Acórdão nº 1223/20.1T8FAR.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Dezembro de 2021

Data16 Dezembro 2021

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] I. Relatório Na presente ação declarativa, com processo comum, que A... move contra Universidade do Algarve, foi proferida, em 28-06-2021, a seguinte decisão (ref.ª 120740936): «Despacho Saneador - Da Exceção de incompetência do Tribunal: Na sua contestação, veio a R. Universidade do Algarve invocar a incompetência material desta Secção de Trabalho por a competência pertencer ao Tribunal Administrativo e Fiscal.

Alega, para o efeito, que a Ré é uma pessoa coletiva de direito público que com a Autora iniciou, em 1 de julho de 1999, uma relação de trabalho em funções públicas por contrato a termo certo e que, em 24 de setembro de 2001, se transformou em contrato administrativo de provimento.

Dois dos três pedidos formulados pela Autora nesta ação prendem-se com o despacho proferido pelo Reitor da Ré que fez cessar a comissão de serviço da Autora no cargo (e não na categoria profissional, como esta erradamente refere) de Chefe de Divisão da Unidade de Apoio à Investigação Científica e Formação Pós-Graduada.

Tais pedidos concretizam-se, um, na condenação da Ré em reconhecer a Autora como Chefe de Divisão dessa Unidade e mantê-la nesse cargo até nomeação de outro titular; e, outro, na condenação da Ré em pagar-lhe indemnização de € 2.967,78 como diferença de vencimentos pelo tempo em que esteve afastada dessa chefia desde a data do despacho até à data da propositura da ação.

A relação mantida entre a Autora e a Ré é uma relação de trabalho com vínculo de emprego público, constituído e sustentado por contrato de trabalho em funções públicas, em que aquela possui a categoria profissional de Técnica Superior.

O cargo de Chefe de Divisão que a Autora ocupou na Unidade de Apoio à Investigação Científica e Formação Pós-Graduada é um cargo de direção intermédia de 2º grau tal como está previsto e classificado no Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Central, Regional e Local do Estado, aprovado pela Lei nº 2/2004 de 15 de janeiro, atualizada pela Lei nº 128/2015 de 3 de setembro.

Aquele cargo é exercido em regime de comissão de serviço de três anos (art. 9º, nº 1, alínea a., da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas) que pode cessar no termo do seu prazo ou por outros motivos (arts. 24º e 25º do mencionado Estatuto do Pessoal Dirigente).

A Autora discorda do despacho reitoral que determinou a cessação daquela sua comissão de serviço como Chefe de Divisão e, por isso, impugna a oportunidade e legalidade de tal despacho.

O despacho reitoral em causa é, inequivocamente, um ato administrativo, produzido no âmbito de uma atividade administrativa e no exercício de poderes de natureza administrativa, sobre assunto exclusivamente administrativo (Estatuto do Pessoal Dirigente da Administração Pública).

A peticionada condenação da Ré em reconhecer e manter a Autora como Chefe de Divisão, mesmo que interinamente e em mera gestão corrente, é matéria exclusivamente administrativa e implica a prévia apreciação de legalidade ou conformidade do despacho reitoral e a eventual declaração de anulação ou nulidade desse despacho de cessação da comissão de serviço dessa chefia de Divisão.

Apreciação e declaração prévia também indispensáveis para a peticionada condenação da Ré no pagamento de indemnização à Autora por alegada diferença de vencimentos entre o previsto para a Chefia de Divisão e o atualmente percebido pela Autora.

A apreciação da legalidade do despacho reitoral e a eventual declaração de anulação, necessariamente prévias e decisivas ao conhecimento e decisão sobre aquelas duas pretensões da Autora, não são da competência material dos Juízos de Trabalho (art. 126º da Lei de Organização do Sistema Judiciário), mas sim da competência material exclusiva dos Tribunais Administrativos (art. 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e arts. e do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

A relação da Autora com a Ré é manifestamente de vínculo de emprego público e embora essa relação se tenha constituído em 1999 é pacífico o entendimento que a partir de 1 de Janeiro de 2009 (quando entrou em vigor o Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas aprovado pela Lei nº 59/2008 de 11 de Setembro) as relações de trabalho anteriormente já constituídas com entidades públicas converteram-se em relações de trabalho subordinado de natureza administrativa, como contratos de trabalho em funções públicas.

Com a configuração que a Autora dá às respetivas causas de pedir e aos seus pedidos, o litígio trazido a este Juízo emerge de um vínculo de emprego público e os factos narrados pela Autora enquadram-se e contextualizam nessa relação subordinada de natureza administrativa, assente nesse vínculo.

Regularmente notificada a A. nada disse.

Cumprido o disposto no artigo 3º., nº. 3 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do artigo 1º., nº. 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, veio a A. pugnar pela competência do Tribunal de Trabalho.

Cumpre decidir.

Veio a A. A... peticionar na presente ação a condenação da Ré a reconhece-la como Chefe de Divisão dessa Unidade e mantê-la nesse cargo até nomeação de outro titular, a condenação da Ré a pagar-lhe indemnização de € 2.967,78 como diferença de vencimentos pelo tempo em que esteve afastada dessa chefia desde a data do despacho até à data da propositura da ação, para além de danos não patrimoniais.

Está em causa o despacho proferido pelo Reitor da Ré que fez cessar a comissão de serviço da Autora no cargo de Chefe de Divisão da Unidade de Apoio à Investigação Científica e Formação Pós-Graduada.

É este ato que deve ser analisado, no sentido de se saber se constitui um ato administrativo.

O conceito de ato administrativo delimita certos comportamentos da Administração, e delimita-os em função da fiscalização da atividade administrativa pelos Tribunais.

A noção de ato administrativo vai servir para um fim completamente diferente, isto é, para definir as atuações da Administração Pública submetidas ao controle dos Tribunais Administrativos.

O ato administrativo passou assim a ser um conceito que funciona ao serviço do sistema de garantias dos particulares.

Em resumo, o conceito de ato administrativo serve primeiro como garantia da Administração, e passa a servir depois como garantia dos particulares.

A principal função prática do conceito de ato administrativo, é a de delimitar comportamentos suscetíveis de fiscalização contenciosa.

Isto resulta muito claro no nosso Direito onde o artigo 268º., nº. 4 da Constituição da República Portuguesa nos diz que o ato administrativo aparece a delimitar os comportamentos da Administração que são suscetíveis de recurso contencioso para fins de garantia dos particulares.

Os elementos do conceito do ato administrativo são: trata-se de um ato jurídico, um ato unilateral, organicamente administrativo, materialmente administrativo, que versa sobre uma situação individual num caso concreto.

Pode-se dizer que o ato administrativo é: o ato jurídico unilateral praticado por um órgão de Administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto.

O Código do Procedimento Administrativo usa o termo ato tanto no sentido amplo, mais corrente na doutrina (artigo 1º/1, em que se considera o procedimento administrativo uma sucessão ordenada de factos), como num sentido mais restrito, em que o ato se confunde com a decisão, surgindo como a conclusão do procedimento, sentido em que aponta precisamente o artigo 120º..

Ato administrativo é um ato jurídico, ou seja, uma conduta voluntária. Dentro dos factos jurídicos em sentido amplo figuram várias realidades e, nomeadamente, os atos jurídicos. O ato administrativo é um ato jurídico.

Sendo ele um ato jurídico, são em regra aplicáveis ao ato administrativo os Princípios Gerais de Direito referentes aos atos jurídicos em geral.

Ao dizer que o ato administrativo é unilateral, pretende-se referir que ele é um ato jurídico que provém de um autor cuja declaração é perfeita independentemente do concurso das vontades de outros sujeitos.

Nele se manifesta uma vontade da Administração Pública, a qual não necessita da vontade de mais ninguém, e nomeadamente não necessita da vontade do particular, para ser perfeita.

Por vezes, a eficácia do ato...

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