tenha procurado obter satisfações do pai da “amante”; 9. O normal acontecer seria algum ou alguns membros da família a tentar obter tais satisfações; 10. Desconhece-se como é que o casaco de cabedal preto objecto da perícia, atirado para o chão, aparece no hall da casa da família; 11. Sabe-se apenas que tal casaco apresentava vestígios químicos resultantes de disparos; 12. Não se sabe quem utilizou ou manuseou o casaco até à sua apreensão; 13. Não se sabe, nem se pode saber quem o vestia no momento dos disparos; 14. Não se sabe, mesmo que o casaco tivesse sido utilizado pelo recorrente no momento dos disparos, se os vestígios podem ser provenientes de um disparo efectuado por terceiro muito próximo do recorrente, 15. O mesmo se este tentou impedir uma tragédia maior, designadamente, que alguém fosse atingido; 16. Os indícios recolhidos permitem, assim, uma multiplicidade de conclusões alternativas, que não têm, no caso vertente, a virtualidade de afastar a presunção de inocência; 17. O Tribunal deveria, assim, durante o processo de valoração da prova, ter incorrido num non liquet intransponível; 18. Devendo decidir segundo a regra do “in dúbio pro reo”; 19. A livre apreciação da prova, efectuada nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal colide, no caso vertente, de forma irremediável com o princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 32º/2 da Constituição, inconstitucionalidade que cumpre declarar; 20. Mostrando-se violado o princípio “in dúbio pro reo”, deverá o recorrente ser absolvido do crime de detenção de arma proibida de que vinha acusado; 21. Sem conceder quanto ao que modestamente resulta exposto, a pena concretamente aplicada afigura-se manifestamente desadequada e desproporcional, 22. Violando os artigos 40º e 71º do CP; 23. Assim o impõe o quadro de circunstâncias em que os factos foram praticados, a sua (diminuta) gravidade, a inserção social e familiar do arguido, e um passado criminal que se resume quase em absoluto a crimes de natureza rodoviária; 24. São, pois, diferentes as resoluções criminosas que estão da base do cometimento de crimes rodoviários e aqueles que são objecto destes autos, não se podendo, só por essa razão, concluir que se trata de uma personalidade intimamente virada para a prática de ilícitos mais graves; 25. As finalidades da punição bastam-se, ainda, com a aplicação de uma pena de multa, a fixar próxima do limite máximo das respectivas molduras penais; Sem conceder, e na improcedência das questões supra, 26. A pena de prisão é, como se sabe, a ultima ratio; 27. Parece sobressair do texto da decisão recorrida que o cumprimento da pena concretamente aplicada em regime de permanência na habitação ainda realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; 28. Não optou por este regime de cumprimento apenas porque não existiu o consentimento do arguido; 29. Durante o julgamento, entendeu-se que a presença do arguido era essencial para a descoberta da verdade; 30. Os mandados não foram cumpridos porque se desconhecia o paradeiro do arguido, pessoa que, depois, foi encontrada na sua residência e notificada para comparecer, apesar da recusa em receber a notificação; 31. A obtenção do consentimento constitui uma diligência essencial para a determinação da sanção; 32. Se era conhecido o paradeiro do arguido, e, portanto, de fácil cumprimento dos mandados de detenção, deveria ter ido mais longe o Tribunal recorrido na obtenção do consentimento, único obstáculo à aplicação do regime de permanência na habitação; 33. Deverá, assim, ser ordenada a reabertura da audiência para obtenção do consentimento nos termos do artigo 371º do Código de Processo Penal, 34. Ou declarar obtido o necessário consentimento, que o arguido desde já expressamente presta, 35. Determinando-se o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 43º do Código Penal
O Ministério Público respondeu, nos termos que constam de fls. 644 a 655, pronunciando-se pela manutenção do decidido e concluindo nos seguintes termos: 1. O arguido interpôs recurso da sentença proferida e depositada no dia 15.07.2019, que o condenou pela prática, em autoria material e na forma consumada, em concurso real e efectivo, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelo disposto nos artigos 181º, nº 1, 184º e 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal (na pessoa do Militar RM) na pena de 2 meses de prisão, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelo disposto nos artigos 181º, nº 1, 184º e 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal (na pessoa do Militar FF) na pena de 2 meses de prisão, e um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2º, nºs 1, alínea v), 3º, alíneas g) e h), 3º, nº 2, alínea l) e 86º, nº 1, alínea c) do RJAM, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única conjunta de 1 ano e 7 meses de prisão, a cumprir em estabelecimento prisional; 2. O recorrente pugna, a final, pela revogação da sentença e substituição por outra que o absolva da prática do crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2º, nºs 1, alínea v), 3º, alíneas g) e h), 3º, nº 2, alínea l) e 86º, nº 1, alínea c) do RJAM, ou, caso assim não se entenda, o condene em penas de multa ou, ainda, no limite, em pena de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação; 3. Considera o recorrente que: i) a sentença recorrida violou o princípio in dubio pro re; ii)O tribunal a quo não fez uma aplicação correcta dos artigos 40.º e 71.º, do C. Penal; iii) na improcedência dos argumentos antecedentes, deverá ser determinada a reabertura da audiência nos termos e para os efeitos do disposto no art. 371.º-A, do C. P. Penal; 4. Lidas e devidamente analisadas e enquadradas as conclusões da motivação apresentada, não poderemos deixar de concluir que o Recorrente nada mais faz do que pretender contrapor a convicção que alcançou sobre os factos com a que a Meritíssima Juíza, livremente e segundo as regras da experiência comum, formou sobre os mesmos; 5. Contudo, a difícil tarefa de julgar é do Julgador, e não do Recorrente, sendo que aquele a faz – nos termos da Lei – de acordo com as regras da experiência e da livre convicção. Na verdade, a matéria dada como provada é a que resulta da análise da prova produzida, temperada com os princípios de processo penal convergentes na área, com destaque para o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal; 6. Em nosso entender, a decisão em recurso não padece de qualquer vício de raciocínio na apreciação das provas e não nos merece qualquer reparo do ponto de vista da materialidade dada como provada, e como tal, foi bem decidida; 7. No que concerne à concreta pena aplicada ao recorrente, e fazendo apelo ao disposto nos arts. 40.º e 71.º, do C. Penal, nada há a apontar à decisão recorrida; 8. No caso concreto, e tendo em conta a frequência com que a criminalidade em referência nos autos é praticada, não temos dúvidas de que as exigências de prevenção geral são elevadas; 9. Por outro lado, não obstante o recorrente se encontrar socialmente integrado, pelo menos, de forma aparente, tributa em seu desfavor, ao nível das exigências de prevenção especial, a circunstância de ter já sofrido 9 condenações pela prática de crimes, surpreendendo- se uma condenação anterior pela prática do crime de detenção de arma...
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