Acórdão nº 3951 18.2T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelMÁRIO BRANCO COELHO
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Faro, A… demandou O… e H…, pedindo a sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 14.457,88, acrescida de juros contados desde a data da cessação do contrato de trabalho (13.07.2018) e até integral pagamento, sendo € 12.645,50 a título de compensação pela justa causa na resolução do contrato de trabalho, e o restante a título de férias e subsídios de férias e de Natal.

Tendo a acção sido contestada, realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença condenando as Rés a pagarem solidariamente à A. as quantias de € 807,83, a título de férias vencidas, e de € 1.004,55, a título de proporcionais das férias e subsídios de férias e de Natal pelo trabalho prestado no ano de cessação do contrato, tudo acrescido de juros contados desde 13.07.2018.

Inconformada, a A. interpôs recurso. Das suas conclusões, apesar de não realizarem a síntese exigida pelo art. 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, podem ser surpreendidas as seguintes questões fundamentais: A) A Recorrente considera incorrectamente julgados os n.ºs 6 e 16 da matéria de facto, que não poderiam ter sido dados como provados; B) Das declarações de parte da Autora, confirmadas pelos depoimentos de parte das Rés, resulta provado que a Ré O…: · ameaçou a A. de despedimento por aquela ter faltado no dia anterior (segunda-feira) para se deslocar à ACT (o que equivaleria a 3 dias de faltas, pelo que podia despedi-la naquele momento); · comunicou à A. que lhe iria pagar o ordenado às prestações como a Ré H… lhe fazia; · disse à A. que as férias que esta tinha por gozar e já marcadas seriam alteradas de acordo com o trabalho dela Ré O…, uma vez que esta trabalhava noutro sítio; · disse à A. que esta já devia ter gozado 15 dias de férias, os quais a Ré O… só lhe daria se quisesse e que as alteraria de acordo com o trabalho desta (fora da lavandaria); · disse à A. que ao sábado ia começar a abrir a lavandaria, o que levou a A. a supor que iria passar a trabalhar em tal dia pois a lavandaria encerrava habitualmente ao sábado e domingo e as Rés lhe haviam dito que trabalharia sozinha na lavandaria; · por fim, disse também à A. que a lavandaria ia também prestar serviços de costura, o que levou a Autora a supor que iria passar também a prestar estes serviços, pois as Rés lhe haviam dito que trabalharia sozinha na lavandaria; C) Deste modo, a Ré O… pretendia alterar os direitos da A. quanto ao pagamento pontual da sua retribuição, gozo e marcação de férias e horário de trabalho.

D) E pretendia também alterar a organização de trabalho na lavandaria (abertura aos sábados e prestação de serviços de costura para além dos serviços habituais de lavandaria).

E) Uma análise crítica da prova produzida (documental e declarações das partes) impunha que o Tribunal tivesse dado como provados os seguintes factos: F) Ocorreu assim justa causa de resolução do contrato de trabalho, nos termos dos arts. 394.º n.º 3 al. d) e 286.º-A n.º 1 do Código do Trabalho.

G) A A. tem, assim, direito à compensação prevista no 396.º n.º 5 do Código de Trabalho.

Não foi oferecida resposta.

Já nesta Relação, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu parecer.

Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, e consignando, desde já, que estão reunidos os pressupostos exigidos pelo art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil para a apreciação da impugnação fáctica (estão especificados os concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, bem como os concretos meios probatórios que, na opinião da Recorrente, impõem decisão diversa, e ainda a decisão que, no seu entender, deve ser proferida acerca das questões de facto impugnadas), proceder-se-á à análise desta parte do recurso, no uso da referida autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto.

Fundamentalmente, a A. impugna os pontos 6 e 16 da matéria de facto, onde a sentença recorrida declarou provado o seguinte: “6. Porém, no dia 6 de Julho de 2018, sexta-feira, as RR. comunicaram à A. que nesse dia H… tinha trespassado o estabelecimento a O… que o passaria a explorar a partir do dia 9 de Julho desse ano, que tudo ficaria igual, continuando o estabelecimento a prestar serviços de limpeza a seco, lavandaria e engomadoria, continuando a A. a exercer as funções que exercia, da mesma forma como até aí fazia, sozinha no estabelecimento como já fazia, com a mesma antiguidade, horário e direitos, bem assim que a R. O… assumiria e cumpriria o seu contrato de trabalho.

(…) 16. Pelo menos entre o dia 9 de Julho e 13 de Julho de 2018 O… passou a gerir o estabelecimento continuando a prestar os mesmos serviços que até aí prestava, sem alteração da organização de trabalho.” A A. entende que ficaram demonstrados factos tendentes a demonstrar a alteração das suas condições de trabalho, argumentando que essa matéria resultaria das suas declarações de parte, e seria suportado nos depoimentos de parte das Rés e nos documentos anexos aos autos.

Pois bem, para além da A. ter admitido que as Rés lhe disseram no dia 06.07.2018 que as suas condições de trabalho iriam ficar iguais, ninguém mais confirmou o que a A. afirmou sobre o que se passou na terça-feira seguinte, a propósito de ameaças de despedimento e alterações na organização do trabalho (nem as Rés o confirmaram nos seus depoimentos).

Sucede que as declarações de parte não podem valer como prova de factos favoráveis se não tiverem o mínimo de corroboração por um qualquer outro elemento de prova isento e imparcial. Lebre de Freitas[1] escreve que “a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas.” Trata-se de um meio de prova cuja apreciação se faz segundo as regras normais de formação da convicção do juiz, o que implica que, em relação a factos favoráveis à parte interessada na procedência da causa, o juiz não deve ficar convencido apenas com o seu depoimento, carecendo de um mínimo de corroboração por outras provas isentas e independentes da parte.

[2] As declarações de parte constituem, pois, mero princípio de prova, não se mostrando bastantes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de certeza final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros meios de prova.

[3] Teixeira de Sousa[4] esclarece que “o princípio (ou começo) da prova é o menor grau de prova: ele vale apenas como factor corroborante da prova de um facto. Isto é, o princípio da prova não é suficiente para estabelecer, por si só, qualquer prova, mas pode...

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